“Nunca mais tivemos uma campanha assim”. Eleições para a Constituinte foram há 50 anos

Fundação Calouste Gulbenkian

“Haverá Eleições. 1975”, exposição na Fundação Calouste Gulbenkian

Durante os 20 dias da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte houve mais de 300 eventos políticos e “enorme violência”.

“Nunca mais tivemos uma campanha parecida com esta, em termos de frenesim de atividade política e isso ajuda a perceber também, ou está muito ligado, a uma enorme taxa de participação, de 92%, diz Pedro Magalhães, curador da exposição “Haverá Eleições. 1975”.

Em entrevista à Lusa, o politólogo diz que este foi o aspeto que mais o impressionou, durante a preparação da exposição, patente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, até 31 de outubro.

Outro aspeto, confessou, foi a “enorme violência” da campanha. “Teve muitos episódios de conflito físico e tiroteio, cercos e destruição de sedes partidárias, algo que, de alguma maneira, prenuncia o que vem a acontecer depois no verão quente. Uns meses a seguir, agudiza-se o conflito político e ideológico”.

A Constituição acabou por ser aprovada ainda num clima de conflitualidade, a 2 de abril de 1976.

O jornal A Capital, que esgotou uma edição especial, fazia capa no dia seguinte com uma fotografia do momento, sob a manchete “Liberdade e Progresso”. Mas há outro destaque na primeira página – “Bomba mata padre candidato da U.D.P. e estudante”.

É o lado mais negro deste frenesim e é também a intensidade, a polarização e a conflitualidade que estava a instalar-se. E, tal como sucede em muitos outros momentos da nossa longa transição política, às vezes fica-se a pensar como é possível que isto não tivesse descarrilado para qualquer coisa muito mais dramática!”, observou Pedro Magalhães.

Sentado frente à exposição, apontou o caso de um comício do CDS, em Guimarães, durante o qual houve tiroteio: “As pessoas estão a disparar umas contra as outras e não morre ninguém. Não percebo muito bem como. Mas ainda bem!”, diz, rindo-se.

Ao longo da preparação da mostra, Pedro Magalhães surpreendeu-se também com a magnitude do desafio que foi montar as primeiras eleições livres em Portugal.

“Quando o Movimento das Forças Armadas prometeu que fazia eleições no espaço de um ano, não sei se eles tinham bem presente…aliás, não tinham, porque o I Governo Provisório nem sequer tinha orçamento para as eleições, para o recenseamento”, acrescentou.

“Foi um desafio muito grande, por muitas razões, talvez o maior fosse o próprio recenseamento eleitoral, porque as regras antes do 25 de Abril tinham inúmeras limitações e entorses e além disso não havia sufrágio universal”, recordou Pedro Magalhães. “Quem não sabia ler nem escrever, não tinha direito a voto”.

Assim se passou de dois milhões de eleitores para 6,2 milhões, nota o politólogo.

Mas houve também que garantir mesas de voto, urnas e boletins, além de mudanças administrativas: “O poder local era obviamente controlado ou muito influenciado pelo anterior regime. Foi preciso substituir presidentes de câmara e de junta, tudo isto foi um processo”.

Para Pedro Magalhães, as eleições de 25 de abril de 1975 poderiam não ter acontecido na data prometida se não fosse a intervenção de Costa Braz, militar de Abril que define como uma personagem central, a quem “nunca se reconheceu inteiramente a importância”, nomeadamente na organização do sufrágio universal.

Cinquenta anos depois, ainda há temas para estudar e “segredos por descobrir”, garantiu. “O fundamental está estudado e conhecido, mas até sobre processos importantes, como o 11 de março e aquele boato da matança da Páscoa, de onde é que vem? Ninguém sabe. Ainda há muitas coisas para descobrir”, assumiu o politólogo.

Um dos episódios que considera “um bocadinho esquecidos” e tem pena de não estar incluído na exposição é o que se passa de 24 para 25 de abril de 1975, na sequência de um apelo da RTP e do Rádio Clube Português para a população se juntar na rua e cantar “Grândola, Vila Morena”, uma das senhas do golpe militar de 1974 que pôs fim à ditadura.

Há milhares de pessoas nas ruas de madrugada, carros a apitar por todo o lado e converge tudo para Belém, onde está reunido o Conselho da Revolução, cuja reunião termina às 05:00. Eles vêm à janela agradecer ou saudar a população”, contou, lembrando as palavras de Costa Gomes – “Vamos ter, daqui a horas, o momento mais solene da nossa revolução”.

Desse momento solene, saiu a eleição de uma assembleia jovem, para um novo regime. “As antigas elites políticas ficaram completamente deslegitimadas e foram afastadas. Os novos políticos eram, na maioria, jovens”, concluiu.

// Lusa

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