Os estados quânticos só podem ser preparados e observados em condições altamente controladas. Uma equipa de investigadores conseguiu agora criar os chamados “estados quentes do Gato de Schrödinger” num ressonador de micro-ondas supercondutor.
Há boas notícias para o pobre gato que está vivo e morto ao mesmo tempo — que os cientistas andam há décadas a tentar salvar e que até conseguiram recentemente manter vivo durante uns incríveis 23 minutos.
Num novo estudo, uma equipa de investigadores da Universidade de Innsbruck, na Áustria, conseguiu agora criar os chamados “estados quentes do Gato de Schrödinger“. O desgraçado continua vivo e morto, mas pelo menos está mais quentinho.
Os resultados do estudo, publicados na sexta-feira na Science Advances, mostram que os fenómenos de sobreposição quântica (o tal “estado de gato”) também podem ser observados e usados em condições menos perfeitas — a temperaturas mais altas.
A mecânica quântica é conhecida pelos seus princípios bizarros, como a ideia de que as partículas podem existir em múltiplos estados simultaneamente — um fenómeno chamado “sobreposição”.
Este conceito foi ilustrado pelo famoso paradoxo postulado por Erwin Schrödinger em 1935, em que um gato numa caixa selada com veneno que tinha 50% de probabilidade de o matar, estaria simultaneamente morto e vivo até a caixa ser aberta e o gato observado, provocando o “colapso” da sobreposição.
Os “estados de gato” são sobreposições em que um objeto quântico pode estar em vários estados mutuamente exclusivos, mas é impossível dizer qual deles ocupa realmente; na realidade, ocupa-os todos simultaneamente.
Em experiências reais, esta simultaneidade foi observada na localização de átomos e moléculas e nas oscilações de ressonadores electromagnéticos.
Anteriormente, estes análogos da experiência teórica de Schrödinger eram criados arrefecendo primeiro o objeto quântico até ao seu estado fundamental, o estado com a energia mais baixa possível.
No novo estudo, a equipa liderada por Gerhard Kirchmair e Oriol Romero-Isart mostrou pela primeira vez que é efetivamente possível criar superposições quânticas a partir de estados termicamente excitados.
“Na sua experiência teórica, Schrödinger também partiu de um gato vivo, ou seja, quente“, diz Kirchmair, investigador do Departamento de Física Experimental da Universidade de Innsbruck, citado pelo Phys.org.
“Queríamos saber se estes efeitos quânticos também podem ser gerados se não partirmos do estado fundamental frio“, detalha Kirchmair.
No seu estudo, os investigadores utilizaram um qubit de transmónio num ressonador de micro-ondas para gerar os estados de gato, e conseguiram criar as sobreposições a temperaturas de até 1,8 Kelvin — 60 vezes mais quente do que a temperatura ambiente no dispositivo.
“Os nossos resultados mostram que é possível gerar estados quânticos altamente misturados com propriedades quânticas distintas”, explica Ian Yang, também investigador da Universidade de Innsbruck e primeiro autor do estudo.
Os investigadores usaram dois protocolos especiais para criar os estados quentes do gato de Schrödinger, que tinham sido anteriormente utilizados para produzir estados de gato a partir do estado fundamental do sistema.
“Verificou-se que os protocolos adaptados também funcionam a temperaturas mais elevadas, gerando interferências quânticas distintas“, diz por seu turno Oriol Romero-Isart, líder do grupo de investigação do IQOQI Innsbruck e diretor do ICFO – Instituto de Ciências Fotónicas de Barcelona.
“Isto abre novas oportunidades para a criação e utilização de superposições quânticas, por exemplo, em osciladores nanomecânicos, para os quais atingir o estado fundamental pode ser tecnicamente difícil”, nota Romero-Isart
“Muitos dos nossos colegas ficaram surpreendidos quando lhes falámos a primeira vez destes resultados, porque normalmente pensamos na temperatura como algo que destrói os efeitos quânticos“, acrescenta Thomas Agrenius, que ajudou a desenvolver a compreensão teórica da experiência.
“As nossas medições confirmam que a interferência quântica pode persistir mesmo a altas temperaturas”, realça o investigador.
“O nosso trabalho revela que é possível observar e utilizar fenómenos quânticos mesmo em ambientes menos ideais e mais quentes“, sublinha Kirchmair. “Se conseguirmos criar as interações necessárias num sistema, a temperatura acaba por ser indiferente.”
Já sabemos que a Física Quântica nos traz habitualmente conceitos bizarros, mas que, por mais estranhos que nos pareçam, têm tido importantes aplicações práticas no mundo real.
É o caso da “ação fantasmagórica à distância“, termo cunhado por Albert Einstein para descrever o entrelaçamento quântico — a transmissão instantânea de informação entre partículas distantes que tenham interagido anteriormente.
Este efeito está na base da Computação Quântica, e pode um dia (certamente longínquo) trazer-nos o teletransporte. Mas que aplicação prática têm então o famigerado Gato de Schrödinger e os seus estados de sobreposição quântica?
Estes estados são também cruciais para a computação quântica, na qual os qubits — a unidade básica de informação quântica— operam em múltiplos estados ao mesmo tempo, permitindo cálculos extremamente complexos e rápidos.
Simples, não é? Sim e não. Provavelmente.
Que terá feito este gato para sofrer tanto? E o IRA não faz nada?