Nacionalidade checa do romancista Milan Kundera é restituída após 40 anos

Elisa Cabot / Flickr

O romancista Milan Kundera, em 1980

O romancista Milan Kundera deixou a Checoslováquia em 1975, partindo para a França com a esposa para o que deveria ser uma curta passagem por uma universidade, acabando por não regressar. O governo comunista revogou a sua nacionalidade em 1979 e, desde então, o autor raramente voltou à terra natal.

Mas, 40 anos depois, o autor do conhecido romance The Unbearable Lightness of Being (A Insustentável Leveza do Ser, em tradução livre), voltou a ser um cidadão checo, segundo revelou a NPR. O certificado de cidadania foi entregue pelo embaixador checo na França, Petr Drulak, no apartamento do escritor, em Paris.

“Para mim, foi muito emocionante”, disse Petr Drulak à Czech Radio. “Na verdade, foi um momento muito emocionante para todos nós, porque depois de 40 anos, Milan Kundera é novamente um cidadão checo”, acrescentou o embaixador.

Petr Drulak disse tratar-se de um gesto simbólico e que Milan Kundera, de 90 anos, sempre permaneceu conetado ao país de origem, mesmo no exílio. “Ele manteve as suas convições e identidade, um checo profundo, eu diria. É realmente alguém muito ligado a este país e está muito interessado no que está acontecendo na República Checa”, afirmou ainda.

Contudo, de acordo com a NPR, não está claro se Milan Kundera está tão entusiasmado com o gesto quanto o governo checo.

O romancista tornou-se cidadão francês em 1981 e, quando visita a República Checa, permanece incógnito. Em 2008, foi homenageado com o prémio nacional de literatura da República Checa, mas não compareceu à cerimónia.

As autoridades da Checoslováquia proibiram os livros de Milan Kundera e revogaram a sua cidadania após a publicação de The Book of Laughter and Forgetting (O Livro do Riso e Esquecimento, em tradução livre), em 1979, na França. Na obra, o autor intitula o então Presidente da Checoslováquia, Gustav Husak, de “Presidente do esquecimento”.

O livro The Unbearable Lightness of Being (A Insustentável Leveza do Ser), de Milan Kundera

O romance The Unbearable Lightness of Being tornou-se num ‘best-seller’ internacional quando foi publicado, em 1984. O livro conta história de um casal, Tomas e Tereza, em meio à repressão soviética e durante a primavera de 1968, em Praga. Quatro anos após a sua publicação, a história foi adaptada para um filme norte-americano.

Desde 1989, Milan Kundera escreve os seus romances em francês e, segundo a Czech Radio, não permite que outra pessoa – a não ser ele próprio – traduza as obras para checo. Como resultado, muitas não estão disponíveis na sua língua materna.

Em 2008, uma revista checa publicou um relatório indicando que, em 1950, o autor informou a polícia secreta sobre um suposto espião, que foi posteriormente detido e esteve preso durante 14 anos. Milan Kundera negou as alegações, descrevendo-as como “mentiras puras” e “um assassinato de um autor”.

No ano passado, o primeiro-ministro checo, Andrej Babiš, visitou Milan Kundera e a sua esposa em Paris, oferecendo-se para restaurar a cidadania do escritor.

Contudo, em 1984, o escritor disse a um jornal alemão que não pretendia voltar à sua terra natal. “Não existe o sonho de retorno. Tenho Praga em mim: o cheiro, o sabor, a língua, a paisagem, a cultura”, afirmou.

Numa entrevista ao New York Times, no mesmo ano, descreveu como o próprio significado de “casa” muda na tradução.

“Em francês a palavra ‘casa’ não existe”, disse. “Diz-se ‘chez moi’ ou ‘dans ma patrie’ – o que significa que ‘casa’ já está politizada, que ‘casa’ já inclui uma política, um estado, uma nação. (…) Deve-se perguntar: O que é o lar? O que significa estar ‘em casa’? É uma pergunta complicada. Posso dizer honestamente que me sinto muito melhor aqui em Paris do que em Praga, mas posso também dizer que perdi a minha casa ao sair de Praga?”, acrescentou na altura o romancista.

ZAP //

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