O empresário João Gama Leão, dono da Prebuild, reconheceu à comissão de inquérito ao Novo Banco ter constituído duas sociedades em Malta, mas não as considera offshore por se tratar de um Estado-membro da União Europeia (UE).
Em carta enviada à Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, a que a Lusa teve acesso, João Gama Leão admite que as estruturas denominadas Legomix e Brikko foram constituídas “em Malta, um Estado membro da União Europeia que não consta da lista de paraísos fiscais, vulgo offshores”.
Na audição da passada quinta-feira, João Gama Leão assegurou não ter qualquer empresa em offshore, “um bom sítio para gente menos séria”, apesar de confrontado pelo PSD com “fontes abertas” que mostram ligações a entidades parqueadas em Malta, denominadas Legomix Holdings Limited e Brikko Holdings Limited.
Na segunda-feira, antes do arranque da audição de Luís Filipe Vieira e depois de a comissão de inquérito ter decidido enviar para o Ministério Público (MP) as audições de António João Barão e Bernardo Moniz da Maia, o deputado do PSD Hugo Carneiro pediu para usar a palavra.
“Apenas para dar nota de que o grupo parlamentar do PSD também vai requerer a última audição do doutor João Gama Leão e faremos chegar um registo da conservatória do registo comercial de Malta que indicia a existência de offshores em nome de uma das pessoas que aqui foi ouvida e pedimos que tenha o mesmo tratamento que estes dois”, revelou o social-democrata.
Em resposta, o presidente da comissão, Fernando Negrão, referiu que João Gama Leão lhe tinha dito no fim da audição “que enviaria para a comissão uma nota sobre essa situação”.
“Eu vou falar com ele para saber se sempre envia ou não e depois de recebida juntaremos ao que acaba de dizer e avaliaremos se enviámos ou não”, disse o presidente da comissão.
Entretanto, na carta enviada ao parlamento por João Gama Leão, a que a Lusa teve acesso, o empresário considera “oportuno agora reiterar a resposta dada” acerca do tema das offshores.
“Como declarei em Comissão, não tinha memória da existência das referidas sociedades, razão pela qual prestei depoimento nesse sentido, alicerçado na minha convicção que sempre recusei a utilização de estruturas offshore“, pode ler-se na missiva.
João Gama Leão escreveu aos deputados que, devido à atividade internacional do grupo Prebuild, “procurou-se uma forma que permitisse o pagamento de retribuições às equipas que desenvolviam trabalho para o grupo” em várias jurisdições.
A Legomix foi assim constituída em 2013 “neste âmbito exclusivo e por ser uma mera estrutura operacional para efeitos de recursos humanos”. “Dela não guardei qualquer memória”, refere João Gama Leão na carta enviada aos deputados.
Segundo o empresário, “os membros das equipas da Prebuild eram os sócios da mesma, prestando serviços ao Grupo Prebuild por intermédio dessas sociedades”, tendo também João Gama Leão apurado que “existiam duas classes de ações”, uma classe A do seu irmão, Martinho Gama Leão, que “detinha direitos de voto mas sem qualquer direito a dividendos”, e uma classe B, “de que eram titulares os colaboradores da Prebuild que davam direito a dividendos”.
Já a Brikko “foi pensada com propósitos idênticos”, mas o processo foi “abortado”, devido a uma decisão “que procurou reduzir custos de pessoal”, tendo a sociedade ficado com João Gama Leão como sócio maioritário, segundo refere o empresário no texto.
“No meu conhecimento, a estrutura Brikko nunca registou qualquer atividade substantiva”, refere o empresário, que também garante não ter sido “beneficiário de qualquer pagamento com origem em qualquer dessas duas estruturas”.
As sociedades “deixaram de estar operacionais em 2017”, refere o empresário.
Contribuinte de António João Barão em 217 sociedades
O contribuinte de António João Barão, ouvido na comissão de inquérito ao Novo Banco, por ter vendido sociedades imobiliárias que serviram para comprar crédito malparado, está associado a 217 sociedades, segundo o registo oficial.
Segundo os dados do Sistema Integrado do Registo Comercial (SIRCOM), a que a Lusa teve acesso, o número de contribuinte de António João Barão está associado a 217 sociedades diferentes, a maioria das quais imobiliárias.
A audição a António João Barão na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, no dia 30 de abril, ficou marcada pelo desconhecimento que disse ter acerca dos compradores das sociedades que lhe pertenciam, bem como pela perplexidade dos deputados.
Na segunda-feira, antes da audição ao presidente da Promovalor Luís Filipe Vieira, os deputados aprovaram o envio das declarações de António João Barão e Bernardo Moniz da Maia na comissão de inquérito ao Novo Banco para o Ministério Público.
“Só tive conhecimento do cliente dessa sociedade de advogados [Morais Leitão] na altura do contrato de cessão de quotas, cliente esse com o qual nunca tive qualquer ligação ou afinidade. E desconheço em absoluto, nem tinha de conhecer, os negócios ou atividades futuras que essas sociedades iriam fazer, é só isso que tenho a dizer”, afirmou então, na sua intervenção inicial, António João Barão.
A meio da audição presidente da comissão, o social-democrata Fernando Negrão, recordou o humorista Herman José e o sketch “eu é mais bolos”, para instar António João Barão a ser “mais afirmativo nas suas respostas”, de forma a que os deputados não ficassem com mais dúvidas.
António João Barão, que é também pintor e dinamizador da tertúlia artística Parlatório, disse ainda no Parlamento que também era “mágico”.
De acordo com o registo do SIRCOM a que a Lusa teve acesso, o número de contribuinte de António João Barão aparece como gerente em nove sociedades e como administrador único noutra (denominada London Bridge).
Do total de dez registos de matrícula, apenas a sociedade Bol – Restaurantes, Lda não diz respeito a sociedades associadas ao imobiliário. Das nove restantes, a Euronew, London Bridge, Chavanon, Regularbinary, Intuition & Bravery, Colossal Quotidian, Nenuphardynasty, a Quotidian Guardian estão registadas como sociedades imobiliárias limitadas, e a Jubilantanchor como “investimentos imobiliários”.
As restantes sociedades a que o número de contribuinte de António Barão têm nomes que vão desde referências a regiões e cidades europeias (Eurocáucaso, Eurobolonha, Eurobaleares, Eurobremen, Euromidlands, Imoleicester, Imo Oslo) até outras localizações fora do continente (Imokarachi, Eurocamberra, Euroxangai, Imoalexandria, Imonairobi), ou ainda referências a plantas (Euroaçucena, Euroacácia, Magnoliabenefit, Nenupharindex).
Durante a sua audição, António João Barão foi dizendo que registava pequenos movimentos – por exemplo, 200 euros – nas sociedades criadas por si e em outras não havia movimentos registados.
“É um pequeno negócio que se faz às vezes para a sociedade ter movimento”, explicou.
“Essas sociedades imobiliárias… às vezes tenho umas sociedades tanto para negócios próprios, que às vezes não realizo, e depois as cedo e as vendo. Foi a determinada altura que a sociedade de advogados Morais Leitão me contactou – porque noutras alturas já lhes tinha vendido umas sociedades – e perguntou se eu tinha umas cinco sociedades para ceder para um cliente deles”, começou por detalhar António João Barão.
As sociedades viriam a ser utilizadas para serem vendidas a uma sociedade sediada no Luxemburgo, registada por um fundo das Ilhas Caimão denominado Anchorage, que veio a participar na compra da carteira de crédito malparado Viriato.
ZAP // Lusa