Campanha de desinformação denunciada pelo candidato separatista que concorre às eleições taiwanesas, com lugar no próximo sábado. “Não se intrometam”, diz a China aos EUA.
Uma organização de investigação de Taiwan ligada à inteligência artificial denunciou uma campanha de desinformação da China para tentar influenciar as eleições presidenciais e legislativas na ilha, que se realizam no próximo sábado.
A AI Labs, que tem uma parceria com o Governo taiwanês, detetou que a China usou “de forma proeminente”, de setembro a novembro de 2023, ameaças de guerra contra Taiwan, acusando as autoridades de Taipé de empurrarem a ilha para a guerra.
“Em dezembro, com a aproximação das eleições, o tom das ameaças de guerra diminuiu e a China passou a dar ênfase às questões educativas e económicas”, disse a AI Labs num relatório divulgado esta semana.
China teme candidato separatista
Taiwan vai escolher no sábado o presidente e o parlamento, por maioria simples, entre três candidatos: William Lai (Partido Democrático Progressista (DPP), no poder), Hou Yu-ih (KMT) e Ko Wen-Je (Partido do Povo de Taiwan, TPP).
Lai, atual vice-presidente de Taiwan, lidera as sondagens e é visto pela China como um separatista — um “perigo sério”, devido às suas posições pró-independência, defendeu um porta-voz do gabinete chinês responsável pelas relações com a ilha, Chen Binhua.
“Se chegar ao poder, [William Lai] vai continuar a promover atividades separatistas”, o que é um “caminho prejudicial”, afirmou um porta-voz do gabinete chinês responsável pelas relações com a ilha, Chen Binhua.
Candidato alerta para mentiras chinesas
Numa conferência de imprensa na terça-feira, Lai acusou Pequim de estar a interferir nas eleições através de “ameaças militares, coerção económica, guerra cognitiva [e] desinformação”.
As verificações da AI Labs estão em linha com outras denúncias de campanhas de desinformação atribuídas a Pequim, como a de que Taiwan está a importar dos EUA carne de porco envenenada.
Segundo a televisão britânica BBC, outras das “mensagens” em circulação é a de que sangue recolhido em Taiwan será enviado para os EUA para construir uma arma biológica para atacar a RPC.
Batalha nas redes sociais
A batalha para influenciar os eleitores taiwaneses tem sido travada ‘online’ há meses, com os utilizadores da Internet a aprovar, comentar e partilhar vídeos nas redes sociais.
Alguns dos vídeos partilhados no TikTok são provavelmente provenientes do Douyin, a versão da aplicação disponível na RPC, segundo equipas de investigação digital da agência francesa AFP.
O material mais difundido diz respeito a Hsiao Bi-khim, candidata a vice-presidente ao lado de William Lai.
“Ela é estrangeira”, disse um utilizador num dos muitos vídeos partilhados sobre Hsiao no TikTok, transmitindo a ideia de que mantém secretamente a cidadania norte-americana e que, por isso, não é elegível.
Hsiao tem afirmado repetidamente que renunciou à cidadania norte-americana há décadas, e a AFP encontrou o seu nome numa lista do Governo dos EUA de pessoas que renunciaram à cidadania.
Os peritos consideram tratar-se de um exemplo da vontade de Pequim de utilizar informações falsas ou afirmações parcialmente verdadeiras para desacreditar figuras políticas que se opõem à ideia de que Taiwan faz parte da China.
“Taiwan está a enfrentar um rival extremamente bem equipado e motivado para conquistar corações e mentes”, disse à AFP o especialista em China Jonathan Sullivan, da Universidade de Nottingham, Inglaterra.
Já em maio de 2022, contas que se faziam passar por utilizadores taiwaneses começaram a publicar vídeos e ‘memes’ políticos como parte de um “esforço sustentado e coordenado”, afirmou a empresa de investigação norte-americana Graphika num relatório recente.
Com Lai a liderar as sondagens, um alto funcionário chinês descreveu a votação como uma escolha entre a guerra e a paz.
“Não se intrometam”, diz China aos EUA
A China apelou aos EUA para não “se intrometerem” nas eleições presidenciais de Taiwan e disse opor-se “firmemente” aos laços entre Taipé e Washington, que anunciou o envio de uma delegação à ilha após a votação.
Os EUA “não devem interferir nas eleições na região de Taiwan, sob qualquer forma, de forma a evitar danos graves nas relações sino-norte-americanas”, disse Mao Ning, porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, em conferência de imprensa.
“A China opõe-se firmemente a qualquer forma de intercâmbio oficial entre os Estados Unidos e Taiwan”, sublinhou. “Existe apenas uma China no mundo e Taiwan é parte inalienável da China”, frisou.
O estatuto de Taiwan é um dos assuntos mais sensíveis na rivalidade entre a China e os EUA.
Os EUA planeiam enviar “uma delegação informal” a Taiwan após as eleições, disse um alto funcionário norte-americano na quarta-feira.
“Seria provocador Pequim responder [ao resultado eleitoral] com mais pressão militar ou ações coercivas”, alertou o responsável, que pediu anonimato.
“Os Estados Unidos não tomam partido nas eleições, não têm um candidato preferido. Independentemente do resultado das eleições, a nossa política em relação a Taiwan permanecerá a mesma e a nossa forte relação informal continuará”, disse o responsável norte-americano.
No início desta semana, altos responsáveis militares chineses disseram aos seus homólogos norte-americanos que a China “nunca fará concessões” em relação a Taiwan e instaram os Estados Unidos a “pararem de fornecer armamento” à ilha durante discussões militares organizadas em Washington.
China não descarta uso de força
A República Popular da China (RPC) e Taiwan vivem autonomamente desde 1949, quando o Partido Comunista Chinês (PCC) derrotou os nacionalistas do Kuomintang (KMT), que se refugiaram na ilha.
Desde então, Pequim reclama a soberania de Taiwan e ameaça tomá-la pela força se Taipé declarar a independência. A China há muito que se opõe ao DPP, o partido da Presidente Tsai Ing-wen, que está no poder desde 2016.
Tsai considera Taiwan um Estado soberano ‘de facto’ e não aceita as reivindicações de Pequim sobre o território de 23 milhões de habitantes. Pequim rejeita as alegações como “rumores”.
O continente chinês lançou também uma campanha para isolar o território internacionalmente: sete países cortaram desde então os laços com Taipé e passaram a reconhecer Pequim como o único governo legítimo de toda a China.
Pequim diz ser a favor da reunificação “pacífica” com a ilha, cujos 23 milhões de habitantes são governados por um sistema democrático, mas não descarta o uso da força se necessário.
ZAP // Lusa