Tiago Moreira deixou o emprego para se dedicar exclusivamente à filha. Não está nada arrependido e acrescenta: “Não vejo a Matilde atrasada. Pelo contrário”.
Estatuto legal e fiscal de “mulher dona de casa”. A ideia surgiu há poucos dias, pelo Movimento Acção Ética.
Apesar do nome “dona de casa”, a proposta é ajudar mulheres que estão em casa a cuidar dos filhos – e que não têm um emprego (ou trabalham a tempo parcial) por causa disso.
Na prática, essas mulheres passariam a ter um rendimento mensal certo, mesmo não tendo ocupação profissional fora de casa. Para terem independência económica e protecção social na velhice.
Só as mulheres. O estatuto não abrange homens porque “há coisas que só as mulheres podem fazer. Há afectos que só a mãe pode dar, por mais presente que seja o pai”, justificou um dos responsáveis, Paulo Otero.
Mas há homens portugueses que também estão nessa situação. Encontrámos um exemplo: Tiago Moreira, que está há mais de quatro anos em casa, com a Matilde. E vai continuar nesta rotina.
ZAP – Ora explica-nos o teu contexto. Tinhas um emprego.
Tiago Moreira – Sempre trabalhei em desenvolvimento infantil, junto de crianças e jovens entre os 7 e os 19 anos. Fazia de tudo para os desenvolver no contexto desportivo, no meu caso no futebol, como treinador.
ZAP – Entretanto foste pai.
Tiago – Entretanto fui pai. A partir de uma certa altura pensei: “Bem, não faz sentido dedicar todo o meu ser ou toda a minha vida a desenvolver os filhos dos outros e, quando chega ao desenvolvimento da minha filha, eu peço a outros para o fazerem”. Cada contexto familiar é um contexto mas isso passou a ser uma questão aqui em casa.
ZAP – Serias tu a deixar o emprego?
Tiago – A grande questão era quem saía do emprego: mãe ou pai. Como a profissão da mãe é mais estável, o pai abdicou. Mas nós tivemos essa possibilidade; nem todas as famílias têm.
ZAP – Qual era a idade da tua filha nessa altura?
Tiago – 13 meses.
ZAP – Com quem ficou a Matilde até aí?
Tiago – A mãe ficou em casa durante os primeiros 9 meses. Eu trabalhava fora de casa, mas só de manhã. Quando a mãe voltou ao emprego, tivemos ajuda da mãe dela. A avó da Matilde veio para Portugal continental, ajudou, mas depois decidiu voltar aos Açores, a sua terra natal. Ficámos descalços.
ZAP – E agora?
Tiago – E agora? Tentámos duas creches. Só que sentimos que a primeira creche tinha um corte radical em relação à presença dos pais. Era entregar a criança à porta e dizer adeus – porque dificultávamos a adaptação da Matilde à creche, diziam. Começou logo o choro, não queria ir, um manifesto desconforto.
ZAP – Na segunda creche?
Tiago – O período de adaptação foi facilitado. Na primeira semana, tudo bem: ela era quem estava mais à vontade no espaço, era mesmo a criança que menos me procurava enquanto eu lá estava. Eram as outras crianças a procurar-me mais, pelo factor novidade.
ZAP – Até que…
Tiago – Até que sou convidado a sair. E tudo bem, já estava combinado. Mas no segundo dia recomeçam os problemas de choro, de desconforto. E houve um dia em que fui buscá-la e, ao subir as escadas, vejo a Matilde a chorar baba e ranho, a pedir colo ou proximidade de uma educadora – que estava de costas. Isto prolongou-se por 20 ou 30 segundos. Compreendo o papel extraordinariamente difícil das educadoras, que lidam com 20 crianças.
ZAP – E os filhos dos outros não são os meus filhos.
Tiago – Exactamente. Não há aquela ligação emocional, é natural que assim seja. Além disso, houve outro factor: vi sensação de abandono e de tristeza no olhar das outras crianças. Diziam que era uma questão de tempo para terem uma melhor ligação com os adultos, mas eu olhava para as crianças que estavam lá há mais tempo e não via nenhuma melhoria. Essas duas situações fizeram com que… Eu vou ser um bocado extremista: nós, pais, é que devemos ser os agentes principais no desenvolvimento da criança. Os principais; não os únicos. Seja o pai, seja a mãe. Há uma ligação mais forte com a mãe, é natural, a criança nasce e desenvolve-se dentro do corpo da mãe. Mas o pai não é um agente externo ou ausente. Na ausência da mãe e do pai, a criança vai ligar-se a quem está presente. Por uma questão de segurança, acolhimento, aprendizagem. Há sempre um adulto de referência ao qual a criança tem de se ligar: educadora, professora, avó… E ao mesmo tempo vai-se desligando das outras, incluindo mãe ou pai. Mãe ou pai não é só uma questão de sangue. É uma questão de presença.
ZAP – Voltando à sequência da Matilde.
Tiago – Percebemos que o que faz sentido é mãe ou pai estarem com a filha. Em Janeiro de 2020 saí do meu emprego. Apresentei outra justificação…
ZAP – Não disseste o motivo verdadeiro?
Tiago – Não. Se dissesse, iriam achar que eu estava maluco e que precisava de ajuda psicológica.
ZAP – Hoje dirias?
Tiago – Sim, acho que sim.
ZAP – E então, tempo total com a filha.
Tiago – Sim. A mãe trabalha na maioria do dia, eu estou com a Matilde. E não me arrependo absolutamente nada.
ZAP – Nunca houve momentos de desespero, de desorientação?
Tiago – Não. Quase nunca. Não, porque não sou adepto do domínio por parte do adulto. Nunca intervenho pelo discurso ou pela via racional; intervenho pelo contexto, opto por proporcionar contexto. Um exemplo: nunca lhe falei sobre escalada, nunca lhe disse como é que se escala. E ela aprendeu a escalar sozinha. Montei uma parede com escalada, coloquei a chucha lá em cima e ela foi sozinha. Eu escolhia o contexto – praia, floresta, parque – e “estávamos”. Simplesmente isso. O convívio. Ao brincar com ela, vou-lhe mostrando o futuro. E ela entusiasma-se, ou não. E fazia isso porque tinha energia para o fazer, porque não fazia mais nada. Não chegava esgotado do trabalho – e isso é fundamental. Se eu estiver esgotado, não tenho paciência (e não termos televisão também ajudou).
ZAP – O “quase nunca” foi porque…
Tiago – Por causa do dia 12 de Março de 2020. António Costa anunciou que era para toda a gente ficar em casa. Aí fiquei preocupado. Fez-me tremer. Como é que vou agora… Mas (nunca mais me esqueço) vi uma coisa logo no primeiro dia do primeiro confinamento: olhei pela janela e vi gente a correr à beira-mar. Ouve: esse momento… aliviou-me. Porque passei a ir correr com a Matilde. A polícia apareceu-me à frente algumas vezes, mas nunca confrontei a polícia, obedeci; mas não conseguia ficar sempre em casa, saía, mas com máxima responsabilidade.
ZAP – Saltando para a actualidade: nas minhas contas a Matilde completa 6 anos neste ano.
Tiago – Sim. E não a vejo atrás de ninguém, comparando com as crianças da idade dela. Destreza motora, linguística, conhecimento, leitura, matemática… Não a vejo atrás de ninguém. Antes pelo contrário. E porquê? Uma educadora tem que olhar por 20 crianças; nós, pais, estamos a olhar por uma criança. A possibilidade de desenvolvimento é muito maior.
ZAP – Estás a sugerir que todos os pais, tendo possibilidade, deveriam fazer isso: ficar com a criança em casa até aos 5 anos?
Tiago – Hum… É um tema muito sensível. É arriscado dizer que é o melhor para todos. O que digo é que, contrariamente ao que se pensa, não é ditatorial a criança estar sempre com os pais. E não é prejudicial, nem do ponto de vista do desenvolvimento, nem do ponto de vista social.
ZAP – Agora vamos à origem desta conversa: o estatuto “mulher dona de casa”. Só para mulheres. O que achas disso? Já que estás nessa situação.
Tiago – Aceito mas não concordo. O que é fundamental é termos um adulto com que a criança sinta uma forte afinidade, um adulto com disponibilidade mental, com energia, com querer fazer. Portanto, estar disponível. Pode ser o pai, a mãe, pode ser a avó. A criança prefere mil vezes que fosse a mãe, ou o pai; por esta ordem. Ou os dois – mas sei que isso não é possível no contexto actual. E está tudo bem. O pai que o queira fazer, cuidar da criança, consegue fazer. Claro que consegue. Tendo essa disponibilidade mental, esse querer para abraçar o desafio, estando focado de corpo e alma…
ZAP – Se a proposta fosse aprovada, só as mulheres receberiam um rendimento mensal fixo. Como se sente um homem que faz o mesmo?
Tiago – Há coisas que não conseguimos mudar. É muito difícil. E eu compreendo isso. Temos de aceitar, entre aspas, as regras do jogo e adaptar. Nunca vai mudar mas faço isto porque quero. Abdicamos de muito financeiramente – mas ganhámos muita coisa.
ZAP – O quê?
Tiago – Posso dizer-te, com coração cheio, o que pude presenciar: a Matilde a andar, escalar, andar de bicicleta, reflexões que partilham contigo… Vê-la nesse instante, estar com ela.
ZAP – Nem o melhor salário do planeta compensava isso.
Tiago – Para mim, não. E depois há uma ligação, quase como um sentimento de gratidão na criança… Que nem o faz conscientemente. Não consegues ficar imune a isso. Contagia-te.
ZAP – E o futuro? Voltar a um emprego ou nem por isso?
Tiago – Já fiz os meus descontos para o país durante 15 anos. Agora decidi contribuir de outra forma, não só para o país, mas para o planeta.
ZAP – A Matilde vai para uma escola no próximo ano lectivo?
Tiago – A Matilde fica connosco. Não é o cenário ideal, porque uma criança gosta de aprender com outras crianças, e de várias faixas etárias, mas estamos inclinados para escola em casa.
ZAP – Ou seja, o Tiago caseiro e familiar vai continuar.
Tiago – Sem dúvida.
Amigos, nós homens temos o direito de ficar com essas regalias de mulher! O mercado é grande e so temos a ganhar. Pensassem antes!
Isto é mais uma forma de alguém viver à custa dos nossos impostos. Vamos criar mais parasitas na sociedade portuguesa. Já tínhamos os RSI e agora vem estes! E no caso desta proposta, há a agravante sexista de estar a separar as capacidades e direitos do Homem em relação à mulher. Afinal o Pai não sabe cuidar do filho como a Mãe? Este Sr Otero deve ser muito limitado…
Quantos viúvos, como eu, fazem as “lides” da casa e no meu caso há muitos anos !!!
Mais mama para quem não quer fazer nada
Ha coisas que so as mulheres sabem fazer…, quando convem!!!!!!, quando nao convem…, dois homens sao bem capazes de criar um a crianca, e como tal, tem todo o direito de adotar uma crianca!!!!!!, assim vai a HIPOCRISIA…
Meus parabéns a estes pais! Podendo, financeiramente ir por essa escolha… os meus sinceros PARABÉNS pela decisão tão acertada!
Criei os meus dois filhos sempre a trabalhar, sem qq ajuda exterior. Ambos frequentaram estabelecimentos adequados às suas idades, a partir dos seus três anos de idade mas foi muito constrangedor. Era impensável naquele tempo (40 – 47 anos) um dos pais ficar em casa; o rendimento de um dos progenitores era insuficiente para fazer face às despesas. Não foi fácil e ao filho mais novo fez imensa falta a minha presensa na sua criação/formação/aprendizagem. Tudo isso se relectiu mais tarde na sua relação com o exterior ao lar/casa. Inteligente mas inseguro. Nas conversas que hoje temos, é ele quem revela que só aprendeu a ter alguma confiança em si próprio depois de jovem adulto +/- depois dos 26 anos, quando decidi deixar o emprego. É ele que fala sobre a importância de me ter por perto. Sinto um peso/responsabilidade enorme pela lacuna que, sem querer, deixei na personalidade do meu filho. Enquanto pessoa é um ser admiravel. De uma correcção admirável considerando a falta da minha presença no acompanhamento do seu crescimento e formação, mas um medo de viver incompreensível que só a falta de acompanhamento de um dos proigenitores na sua criação/formação/ aprendizado pode justificar. Mais uma vez os meus parabéns pela vossa decisão relativamente ao acompanhamento da vossa filha enquanto cresce. Vocês vão ter um privilégio grandioso pela obra que decidiram levar por diante, e vos desejo os melhores resultados e muitas alegrias no vosso trabalho! Felicidades!