As roupas modernas em segunda mão são frequentemente consideradas sujas; mas, por outro lado, as peças “vintage” já não. Por que é que este pressuposto limita tanto a moda sustentável?
A jornalista Jo Adetunji conta, no The Conversation, que quando era adolescente na Ucrânia pós-URSS, se lembra de visitar lojas de roupa em segunda mão.
Para os idosos, o maior obstáculo à aceitação de roupas em segunda mão não era propriamente o cheiro persistente de naftalina. As suposições sobre a classe social do anterior proprietário e a sua cor de pele também eram barreiras.
Contudo, para a autora, essas eram exatamente as razões pelas quais eu adorava este tipo de compras. Jo Adutunji diz que era através das roupas em segunda mão que consumia a cultura ocidental.
O estigma da “sujidade”
Hoje em dia, o estigma associado à sujidade dificulta a forma como as pessoas reutilizam peças de vestuário em segunda mão ou escolhem tecidos reciclados que foram transformados em algo novo.
Este facto limita o potencial de transformar a indústria da moda – que gera resíduos, polui e consome muita energia – numa indústria mais sustentável.
A reciclagem ainda não está a ser feita à escala industrial.
Como se lê no mesmo artigo do The Conversation, apenas 1% das roupas usadas são recicladas. Além disso, a única fábrica de reciclagem da Europa – concebida para converter roupas descartadas em novos têxteis através de uma reciclagem química ecológica – fechou em fevereiro de 2024, declarando falência apenas dois anos após a sua abertura.
A reutilização – como a revenda, o aluguer, a reparação e a refabricação – pode ajudar a evitar o desperdício, reduzir a utilização de novos recursos, diminuir as emissões de carbono e aumentar a sensibilização dos consumidores para combater os resíduos de moda.
Apesar do surgimento de vários modelos de reutilização, esta continua a ser uma prática de nicho porque depende do facto de as pessoas usarem roupas que outros já usaram anteriormente.
Limpeza ou frescura?
A limpeza é um conceito cultural que tem evoluído ao longo do tempo. Antigamente, a lavagem da roupa interior substituía o banho, protegendo o corpo dos germes e das doenças.
Hoje em dia, as práticas de lavagem centram-se em cuidar das roupas e protegê-las dos nossos corpos sujos. A lavagem a baixas temperaturas e em ciclos suaves não tem por objetivo matar os germes, mas sim preservar a frescura.
A frescura tornou-se o principal marcador de limpeza, como o demonstra a vasta gama de detergentes modernos e de produtos pós-lavagem que prometem uma frescura extra.
As perceções culturais de limpeza influenciam significativamente a forma como as roupas em segunda mão são vistas e valorizadas. Atualmente, isso é motivado pela necessidade de remover os vestígios do anterior proprietário.
Mas além da higiene…
As roupas, mesmo quando fisicamente limpas, são frequentemente vistas como sujas se tiverem sido usadas anteriormente.
Manchas como sangue num vestido, marcas de suor numa camisa de homem ou derrames de vinho em calças de ganga de marca são vistas e até cheiram de forma diferente, apesar da limpeza.
Estas preocupações vão para além da higiene, envolvendo suposições e julgamentos morais sobre os corpos dos anteriores proprietários, incluindo a sua classe, forma corporal, género e raça.
Em muitas culturas, existe uma necessidade de limpeza simbólica do corpo dos anteriores proprietários que é frequentemente ignorada.
A limpeza das roupas em segunda mão tem uma carga simbólica. Ao distinguir entre as necessidades e expectativas de pureza física e simbólica do vestuário e ao discuti-las mais abertamente, as atitudes e as normas culturais podem mudar.
Vintage vs. Segunda mão
Embora a proximidade com os corpos ocidentais fosse uma bênção para a geração de Jo Adutunji, não era universalmente desejável.
Certos tipos de roupa usada, como a lingerie, por exemplo, raramente se encontram neste tipo de lojas.
Estes artigos não são recomendados para revenda, uma vez que estão associados a contaminação, devido ao seu contacto próximo com as zonas íntimas do corpo.
No entanto, para os clientes dispostos a comprar e usar cuecas da era vitoriana – ditas vintage -, este risco percebido é muito menor, uma vez que a proveniência cultural supera qualquer associação com sujidade.
Ou seja, embora tanto a lingerie moderna como a vintage tenham sido usadas, a perceção da sua limpeza é radicalmente diferente.
Além disso, a lavagem destas peças históricas também não é recomendada, pois pode estragar os delicados tecidos de seda ou batiste, ao passo que os vestígios do corpo de outra pessoa, tais como marcas, desfiados, vincos, rugas e dobras nas roupas, são considerados marcas de autenticidade.
ZAP // The Conversation