Uma investigação sobre a mudança de comportamento de um único bit quântico ao longo do tempo revelou uma semelhança tentadora com a geometria do espaço tridimensional — que pode ser uma emanação do tempo. Mas separar o espaço do tempo violaria as leis da relatividade especial de Einstein.
Os físicos do século XIX partiam do princípio de que o espaço era distinto do tempo — e dois investigadores suspeitam agora que tinham razão.
A sua conclusão, que resulta da análise do comportamento dos qubits, põe em causa a ideia atualmente dominante de que o espaço-tempo tetradimensional é o tecido fundamental da realidade física.
Um qubit é um objeto que tem dois estados possíveis — por exemplo, duas rotações diferentes.
Por ser quântico, um qubit pode também existir em combinações desses estados que qualquer objeto familiar nunca poderia assumir – um fenómeno conhecido como sobreposição.
Durante anos, os físicos consideraram a matemática dos estados dos qubits “extremamente sugestiva” de uma ligação mais profunda com a geometria do espaço, diz Vlatko Vedral, investigador da Universidade de Oxford, citado pela New Scientist.
Agora, Vedral e James Fullwood, da Universidade de Hainan, na China, apresentaram um argumento matemático sobre a forma como a geometria do espaço pode ser codificada no comportamento de um qubit no tempo.
Começaram com um modelo matemático para um único qubit que pudesse ser submetido a uma sequência de medições ao longo de um determinado período de tempo.
Dentro deste modelo — e sem assumir nada sobre o estado inicial do qubit – analisaram quais seriam as correlações entre os resultados de tais medições quando consideradas em diferentes intervalos de tempo.
O processo é um pouco como analisar se o que o qubit está a fazer hoje está relacionado com o que estava a fazer 24 horas antes, a seguir comparar com o que estava a fazer 48 horas antes, e assim por diante.
No decorrer do estudo, os investigadores descobriram que a estrutura destas correlações era matematicamente semelhante a um espaço tridimensional.
Especificamente, a partir do comportamento de um qubit ao longo do tempo, os investigadores obtiveram uma fórmula para medir distâncias no espaço – a chamada “métrica euclidiana”.
Vedral diz que a geometria do espaço em que vivemos é mais complexa do que a versão que descobriram através dos seus cálculos do comportamento do qubit ao longo do tempo.
Mas a recuperação da métrica euclidiana a partir de uma configuração tão mínima e sem conhecimento prévio do qubit pode ainda ser uma indicação de que o espaço está relacionado com o tempo e a informação quântica.
“É interessante que um único qubit seja suficiente para obter um espaço euclidiano totalmente tridimensional”, afirma.
Mas há outra implicação tentadora nas conclusões do estudo, disponíveis em pré-publicação no arXiv: que o tempo está de alguma forma separado do espaço, porque a geometria deste último pode ser derivada daquele.
O espaço e o tempo são normalmente considerados componentes de um continuum quadridimensional que conhecemos como espaço-tempo e que está subjacente ao nosso mundo físico.
Separá-los violaria as leis da relatividade especial de Albert Einstein e, como tal, é uma ideia controversa entre os físicos. Há, no entanto, outros investigadores que defendem que o espaço e o tempo devem ser separados.
Por exemplo, Lee Smolin, investigador do Perimeter Institute, no Canadá, diz que, na sua opinião, o tempo é mais fundamental do que o espaço. No entanto, não pensa que o tempo exista de uma forma que possa ser captada com as equações do novo estudo.
A sua hipótese, que também não é corrente, é que “o tempo não é algo que esteja congelado ou que necessite de estrutura”, mas que deve ser entendido como uma sucessão de momentos presentes que ocorrem uns a seguir aos outros – sem qualquer passado ou futuro fisicamente significativo ou conhecível.
Thomas Galley, do Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica em Viena, Áustria, diz que pode ser intuitivo pensar que o tempo é de alguma forma diferente do espaço simplesmente porque o sentimos como tal.
Mas uma compreensão matemática exaustiva do que isso significa no contexto dos qubits ainda é bastante difícil.
Por exemplo, Galley salienta que o novo estudo, embora interessante, não elucida um mecanismo exato através do qual o espaço emergiria do qubit e do tempo.
Além disso, a proposição de que “qubit mais tempo é igual a espaço” pode não ser única, uma vez que pode ser possível trocar o qubit por um objeto quântico mais complicado e ainda assim extrair uma métrica euclidiana, diz Galley.
Vedral afirma que, no futuro, poderá ser possível testar algumas destas ideias teóricas através de experiências.
Os objectos quânticos ultra-frios podem assumir estados de sobreposição como o qubit do novo trabalho, tal como os qubits físicos semelhantes aos utilizados nos computadores quânticos.
Mas é provável que ainda subsistam muitas questões matemáticas, o que significa que os físicos poderão continuar a debater a forma como devemos pensar o espaço-tempo nos próximos anos.
“Parece-me que o espaço-tempo pode muito bem ser uma ficção, no sentido em que é uma forma útil e conveniente de falarmos sobre as coisas que acontecem no universo, mas, em última análise, não precisaremos dele”, diz Vedral.