Os cães têm noção de tempo como os humanos? É complicado

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Já teve de voltar a casa, dois minutos depois de ter saído, para ir buscar as chaves do carro ou a carteira — e o seu amigo de quatro patas recebeu-o como se já não o visse há muitas horas, certo?

Será que a perceção que os cães têm do tempo, é diferente da dos humanos? Esta pergunta é há muito tempo um enigma para os investigadores e veterinários caninos.

Mas de acordo com a Inverse, uma investigação recente pode finalmente estar próxima de lhe dar uma resposta, e pode até ajudar os donos dos animais a compreender melhor os seus cães.

Mas será que os cães têm noção do tempo?

“É difícil dizer como os cães sentem o tempo“, diz Chyrle Bonk, consultor veterinário da PetKeen, ao Inverse.

Se é dono de um cão, já pode ter ouvido o mito de que os cães não têm noção do tempo. Segundo este mito, há pouca diferença cognitiva para os cães, por exemplo, entre dois minutos e duas horas.

Neste sentido, Yui Shapard, veterinária de pequenos animais e diretora educacional da Associação de Profissionais Médicos Veterinários Asiáticos, afirma que um minuto de dor pode parecer “para sempre” para um cão.

“De tal modo que, se os donos saem de casa durante 30 minutos ou três horas, para o cão não importa a duração do tempo” diz Shapard, “porque os cães não têm um conceito claro de tempo como nós humanos temos, eles estão sempre a viver o momento.”

Esta crença comum leva os veterinários a defenderem fortemente a qualidade de vida, incluindo, por exemplo, o alívio da dor dos cães durante os procedimentos cirúrgicos, explica a veterinária.

Mas nem todos os veterinários e especialistas em comportamento animal concordam que os cães não têm noção do tempo. Katherine Pankratz, por exemplo, acredita que a ideia é na realidade um tanto ou quanto errada.

“Eles têm uma noção dos intervalos de tempo e das diferenças entre uma curta duração e uma longa duração”, diz a comportamentalista e veterinária.

Alguns donos de cães provavelmente concordariam. Afinal, não é invulgar que os cães acordem e esperem à porta ou à janela não muito antes de o seu dono chegar a casa.

A investigação também suporta a ideia de que os cães compreendem a diferença entre porções de tempo variáveis.

Segundo um estudo publicado na Applied Animal Behaviour Science em 2011, os cães são afetados pela duração do tempo deixados em casa sozinhos, mas os investigadores não puderam confirmar se os cães estavam conscientes da duração desse tempo.

Torna-se ainda mais complicado quando comparamos o sentido geral do tempo na mente de um cão, com os nossos relógios humanos calculados com precisão. Como observa Pankratz, não podemos realmente perguntar-lhes se eles compreendem o tempo tal como nós o compreendemos.

Os cães sentem o tempo como os humanos?

Sharpard acredita que os cães têm perceção do tempo, mas não da forma numérica com que os humanos tendem a pensar.

“O conceito de tempo em si, é feito pelo homem, por isso não acredito que os cães tenham a mesma compreensão do tempo que nós”, diz Sharpard, embora acrescente que os cães possam ter uma compreensão “intrínseca” do tempo, com base no seu relógio interno.

Bonk concorda, afirmando que “os cães têm um relógio interno que depende de ritmos circadianos naturais, flutuações hormonais, e assim por diante.” O ritmo circadiano refere-se às mudanças no corpo que correspondem a um ciclo de 24 horas, os humanos também o têm.

“Este relógio interno sinaliza as horas ao seu cãozinho, de uma forma que lhe permite saber quando o jantar será servido ou quando os seus donos voltarão para casa”, acrescenta Bonk.

Pankratz vai mais longe e acrescenta que os sinais ambientais — presença de luz — “acendem” o relógio biológico de um animal. Conhecidos como “zeitbergers” estes avisos também podem ajudar o seu cão a compreender a passagem do tempo.

“Os animais, incluindo os cães, têm de facto uma sensação de tempo“.

Estudos recentes também reforçam a noção de que os cães têm uma compreensão mais concreta do tempo do que talvez tenhamos percebido.

Daniel Dombec, investigador da Northewestern e co-autor de um estudo publicado na revista Nature, em 2018, sustenta que o seu estudo confirma “que os animais têm realmente uma representação explícita do tempo nos seus cérebros”.

Posso ajudar o meu cão a compreender quanto tempo vou estar ausente?

“Tanto quanto sabemos, os cães não usam relógios de pulso para saber quando são 13:36 e têm uma reunião para participar”, diz Pankratz em tom de brincadeira.

“Não podemos simplesmente dizer ao nosso cão que estaremos de volta às 18h30, eles não têm qualquer compreensão da construção humana do tempo a esse nível muito específico”, explica Pankratz.

Então, como podemos comunicar aos nossos cães quanto tempo vamos estar fora sem que eles se preocupem?

Bonk enfatiza a importância de haver uma rotina. “Tente sair e chegar a casa às mesmas horas todos os dias, para que eles possam esperar por si”. Saídas curtas, tais como recados rápidos, não são problema, mas devem ser “suficientemente curtas para não se importarem.”

As rotinas previsíveis podem ajudar a diminuir a ansiedade. Se o seu cão espera normalmente que saia uma vez durante o dia para o trabalho, mas inesperadamente sai à noite com amigos, isso pode deixar o seu cão num estado nervoso.

Os cães são preparados para associar certos sinais com a saída dos humanos, tais como vestir um casaco ou sapatos. Podemos usar estes indicadores para ajudar a sinalizar aos nossos cães quanto tempo vamos estar ausentes.

Por exemplo, um fato e uma gravata podem indicar que vai sair para um longo dia de trabalho em comparação com os sapatilhas de corrida, o que indicará uma saída curta para o seu amigo de quatro patas.

“Poderá usar uma ‘deixa de segurança’ tal como uma frase especial — volto já!— antes de uma partida”, acrescenta Pankrtz.

Embora Pankrtz sublinhe que se deve evitar a tentação de enganar o cão, misturando mais tarde estes sinais de segurança, uma vez que pode enfraquecer os sinais e confundir o seu canino.

Um exemplo comum, não recomendado, é o dos donos que dizem ao seu animal que vão passear, para os arrastar facilmente para o veterinário.

Apesar de os humanos e os caninos não falarem a mesma língua, os nossos cães entendem-nos melhor do que achamos — e há diversas formas e truques para os ajudar a não sofrerem tanto com a nossa ausência.

Inês Costa Macedo, ZAP //

2 Comments

  1. O estudo de 2011 não foi publicado na Sciencedirect, mas sim na Applied Animal Behaviour Science. A Sciencedirect é apenas o portal de todos os artigos da editora Elsevier.

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