Não pode casar, dorme no emprego, sai se o marido deixar: a vida das mulheres no Estado Novo

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(dr) MDM

Manifestação do Movimento Democrático de Mulheres

Rotinas que muitas pessoas nem devem ter noção, 50 anos depois do 25 de Abril. E ainda há muito por “lutar”, porque nada cai no “colinho”.

Portugal era um país muito mais fechado, apertado, restringido antes do dia 25 de Abril de 1974.

Mas as mulheres sentiam muito mais isso que os homens. Eram prisioneiras em muitos contextos.

No debate As mulheres antes e depois da Revolução, que decorreu em Vila Nova de Gaia, foram relatados episódios que muitas pessoas, ainda hoje, não devem ter noção. Sobretudo as mais novas.

Madalena Castro, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), levou a lista maior de exemplos.

No sector do trabalho: 25% dos trabalhadores oficiais eram mulheres; trabalho doméstico pertencia às mulheres casadas (estava na Lei), que tinham uma carga de trabalho muito acentuada e relevante; aliás, competia às mulheres realizarem o trabalho doméstico.

Nos campos, as mulheres recebiam em média menos 40% do que os homens – e faziam o mesmo trabalho.

O marido podia impedir a esposa de trabalhar. Também estava na Lei.

A nível social: na maioria da ditadura, só podiam votar as mulheres que tivessem frequentado o ensino superior ou as chamadas “chefes de família”; as mães solteiras não tinham protecção legal.

A nível familiar: os maridos podiam abrir a correspondência das esposas; as mulheres não podiam sair de casa sem autorização dos maridos até 1968; métodos contraceptivos só em motivos clínicos extremos; o divórcio era proibido.

Casar… depende

Agora, recordações sobre o casamento que foram partilhadas ao longo do debate.

A norma, durante muito tempo, era casar quando a mulher (menina?) tivesse 14 anos e o rapaz 16 anos.

Mas o casamento era restringido, ou mesmo proibido, para muitas mulheres.

Uma professora só podia casar com um banqueiro se provasse que o ordenado dele era superior ao dela, por exemplo. As telefonistas não podiam casar, sobretudo funcionárias públicas. Uma outra professora teve de pedir autorização para casar com um marido serralheiro – só podiam casar se pertencessem à mesma classe.

As enfermeiras não se casavam, sobretudo as mais novas. Viviam em camaratas no hospital de Gaia (Monte da Virgem), estavam disponíveis para os doentes durante 24 horas por dia.

“Não conheciam nada do mundo, nada de sexualidade, o homem era uma coisa fantástica depois do 25 de Abril. E depois… Casaram com doentes. Hoje algumas dessas mulheres são mais felizes do que outras”, relatou uma participante no debate.

Choravam

Vários homens também participaram na conversa. Aliás, metade das intervenções saíram de bocas masculinas.

Um recordou que, no Estado Novo, a única resposta que as mulheres davam perante as adversidades era “chorar”.

Porque eram “completamente impotentes para reagir às situações”. Hoje “têm opinião, intervêm, felizmente”.

“Salazar não me fez mal nenhum”

Joana Machado, do Projecto Ruído, destacou que é importante manter a memória do que foi o fascismo. Porque, hoje, muitas crianças ou adolescentes acham que o fascismo “é um país estrangeiro, ou um continente totalmente diferente”.

“Não sabem o que é o fascismo. E ainda bem que não sabem, que não passaram por isto”, salientou.

A jovem trouxe o exemplo da sua avó, que dizia constantemente: “Salazar não me fez mal nenhum”.

Mas fez! Através do analfabetismo, da pobreza… Mete-me muita pena ela ser analfabeta. Fico triste porque ela queria perceber o mundo à volta dela, o que está escrito, e não consegue”, lamentou.

E hoje?

Voltando ao contexto caseiro, hoje não há a profissão “doméstica” – mas há a “gestora do lar”. Essa é a profissão que aparece em fichas de inscrição em escolas.

O ensino superior era só para elites – mas hoje metade dos alunos carenciados não entram no ensino superior, “vão ser condenados a nova pobreza”, avisa Joana.

Ainda no ensino superior, surgiu um exemplo recente de um professor que disse, durante uma aula: “Este exercício não é para as meninas; para as meninas, tenho aqui um exercício mais fácil”.

Ainda hoje os salários são mais baixos, o trabalho é mais precário para as mulheres.

Ainda hoje perguntaram a uma das intervenientes, numa entrevista de emprego, se pensava ser mãe. “E não era uma mera curiosidade. É um critério na contratação”.

Ainda hoje, se o filho ou filha fica doente, é a mãe que mete baixa, não trabalha. Na escola, na primeira entrevista, a educadora ou professora pergunta a quem deve ligar quando a criança tiver febre; liga-se sempre para a mãe. Se ligam para o pai, ouvem a resposta “têm que ver isso com a minha esposa”.

Ainda hoje, muitos homens que defendem igualdade entre sexos são os que exigem que o jantar esteja pronto na mesa quando chegam a casa.

“O 25 de Abril ainda não acabou. Há muito por conquistar”, avisou Madalena Castro.

“Nada nos vai cair no colinho se não formos à luta”, comentou outra participante no debate.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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5 Comments

  1. Pela minha parte, mulher, licenciada , com 75 anos, a única queixa em termos de repressão e preconceito social, vai em direcção aos meus falecidos Pais. Eu era uma rapariga algo feminista e tornei-me rebelde. Licenciei-me para exercer a docência em 1972 e casei em 1973 com o Homem que escolhi para marido, sem aceitar palpites de ninguém.
    Fui e continuo a ser uma Mulher realizada, hoje com 3 filhos e um neto. Nunca tive qualquer problema nem durante a minha vida no Estado Novo, nem depois. O meu marido continua a ser aquele gentil homem que escolhi, respeitamo-nos mutuamente e portanto, não tenho culpas a atribuir ao antigo regime , seja do que for.

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  2. O artigo é louvável, mas está cheio de imprecisões.
    Esta ideia que o fascismo tinha como principal alvo os direitos e liberdades da mulher está errada. A escolha de reescrever a história mesmo que seja por bons motivos, dá legitimidade que a direita faça o mesmo.
    Só mesmo quem nunca trabalhou no sector primário é que acha que de uma forma generalizada, homens e mulheres eram sujeitos ao mesmo esforço físico. É mesmo que dizer que os homens segregam as mulheres porque criaram desportos masculinos e femininos.

  3. Quem fala neste artigo confunde Lei com a vida efetiva que as pessoas viviam, sou homem, casei em 1972 e sempre ajudei nas tarefas domésticas, inclusive quando os filhos nasceram era eu que mudava as fraldas de pano e dava-lhes banho enquanto a mãe preparava a comida deles e o jantar. Se formos a ver ainda há hoje homens que não conseguem mudar a fralda aos filhos e não ajudam nas lides domésticas e não vivemos em ditadura.

  4. Gosta muito de se comparar 1974 com 2024. Mas que tal comparar 1974 com 1924 (com democracia, na I República)?… Se nada melhorasse em 50 anos é que seria de surpreender…

  5. Magnifica sugestão. Ainda que o exercício convide a comparar a ” democracia” da I República…. Mas qual ” democracia” ? A do senhor costa? Daquele que limitou o direito de voto a torto e a direito limitando-o de um modo que a monarquia que derrubou pelo assassínio nunca ousou fazer?

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