O lógica do “inferencialismo” veio mudar a linguagem (e não vai ficar por aqui)

O “inferencialismo” – um sistema de lógica recente – parece ter vindo mudar a linguagem e poderá revolucionar agora o uso da inteligência artificial (IA).

As estruturas rígidas da linguagem a que outrora nos agarrávamos com segurança estão a ceder. Tomemos como exemplo temas como o género, a nacionalidade ou a religião – que já não se encaixam tão bem nas rígidas caixas linguísticas do século passado, como exemplifica o The Conversation.

Mas além das mudanças de pensamento, este século trouxe-nos ainda outro desafio: o surgimento da IA impõe-nos a necessidade de compreender como as palavras se relacionam com o significado e o raciocínio.

Um grupo global de filósofos, matemáticos e cientistas da computação apresentou uma nova compreensão da lógica que responde a estas preocupações, designada por “inferencialismo”.

Uma intuição padrão da lógica, que remonta pelo menos a Aristóteles, é que uma consequência lógica deve ser válida em virtude do conteúdo das proposições envolvidas, e não simplesmente em virtude de ser “verdadeira” ou “falsa”.

Durante os últimos dois milénios, a base filosófica e matemática da lógica tem sido a ideia de que o significado deriva daquilo a que as palavras se referem. Pressupõe a existência de categorias abstratas de objetos que estão no universo, e define a noção de “verdade” em termos de factos sobre essas categorias.

O inferencialismo representa melhor o discurso moderno. As suas raízes podem ser encontradas na filosofia radical do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, que no seu livro de 1953, Investigações Filosóficas, escreveu o seguinte:

“Para uma grande classe de casos de emprego da palavra ‘significado’ – embora não para todos – esta palavra pode ser explicada da seguinte forma: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem”

Esta noção faz com que o significado tenha mais a ver com o contexto e a função. Na década de 1990, o filósofo americano Robert Brandom refinou “uso” para significar “comportamento inferencial”, lançando as bases para o inferencialismo.

Em vez de assumir categorias abstratas de objetos que flutuam no universo, a explicação inferencialista do significado reconhece que a compreensão é dada por uma rica rede de relações entre elementos da nossa linguagem.

Pensemos em temas controversos da atualidade, como os que se prendem, por exemplo, com o género. Ignoramos as questões metafísicas que bloqueiam o discurso construtivo, como a questão de saber se as categorias “masculino” ou “feminino” são reais num certo sentido. Essas questões não fazem sentido na nova lógica porque muitas pessoas não acreditam que “feminino” seja necessariamente uma categoria com um significado verdadeiro.

O inferencialismo tornado concreto

O inferencialismo é intrigante, mas o que é que significa pô-lo em prática? Numa palestra em Estocolmo, nos anos 80, o lógico alemão Peter Schroeder-Heister batizou um campo, baseado no inferencialismo, chamado “semântica teórica da prova”.

Em suma, a semântica teórica da prova é o inferencialismo tornado concreto.

Este domínio registou um desenvolvimento substancial nos últimos anos. Embora os resultados continuem a ser técnicos, estão a revolucionar a nossa compreensão da lógica e constituem um avanço importante na nossa compreensão do raciocínio e do discurso humano e das máquinas.

Os modelos de linguagem de grande dimensão (LLM), por exemplo, funcionam adivinhando a palavra seguinte numa frase. As suas suposições são informadas apenas pelos padrões habituais do discurso e por um longo programa de treino que inclui tentativa e erro com recompensas. Consequentemente, “alucinam”, o que significa que constroem frases que são formadas por disparates lógicos.

Através do inferencialismo, podemos dar-lhes alguma compreensão das palavras que estão a usar.

Por exemplo, um LLM pode alucinar com o facto histórico: “O Tratado de Versalhes foi assinado em 1945 entre a Alemanha e a França após a II Guerra Mundial” porque parece razoável. Mas, munido de uma compreensão inferencial, apercebemo-nos de que o “Tratado de Versalhes” foi assinado após a I Guerra Mundial e 1918, e não após a II Guerra Mundial e 1945.

Isto também pode ser útil quando se trata de pensamento crítico e política. Se tivermos uma compreensão adequada das consequências lógicas, podemos ser capazes de identificar e catalogar automaticamente argumentos sem sentido em jornais e debates.

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