O conflito na Ucrânia está numa “pausa operacional”, disse Frank Ledwidge, professor de Estratégia Militar da Universidade inglesa de Portsmouth, indicando que está nas mãos dos norte-americanos a vitória dos ucranianos.
“Estamos a entrar numa fase de pausa operacional. As condições meteorológicas na Ucrânia e em toda a Europa Central são de grande humidade e frio. Há muita lama no terreno. Ainda não estamos na fase mais fria do inverno. Estamos agora no fim da chamada rasputitsa, período durante o qual as estradas são lamacentas e a deslocação é bastante desagradável”, referiu ao Expresso o investigador britânico, que trabalhou durante uma década nos Balcãs e na antiga União Soviética,
“É muito difícil conduzir veículos ao longo do território, e os movimentos ficam confinados às estradas, que são facilmente atacadas por artilharia. Ainda há muitos combates em curso no leste da Ucrânia, mas não ouvimos muitos relatos. Os russos estão a reunir defesas nas partes das províncias que restam, em Kherson e Zaporíjia, mas não há defesas que cheguem. Estão a preparar-se para os ataques ucranianos, que deverão acontecer dentro de um mês ou dois”, indicou.
E continuou: “soubemos, através dos serviços de informação, que a Ucrânia acredita que os russos estão a planear algo. Também suspeito que sim. Também vemos algumas investidas da artilharia em Kherson, mas a principal ofensiva é em Bakhmut. Não acredito que vão ser bem-sucedidos”.
Relativamente aos russos, indicou ainda que o “passo sensato seria manterem-se na defensiva e esperarem que a Ucrânia dê o passo seguinte, ou, pelo menos, tentarem reunir reservas móveis capazes de lidar com a rutura das suas linhas, que possivelmente acontecerá. Dada a qualidade das suas forças, penso que seria mais inteligente manterem-se à defesa. Mas acredito que os russos não o farão”.
Questionado sobre o inverno rigoroso que a Ucrânia pode enfrentar, “com as populações a morrerem enregeladas por causa de ataques às infraestruturas críticas de energia”, disse que isso é provável.
“Sim, definitivamente. Como sabe, o Governo recomendou que quem se possa colocar no comboio que o faça rapidamente. Infelizmente, alguns países da Europa ocidental não estão a receber os refugiados devidamente como parte dos esforços de guerra. Mas a mensagem é: quem conseguir pagar uma viagem para o estrangeiro, deve fazê-lo, e permanecer lá”
“Há rumores de que estão a pensar evacuar Kiev, mas eu não imagino tal coisa. Seria um pesadelo logístico e um desastre. Por isso, os ucranianos estão a tentar mitigar os danos usando abrigos. Espero que o Ocidente consiga ajudar, com equipamento e geradores. Mas será muito difícil para os ucranianos. O inverno ainda não começou realmente”, notou o especialista.
Indagado pelo Expresso sobre a média de cem soldados da Rússia que se têm rendido por dia, declarou que os russos estão a ter maiores dificuldades.
“Temos de nos lembrar que temos ouvido sempre falar apenas de um dos lados desta guerra, não ouvimos falar das baixas ucranianas. São inquestionavelmente maiores do que a maioria das pessoas pensa. São pelo menos metade das baixas russas. Isso é reflexo da natureza do combate. As baixas ucranianas são bastante elevadas”, notou.
“A não ser que os ucranianos recebam uma enorme melhoria na ajuda militar ocidental, vamos assistir a uma longa e difícil guerra. A forma como Moscovo tem atingido a população civil já o mostrou explicitamente”, continuou.
Sobre o perigo de a guerra se espalhar para outros países, disse que “a Rússia não pode dar-se ao luxo disso, de todo. Não poderá envolver a NATO ou será derrotada muito rapidamente. No entanto, estamos num caminho de escalada, o que significa que a escala da guerra está sempre a aumentar, à medida que mais armamento e mais pessoas vão chegando ao terreno de batalha.
“A guerra vai sempre criar incertezas, dúvidas e atrito. A combinação de níveis de combate aumentados – que veremos no próximo ano -, de mais sistemas de armamento capazes e derrotas no terreno por parte dos soldados russos trará uma escalada ainda maior e uma situação bastante perigosa”, apontou.
E prosseguiu: “não veremos o Exército russo a atacar a Estónia ou a Roménia, tenho confiança de que isso não acontecerá. Podemos estar confiantes de que Portugal não terá de enviar soldados para ajudar, mas veremos a escalada em termos de armas usadas. Por exemplo, com ciberataques, armas químicas… Armas nucleares não podem ser excluídas”.
Indicando que as forças russas estão a ser mais bem sucedidos em torno de Bakhmut do que em Donetsk, explicou que o que está a acontecer nessa região “é que o grupo Wagner, composto por mercenários, prometeu conquistar a cidade, e, nos últimos três meses, tem obtido ganhos marginais que muitas vezes são revertidos”.
“Certamente estão muito desesperados por conseguir algum sucesso que possam apresentar ao Ministério da Defesa da Rússia. Querem mostrar que são capazes de fazer o que o Exército russo não consegue. Dessa forma, estão a transformar pessoas em armas”, explicou.
Questionado se os Os EUA preferiam que a Ucrânia aceitasse negociar, respondeu que sim. “O general Mark Milley falou sobre isso. A Defesa norte-americana já percebeu que a situação se vai prolongar por muito tempo. Se os norte-americanos não ajudarem a Ucrânia a vencer esta guerra, a Ucrânia não vencerá”.
“Para garantir que os ucranianos ganham esta guerra rapidamente, têm de enviar uma grande remessa de armamento pesado, o que é improvável. Por isso, veremos, não um conflito congelado ou um impasse, mas uma longa guerra com muita incerteza”, esclareceu.
Completou ainda que vamos ver “a forma como os norte-americanos olham para esta guerra. Se não fornecerem armamento pesado à Ucrânia, estamos a assistir a uma guerra por procuração contra a Rússia. Não é correto”.
“Os EUA não declararam uma estratégia. Nunca disseram que o objetivo era a vitória da Ucrânia, mas a destruição do Exército russo. O objetivo mais claro que conseguimos identificar encontra-se nas declarações de Lloyd Austin, secretário de Estado da Defesa: ele disse que era intenção dos Estados Unidos e dos seus aliados assegurarem-se de que o Exército russo e os russos ficam de tal forma derrotados e desmoralizados que não conseguirão fazer novamente o que fizeram”, notou.
“Esse é o único objetivo que ouvimos dos altos funcionários norte-americanos. Isso não é o mesmo que assegurar que os ucranianos vençam. Por isso, pode ser útil para os EUA que esta guerra se arraste por muito tempo”, indicou.
A próxima fase da guerra, “no final do inverno, trará a tentativa ucraniana de recuperar o restante território da região de Kherson. De uma forma ou de outra, usarão forças para chegar à Crimeia, que é o centro de gravidade para toda a campanha. As operações em 2023 vão focar-se na Crimeia”, apontou.
“Isso não significa que os ucranianos vão atacar a Crimeia, significa que a Crimeia é o objetivo da Ucrânia. Poderão capturar o Donbas ou a costa do Mar Azov para cortar o acesso à Crimeia, como fizeram com a ponte do estreito de Kerch”, referiu.
Os russos “terão também as suas operações, mas estão agora numa defensiva estratégica e terão de tentar manter os territórios que ainda controlam até ao próximo ano. Não terão capacidade para avançar muito mais. Veremos muitos contrataques ucranianos, e será uma contraofensiva muito eficiente”, indicou.
E concluiu: esses contrataques “não acabarão com a guerra a não ser que signifiquem a reconquista de todo o território. Os ucranianos não tolerarão menos do que isso. Já sacrificaram tanto, porque iriam tolerar tal coisa? É uma ideia partilhada por cerca de 97% da população ucraniana”.
Guerra na Ucrânia
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