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Um número de quatro dígitos impediu Monika de casar aos 13 anos

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A Índia continua a ser o país com o maior número de raparigas menores casadas à força, mesmo havendo leis que proíbem este tipo de matrimónio. Casos como o de Monika, de apenas 13 anos, mostram que a situação está a mudar.

O testemunho de Monika chega-nos através da jornalista da BBC, Naomi Grimley, que viajou até Bikaner, no noroeste da Índia, para contar a sua história. Tinha apenas 13 anos quando os pais anunciaram que lhe tinham arranjado um noivo.

Embora os registos escolares o provassem, os pais diziam que a filha já tinha 17 anos. Nesta região do país, a idade nem sempre é uma coisa clara e a pobreza torna as certidões de nascimento uma documento de difícil acesso.

“Os meus pais disseram-me que tinham encontrado um homem para mim em Churu. Disseram que era muito amável, educado e que trabalhava como operário”, recorda, acrescentando que o rapaz tinha 22 anos.

Como era obediente, o primeiro instinto foi aceitar a novidade mas depois começou a ter dúvidas. “Sentia que era muito jovem, que não devia casar. Eu queria estudar e ser professora”, conta.

Foi então que decidiu confrontar os pais. “Disse-lhes que não me queria casar. Perguntaram o porquê da minha escolha e eu respondi que era suposto ter mais de 18 anos para poder casar”.

Na sua perspetiva, o matrimónio ia significar uma vida de isolamento na casa do futuro marido, a quatro horas de comboio do seu verdadeiro lar. “Não ia poder brincar ou falar, ia ficar responsável por todas as tarefas domésticas. Iam obrigar-me a trabalhar”.

Um casamento duplo

A vida de Ganesh e Sita, pais desta jovem de 13 anos, não é fácil. Têm cinco filhas. Ganesh ganha 500 rupias por dia, cerca de seis euros, na construção civil, e nem sempre o trabalho é certo. A mãe e a avó limpam os contentores do lixo de algumas casas do bairro.

A filha mais velha, Rajini, também se iria casar em novembro desse ano. O noivo tinha um irmão e a família de Monika acreditou que, caso se juntasse a ele, poderia haver dois casamentos num só, o que acabaria por poupar algum dinheiro.

No entanto, a decisão de casar uma menor de 18 anos é ilegal na Índia. “Sabíamos que era proibido e sentimo-nos mal com isso”, conta o pai, notando que, por outro lado, não lhes restava outra opção.

À BBC, a mãe também considerou que o casamento era a decisão mais acertada por causa da segurança da filha. “Quando vamos trabalhar, ficamos preocupados em deixá-la sozinha em casa porque o nosso bairro não é seguro“, justifica.

A data para a cerimónia estava marcada: 4 de novembro de 2017.

Último recurso

Poucas horas antes da cerimónia, ninguém sabia que a noiva estaria escondida entre as sombras da sua casa a tentar fazer uma última chamada antes de subir ao altar. O número marcado tinha apenas quatro dígitos: 1098. Trata-se da “Childline”, um número de telefone nacional para ajudar crianças indianas.

Quando atenderam o telefone, em Nova Deli, capital da Índia, Monika começou a contar a sua história. A pessoa do outro lado da linha anotou os seus dados e respondeu prontamente: “Não se preocupe, estamos a caminho”, recorda a jovem.

É, neste momento, que a voluntária Preeti Yadav entra nesta história. A jovem trabalha na organização Urmul Trust, que atende estes casos, e assegura que as chamadas não param, seja dia ou de noite.

Preeti conta que, muitas vezes, trata-se de um verdadeiro contra-relógio para evitar o casamento de alguma menina menor de idade. Era o caso de Monika: “Tivemos o grande desafio de a salvar do casamento apenas três horas antes“, conta.

As autoridades locais chegaram a casa de Monika e alertaram os convidados de que o casamento não podia realizar-se. A família não respeitou as ordens e ainda tentou mudar a cerimónia para a casa da avó. Monika voltou a ligar para Preeti.

Duas horas depois, a voluntária e a polícia apareceram no local. “Levámos os pais e os avós para um quarto e explicámos que só a rapariga é que sofre com este casamento. Também mostramos que poderiam ser punidos judicialmente“, acrescenta.

A polícia conseguiu uma declaração escrita da família, na qual se compromete a não casar Monika antes dos 18 anos, e foram alertados de poderem ser presos caso não cumpram a lei. Preeti diz que se vê como uma espécie de irmã mais velha destas raparigas.

“Mantenho o contacto com estas raparigas para sempre. Sinto-me muito orgulhosa por ajudá-las a salvar as suas vidas e a proteger os seus futuros”, diz.

Uma mudança lenta

A voluntária conta que, só este ano, já viu entre 20 a 25 casos de casamento infantil. Apesar desta prática ter sido proibida em 2006, a Índia continua a ser o país com o maior número de raparigas casadas à força, segundo a UNICEF.

A situação está a mudar e a idade média do casamento está também a aumentar. Antes, estava entre os 10 e 11 anos, agora está entre os 14 e 15″, explica Arvind Ojha, líder da organização Urmul Trust.

Esta semana, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lembrou que, anualmente, 12 milhões de raparigas são obrigadas a casar antes dos 18 anos e mais de 150 milhões correm o risco de ser submetidas a casamentos forçados até 2030, se não se acelerarem os progressos em algumas regiões do mundo.

A maior queda nas estatísticas foi registada na última década na Ásia meridional, onde a a agência especializada das Nações Unidas dá como exemplo os progressos na Índia precisamente. Por outro lado, na África subsaariana, a situação agravou-se.

A UNICEF calcula que, atualmente, cerca de 650 milhões de mulheres de todo o mundo casaram quando eram crianças.

ZAP // BBC

2 Comments

  1. nunca percebi este encanto/atração para com a India ?!?!

    nela existem uma panoplia de deuses, religioes e etc, mas mesmo assim aquele povo vive na completa miséria, ignorancia e obscurantismo.
    grandes nomes do ocidente iam/foram até lá como se tivessem as respostas para tudo …
    afinal são uns pobres coitados, aquele sistema de castas, aquela mentalidade fatalista, enfim … deuses os ajudem …

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