O gélido Plutão ainda causa debates acalorados

New Horizons / NASA

Imagem de Plutão enviada pela New Horizons em julho de 2015

Decisão de “despromover” Plutão à categoria de planeta anão teve por base uma votação ainda hoje muito questionada.

Assim como os colegas do Observatório Lowell, Kevin Schindler sentiu um arrepio na espinha quando a União Astronómica Internacional (IAU, na sigla em inglês) anunciou, em agosto de 2006, que Plutão já não era um planeta.

A decisão foi particularmente difícil de digerir no observatório sediado em Flagstaff, cidade do Estado americano do Arizona. Foi ali que o americano Clyde W. Tombaugh descobriu Plutão, a 18 de fevereiro de 1930 — uma data ainda celebrada anualmente como Dia Internacional de Plutão.

“Praticamente todas as grandes descobertas relacionadas a Plutão têm laços com Flagstaff“, descreve Schindler, historiador do observatório, à BBC. “Por isso, ficamos um pouco apreensivos, no mínimo, com o que consideramos ser uma péssima decisão da IAU.”

O jogo inverteu

Mas, ao que parece, quem ri por último ri melhor e, neste caso, pode ser Plutão a rir. Nos últimos 17 anos, o Observatório Lowell recebeu tanta procura que precisou de construir um espaço para visitantes, o qual deve estar pronto em 2024.

“Até 2006, tínhamos capacidade para receber cerca de 60 mil visitantes por ano. Em 2019, pouco antes da covid-19, estávamos a receber quase 100 mil pessoas para participar em eventos como festival ‘I Love Pluto’ (‘Eu amo Plutão)”, conta Schindler.

“Até brincávamos com o facto de essa polémica ter tido um impacto positivo no negócio, tanto que até devia ter acontecido antes“, acrescentou o investigador. “A decisão da IAU definitivamente parece ter tornado as pessoas mais interessadas em astronomia.”

A reclassificação de Plutão como um planeta anão — uma espécie de “despromoção” da “primeira liga” dos planetas do Sistema Solar — ainda incomoda alguns, e não apenas os investigadores que trabalham no observatório.

Alan Stern, o cientista da NASA que liderou a equipa responsável pelasonda New Horizons que chegou a Plutão em 2015, tem sido um conhecido crítico da decisão da IAU — tomada por uma votação de 424 delegados presentes na reunião da organização em agosto de 2006 em Praga, na República Checa.

“A ciência não funciona com base em votos. Não votamos na teoria da relatividade ou na física quântica”, lembrou Stern à BBC. “A IAU poderia ter votado que o céu é verde, o que não tornaria essa afirmação verdadeira.”

Então, o que é um planeta?

No centro da controvérsia sobre Plutão está o que parece ser uma questão básica: o que é um planeta?

A palavra vem dos gregos antigos: eles notaram que Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, os únicos planetas visíveis a olho nu, se moviam de forma muito mais percetível do que as estrelas — o que lhes deu o nome de planetes (andarilhos).

Mas a definição do termo é outra história. Embora Plutão tenha sido rapidamente adicionado à lista de planetas do Sistema Solar após sua descoberta em 1930, os astrónomos especularam nas décadas seguintes que o recém-chegado poderia ser apenas o primeiro exemplo detetado de uma série de pequenos corpos gelados além da órbita de Neptuno, uma região conhecida como Cinturão de Kuiper.

A especulação aumentou em 1992, quando os astrónomos detetaram 1992 QBI, o primeiro Objeto do Cinturão de Kuiper (KBO), o qual mede 160 quilómetros de diâmetro (significativamente menor que Plutão, que tem 2.376 quilómetros). No entanto, os anos 2000 começaram com três grandes descobertas de KBOs comparáveis ao tamanho de Plutão.

Estimou-se que um desses objetos, Eris, descoberto em 2005, fosse ainda maior que Plutão, o que levou a NASA a anunciar em julho daquele ano que “os cientistas haviam descoberto o décimo planeta do Sistema Solar”.

Essas descobertas levaram a IAU a criar um comitê responsável por definir exatamente o que é um planeta e de apresentar uma proposta final aos membros. Ironicamente, um dos primeiros relatórios não só manteve Plutão como um planeta, mas também “promoveu” Caronte, a maior de suas luas, Eris e Ceres — um corpo celeste entre Marte e Júpiter que brevemente foi considerado um planeta após sua descoberta em 1801.

Mas, no final, os delegados da IAU votaram uma definição com os seguintes critérios: um planeta deve orbitar uma estrela; deve ter tamanho para ter gravidade suficiente para tomar uma forma esférica; e deve ser grande o suficiente para que sua gravidade elimine quaisquer objetos de tamanho semelhante perto de sua órbita ao redor do sol — ou seja, é um objeto de dimensão predominante entre os que se encontram em órbitas vizinhas.

Essa última regra selou o destino de Plutão, já que este compartilha a vizinhança orbital com outros KBOs gelados. Como tal, foi delegado para a categoria de “planeta anão”.

Mas nem todos ficaram convencidos: especialistas como Stern questionaram a regra da “inexistência de vizinhança orbital”, requisito que a Terra não cumpre, uma vez que tem mais de 12 mil asteroides na sua vizinhança.

Outra polémica surgiu devido à baixa participação na votação: menos de 20% dos 2,7 mil delegados que compareceram à conferência de 10 dias em Praga realmente votaram, uma vez que os organizadores deixaram a votação para o último dia do evento. “A IAU fez de si uma piada, pois continuo a ver e a ouvir pessoas e colegas a chamar Plutão de planeta”, diz Stern.

O cientista da NASA acrescenta que investigadores como ele tendem a ignorar as regras da IAU e adotar a definição geofísica de planeta — tem gravidade suficiente para ser redondo e massa insuficiente para sofrer fusão nuclear no seu interior. Segundo essas regras, Plutão e todos os outros “anões” seriam qualificados como planetas.

Stern, no entanto, sentiu-se contemplado por descobertas da missão New Horizons. Lançada em janeiro de 2006, a sonda chegou a Plutão nove anos depois e fez várias descobertas sobre o planeta anão que forçaram os cientistas a rever os seus modelos. Um dos achados foi que Plutão pode ter “um vasto oceano de água líquida se movendo sob sua superfície”.

“Mostramos como Plutão era muito mais complexo do que pensávamos e isso deixou-me ainda mais convencido de que a definição atual de ‘planeta’ é impraticável.”

‘Ainda adoramos Plutão’

A responsável pela IAU, a astrofísica norte-americana Debra Elmegreen, explicou à BBC que não fica surpreendida com o prolongado debate sobre Plutão. “Plutão foi descoberto dentro do tempo de vida dos humanos mais velhos, pelo que está arraigado na nossa história”, escreveu Elmegreen, que assumiu o cargo em 2018.

“Além disso, os planetas são a primeira coisa que a maioria das crianças aprende sobre o espaço.”

No entanto, a especialista não acredita que a decisão da IAU sobre Plutão seja alterada tão cedo e sugere diplomaticamente que está na hora de seguir em frente.

“Ainda adoramos Plutão, mas a classificação é fundamental para todas as ciências, pois dessa forma reconhecemos as semelhanças e as diferenças entre objetos. É assim que entendemos sua física, química ou geologia subjacentes”, argumenta Elmegreen.

“Plutão permanecerá como o protótipo desta nova classificação (planeta anão), mas não muda sua importância na compreensão da evolução dos sistemas planetários.” A chefe da IAU reconhece que o debate ajuda a manter a astronomia na mente das pessoas.

ZAP // BBC

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