“Não acreditem na propaganda”. Manifestante interrompe transmissão da televisão estatal russa

Kira Yarmysh / Twitter

Maria Ovsyannikova na televisão estatal russa, Canal 1

Maria Ovsyannikova interrompeu o principal programa de notícias da estação estatal russa Canal 1, onde trabalha, para denunciar a guerra russa contra a Ucrânia.

Uma manifestante antiguerra interrompeu esta segunda-feira o principal programa de notícias do Canal 1, uma estação televisiva estatal na Rússia, segundo o Público.

A mulher atrás da apresentadora em estúdio, a segurar um cartaz com uma mensagem que denunciava a guerra na Ucrânia.

“Não à guerra. Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Estão a mentir-vos aqui”, podia ler-se em inglês e russo. O cartaz tinha assinatura dos “Russos contra a guerra””.

Segundo o órgão de comunicação Kyiv Independent, a manifestante é Maria Ovsyannikova, que trabalha na estação televisiva. Entrou no estúdio a gritar as frases que empunhava no cartaz: “Parem a guerra. Não à guerra“.

A manifestante pôde ser vista e ouvida durante alguns segundos antes de o canal a retirar do ecrã, ao mesmo tempo que a jornalista subia o tom de voz para abafar Maria Ovsyannikova.

O momento do protesto foi partilhado nas redes sociais. Uma das pessoas que o fez foi Kira Yarmysh, a porta-voz de Alexei Navalny, na sua conta no Twitter. Acompanhou o vídeo com um curto elogio: “Uau, aquela rapariga é fixe”.

Maria gravou um vídeo antes de interromper a transmissão, no qual critica o Kremlin e denuncia o horror da guerra na Ucrânia. Manifesta também vergonha por trabalhar no Canal 1, que divulga “propaganda do Kremlin“.

“Lamentavelmente, durante alguns anos trabalhei no Canal 1 e na propaganda do Kremlin, estou muito envergonhada por isso neste momento. Envergonhada por me ter sido permitido contar mentiras a partir do ecrã da televisão. Envergonhada por ter permitido a ‘zombificação’ do povo russo. Ficámos em silêncio em 2014, quando isto estava apenas a começar. Não saímos para protestar quando o Kremlin envenenou Navalny”, disse Maria Ovsyannikova.

“Estamos apenas a observar silenciosamente este regime anti-humano. E agora o mundo afastou-se de nós e as próximas 10 gerações não serão capazes de se limparem da vergonha desta guerra fratricida”, continuou.

Com um colar azul e amarelo — cores da bandeira ucraniana — Ovsyannikova disse na sua declaração em vídeo que o seu pai é ucraniano e a sua mãe é russa.

“O que está a acontecer na Ucrânia é um crime e a Rússia é o agressor“, disse a manifestante. “A responsabilidade desta agressão recai sobre os ombros de apenas uma pessoa: Vladimir Putin”.

Apelou aos colegas russos para se juntarem aos protestos anti-guerra e pôr fim ao conflito. “Só nós temos o poder de parar toda esta loucura. Vão aos protestos. Não tenham medo de nada. Eles não podem prender-nos a todos“.

É a primeira vez que um trabalhador dos meios de comunicação estatais russos denuncia publicamente a guerra que a Rússia está a travar, numa altura em que o regime russo tem apertado na censura à comunicação sobre o conflito que continua a descrever como uma “operação militar especial”.

Segundo avança o jornal britânico The Guardian, outros programas de notícias que divulgaram os instantes do protesto desfocaram a mensagem do cartaz levado pela manifestante.

Segundo a agência de notícia russa TASS, Oysyannikova pode ser condenada segundo a legislação que proíbe atos públicos que “desacreditem o uso das forças armadas russas”.

Quem já reagiu ao gesto protagonizado por esta russa foi o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy.

“Sou grato aos russos que não param de tentar mostrar a verdade, que lutam contra a desinformação e contam os factos reais aos amigos e familiares”, disse.

“É importante continuar a protestar antes que a Rússia fique complemente fechada, transformando-se numa Coreia do Norte“, sublinhou, dando ainda conta que as negociações entre os representantes russos e ucranianos recomeçam esta terça-feira.

Edgars Rinkēvičs, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Letónia, afirmou no Twitter: “Enquanto há pessoas corajosas como Maria Ovsyanikova, uma produtora no Canal 1 da Rússia, a protestar contra a guerra e propaganda da Rússia esta noite, ou manifestantes nas ruas, a Rússia ainda tem uma hipótese de um futuro melhor“.

Alice Carqueja, ZAP //

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