Os corpos de três irmãs e dos seus filhos encontrados num poço alertam para a questão do dote na Índia, país onde em 2020 foram mortas quase 7 mil mulheres – cerca de 19 assassinatos por dia devido a uma tradição que já foi proibida há mais de 60 anos.
Kalu, Kamlesh e Mamta Meena foram vítimas de uma disputa relacionada com dotes, quantias que os indianos pagam para casar as filhas. Casaram com três irmãos, moravam todos na mesma casa e, segundo a família das vítimas, sofriam de maus-tratos por parte dos maridos e dos sogros, relatou a AFP, citada pela Raw Story.
De acordo com os relatos, as mulheres eram constantemente abusadas, inclusive quando o pai não conseguiu atender aos pedidos por mais dinheiro, feitos pela família dos maridos.
No poço, numa vila nos arredores de Jaipur, na Índia, foram encontrados os corpos de Kalu, do seu filho de quatro anos e do seu bebé, além dos corpos de Kamlesh e Mamta, que estavam grávidas. As autoridades estão a investigar e tratar as mortes como suicídios.
“Não queremos morrer, mas a morte é melhor do que o abuso”, escreveu uma das irmãs numa mensagem que enviou a um primo, através do WhatsApp. “Os nossos sogros são a razão por trás das nossas mortes. Morremos juntas porque é melhor do que morrer [um pouco] todos os dias”, disse ainda.
O pai, Sardar Meena, contou as dificuldades pelas quais as filhas passaram, com os maridos a proibi-las de estudar e a pedir constantemente mais dinheiro de dote.
“Já lhes demos tantas coisas”, continuou o homem à AFP, dando como exemplo camas, televisores e frigorífico. “Sou pai de seis meninas, há um limite para o quanto posso dar”, acrescentou Sardar, que trabalha como agricultor, sublinhando: “Eduquei-as e já isso foi difícil”.
A polícia deteve os três maridos, a mãe destes e uma cunhada sob a acusação de assédio ao dote e abuso conjugal. Os dotes foram proibidos na Índia há mais de 60 anos e o assédio e a extorsão são considerados crime.
Apesar da proibição a tradição persiste, principalmente nas áreas rurais, sustentado por convenções sociais que tratam as mulheres como um fardo económico e exigem compensação para quem as aceita como noivas.
Em 2021, um homem no estado de Kerala, no sul do país, foi condenado à prisão perpétua depois de usar cobras venenosas para matar a esposa e assumir o controle exclusivo d seu património, que incluía um carro novo e 500 mil rúpias (cerca de 6 mil eruos), fornecidas pela família como dote.
Em maio deste ano, um homem em Kerala foi condenado a 10 anos de prisão após as suas exigências de pagamento de dote terem levado a esposa a cometer suicídio.
Na índia, apenas um em cada 100 casais indianos se divorciam. Para as irmãs Meena, essa nunca foi uma opção. “Depois de casados, consideramos que deviam permanecer nas suas casas, para manter a dignidade da família”, afirmou Sardar.
À AFP, a ativista indiana Kavita Srivastava indicou que, no período de uma hora, “cerca de 30 a 40 mulheres são vítimas de violência doméstica e esses são os casos registados”, portanto o número real “deve ser muito mais elevado”.