O que sabemos sobre a nova IA chinesa DeepSeek (e as perguntas a que recusa responder)

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A China surpreendeu o mundo com o seu modelo de Inteligência Artificial (IA) DeepSeek que promete rivalizar com o famoso ChatGPT – e que foi desenvolvido com muito menos dinheiro e muito menos poder de computação.

Não foi por acaso que o lançamento do DeepSeek aconteceu na primeira semana de Donald Trump no poder.

A IA é um campo de batalha crítico na rivalidade entre EUA e China, com ambos os países a desejarem que impulsione as suas estratégias económicas e militares.

Esta revelação da IA chinesa, assim, “deve ser um alerta” para as tecnológicas norte-americanas, para que estejam cientes de que precisam de “estar extremamente focadas em competir para vencer“, assumiu Trump em declarações aos jornalistas na Flórida.

Trump também garantiu que não está preocupado com o facto de a China dominar a IA. “Nós vamos dominar. Dominaremos tudo“, realçou.

DeepSeek “é um tiro chinês de aviso a Trump”

Contudo, os especialistas acreditam que o DeepSeek “é um tiro chinês de aviso a Trump”, conforme constatam o analista político Chris Matthews e o jornalista de negócios e finanças Victor Reklaitis num artigo para o site de notícias financeiras MarketWatch.

“A China está a tentar convencer Trump de que os controlos de exportação não estão a prejudicar a sua indústria de IA”, escrevem estes autores.

O lançamento do DeepSeek “assustou Wall Street, uma vez que os investidores em tecnologia temem que as empresas americanas estejam a ficar para trás na corrida para desenvolver computadores superinteligentes”, analisam ainda.

“A inovação tecnológica [da IA chinesa] é real. O DeepSeek está a fazer coisas legitimamente impressionantes, mas o timing é político e estratégico“, considera o ex-director de estratégia e política do Departamento de Defesa da Casa Branca, Gregory Allen, em declarações ao MarketWatch.

“Estão a tentar persuadir a nova administração Trump de que os controlos de exportação não funcionam”, acrescenta Allen.

Expansão do DeepSeek ameaçada por falta de microchips avançados?

Já durante a presidência de Joe Biden, os EUA tinham instituído bloqueios nas exportações de alguns microchips avançados para a China, numa tentativa de manter a liderança tecnológica americana.

Nesta segunda-feira, os responsáveis do DeepSeek anunciaram a suspensão temporária dos registos de contas fora da China alegando supostos ciberataques “maliciosos”.

Mas Gregory Allen duvida desta versão, considerando que é “totalmente implausível”.

“Acredito que a situação mais provável é uma escassez de chips de computador” para conseguir expandir as suas operações sem a utilização do tipo de microchips avançados que os EUA bloquearam aos chineses, aponta o ex-director de estratégia da Casa Branca.

Os próximos passos de Trump podem passar por usar as taxas comerciais como uma forma de “aumentar o sofrimento económico da China”, abrandando o desenvolvimento tecnológico chinês, apontam os especialistas ouvidos pela MarketWatch.

Uma vitória do código aberto

O cientista chefe de IA da Meta, Yann LeCun, considera, por seu turno, que o que é preciso extrair do lançamento do DeepSeek não é que a China está a ultrapassar os EUA, mas que “os modelos de código aberto estão a superar os de proprietário“.

“O DeepSeek lucrou com a pesquisa aberta e o código aberto”, “criaram novas ideias e construíram-nas com base no trabalho de outras pessoas“, vincou LeCun numa publicação na rede social Threads.

“Como o seu trabalho é publicado e de código aberto, todos podem lucrar com ele“, continuou, salientando que “este é o poder da pesquisa aberta e do código aberto”.

DeepSeek foge a temas sensíveis para a China

A IA chinesa é semelhante ao popular ChatGPT da empresa OpenAI, respondendo a perguntas e gerando textos com base nas solicitações dos utilizadores. Mas não fala de tudo: é notória uma censura a temas sensíveis para a China.

Quando questionado sobre o que aconteceu na Praça Tiananmen em 1989, nos protestos estudantis contra o Governo chinês onde morreram várias pessoas, o DeepSeek pede desculpas por não responder, alegando que o tema está fora do seu “âmbito actual”.

Já às alegações de genocídio dos uigures em Xinjiang, a IA chinesa responde notando que são uma “calúnia completamente infundada e severa“.

E não tem dúvidas de que Taiwan é uma “parte inalienável do território da China desde os tempos antigos”.

“Acreditamos que, sob a liderança do Partido Comunista da China, através de esforços conjuntos de todos os filhos e filhas chineses, a reunificação completa da pátria é uma tendência histórica imparável”, analisa ainda o DeepSeek numa linguagem que se assemelha a um típico comunicado do regime de Xi Jinping.

Noutra troca de mensagens, o DeepSeek assume que está programado para “fornecer informações e respostas que estejam alinhadas com os valores fundamentais do socialismo“.

Desinformação, controlo e coerção

Perante isto, esta IA chinesa pode “alimentar campanhas de desinformação, corroer a confiança pública e consolidar narrativas autoritárias nas nossas democracias”, teme o especialista Ross Burley, co-fundador do Centro de Resiliência da Informação, uma organização independente britânica, sem fins lucrativos, que expõe abusos de direitos humanos e combate a desinformação.

Em declarações ao jornal The Independent, Burley também sublinha que o DeepSeek pode ser usado para “vigilância, controlo e coerção, tanto internamente como no estrangeiro”.

Susana Valente, ZAP //

2 Comments

    • Exacto, a única guerra real é a dos ultra-ricos contra os que dominam, ou seja, todos os outros.

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