Os habitantes alegam que dormem mal, têm aulas e consultas médicas interrompidas, cheira a combustível e têm hipertensão.
Cerca de três dezenas de moradores de bairros de Lisboa e Loures afetados pelo ruído e poluição causados pelo aeroporto de Lisboa manifestaram-se nesta quarta-feira ao fim do dia junto à estrutura aeroportuária reclamando, entre outros, o direito ao descanso.
O protesto, organizado pela plataforma “Aeroporto fora, Lisboa melhora”, juntou cidadãos dos bairros do Areeiro, Alvalade, Campolide, Campo de Ourique, Camarate, Lumiar, São João da Talha, que com cartazes e palavras de ordem gritaram contra a inação das autoridades.
Perto da saída da estação de metro do Aeroporto, os cidadãos reivindicaram o fim dos voos noturnos, a não expansão e o encerramento do aeroporto, além da construção urgente do novo aeroporto de Lisboa fora da cidade e de um novo pulmão verde na cidade.
Aos jornalistas, Sérgio Morais, da plataforma explicou que a ação de hoje se prende com a anunciada expansão do aeroporto Humberto Delgado, lembrando as últimas noticias em que “foi indicado que as obras irão custar 300 milhões de euros e durar três anos para uma estrutura que, declaradamente é provisória”.
“Reivindicamos várias coisas, mas a principal é que este aeroporto tem de se mudar para a localização do novo aeroporto. Somos moradores afetados por este aeroporto e expandir é uma coisa completamente escandalosa”, sublinhou.
De acordo com Sérgio Morais, e segundo números da Comissão Técnica Independente “dependendo das medições, serão cerca de 300 a 380 mil pessoas afetadas” pelo ruído dos aviões, incluindo partes da cidade de Lisboa e zonas a norte como Camarate, Póvoa de Santa Iria e Loures.
Sérgio Morais refere que o ruído provocado pelos aviões significa para os cidadãos destas zonas “dormir mal, aulas interrompidas, consultas médicas interrompidas, cheiro a combustível e hipertensão também relacionada com o ruído”.
Para o responsável o problema agravou-se “bastante nos últimos anos”, lembrando que a plataforma já reuniu com a ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) e esperam vir a reunir-se também com a Vinci (dona da ANA Portugal).
“Acho que tem de haver uma reação [por parte das autoridades], porque é tão grave que não se pode protelar mais a solução”, disse, reconhecendo que a concessionária “normalmente fala muito pouco” mas que a autarquia de Lisboa já aprovou uma moção a exigir o fim dos voos noturnos.
Sérgio Morais reconheceu também que estes “violam as próprias leis que o Governo decretou”, considerando que a portaria de exceção que permite 92 voos por semana “não devia existir”, tendo em conta que associações ambientalistas já mediram 160 voos noturnos por semana.
Catarina Grilo, moradora no bairro de Alvalade, há perto de 26 anos, disse à Lusa que quando o prédio onde vive foi construído em 1968, não se previa que o aeroporto “tivesse o número de movimentos que tem atualmente”, considerando que as coisas “têm piorado em termos de ruído, com os voos noturnos e, principalmente, desde o ‘boom’ do turismo, após a crise financeira”.
Segundo Catarina Grilo, não pode usufruir da varanda da casa e já tem dois conjuntos de janelas de duplo caixilho em cada janela, uma despesa que considera que deveria ser compensada pela ANA/Vinci, descrevendo viver “num bunker e num nível em que já não há compensações possíveis”.
“O ruído tem que diminuir e a poluição também. Há pessoas que viveram neste bairro e quando se mudaram para outras zonas da cidade, que não são até tão afetadas, notaram que havia uma diminuição brutal na quantidade de pó que entra em casa, pó que nós estamos a respirar”, assinalou.
Catarina Grilo sublinhou ainda, além da suspensão dos voos noturnos, a necessidade do cumprimento do regime de exceção, considerando que a sua existência “já é uma aberração”, além de ser “violado permanentemente”, quando refere que só podem ser realizados 26 voos por noite e até um máximo de 90 por semana, e que a plataforma tem conhecimento que “há cerca de mês e meio esse regime foi violado todas as semanas”.
Também morador em Alvalade, Ricardo Felner, contou à Lusa o avultado investimento que já fez também na sua casa em janelas duplas, e reconheceu que, desde que mora no local há 25 anos, o ruído é “cada vez pior”, com aviões a chegar de “dois em dois minutos e todo o cheiro a querosene que provoca”.
“Todos os dias, para além do barulho, como é óbvio, há outra parte que nós não sentimos, mas sabemos, que é a poluição, isto é uma vergonha”, desabafou, lembrando que estão a ser violados os direitos básicos das pessoas, como é o “direito ao sono e o direito de não ser acordado com aviões de dois em dois minutos de forma ilegal”.
Ricardo Felner teme que a situação continue até “acontecer uma catástrofe” e nesse dia “as interferências e os empecilhos burocráticos vão desaparecer mas não irá desaparecer a responsabilidade de todos os políticos do PS e do PSD que governaram o país nos últimos anos”
“O turismo de qualidade não se faz com aeroportos dentro da cidade. Não se faz contra o direito das pessoas que cá vivem, isto é uma vergonha”, considerou, frisando que “enquanto alguém com poder não colocar um processo em tribunal ao Estado, enquanto a União Europeia não entrar [na questão] ou enquanto não acontecer uma catástrofe, não vai acabar”.
De acordo com a lei, só excecionalmente pode haver voos entre a meia-noite e as seis da manhã. Porém, no verão a regra foi quebrada, como denunciou a associação ambientalista Zero.
Junto ao protesto estiveram também os deputados municipais do PCP, João Ferreira e do Pessoas-Animais-Natureza, António Morgado Valente, a expressar o seu apoio à causa.
Em setembro, o executivo da Câmara Municipal de Lisboa aprovou por unanimidade uma moção em que defende a redução do número de movimentos por hora no Aeroporto Humberto Delgado e recusa qualquer aumento da capacidade aeroportuária.
// Lusa