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Como Milei está a baixar a inflação na Argentina “por magia”

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World Economic Forum / Flickr

O presidente da Argentina, Javier Milei

O presidente argentino está a conseguir reduzir a inflação, mas os seus críticos acusam-no de apenas estar a adiar o problema.

Quando Javier Milei assumiu a presidência da Argentina em dezembro de 2023, a inflação, que já atingia quase 13% ao mês, duplicou.

O dólar “azul” – como os argentinos chamam o dólar livre, ou de mercado, principal referência de preços no país – subiu, alcançando uma valorização de 25% até ao final de janeiro.

E os sinais de alerta começaram a soar à medida que o homem que tinha entrado na política há pouco, apenas três anos antes, fazia “o maior ajustamento da história da humanidade” (como ele próprio descreveu), cortando imediatamente os gastos públicos em cerca de um terço.

Os mais pessimistas (e opositores) previram que o presidente não se manteria no cargo até ao final do ano e reviveram os traumas de 2001-2002, quando o país sofreu uma das suas piores crises económicas, políticas e sociais, tendo cinco presidentes em apenas um ano e duas semanas.

Outros alertaram que uma nova hiperinflação estava a caminho, semelhante à de 1989, quando os preços subiram 5000% ao ano.

No entanto, dez meses após a tomada de posse de Milei – o primeiro economista a tornar-se presidente da Argentina e o primeiro político libertário a liderar uma nação – nenhum destes cenários pessimistas se concretizou.

Pelo contrário: a inflação foi reduzida para 3,5% ao mês, o valor mais baixo em quase três anos. E o dólar paralelo, que atingiu o recorde de 1500 pesos em julho, hoje está em níveis semelhantes aos de janeiro.

Apesar disso, não há dúvida de que a Argentina atravessa um momento bastante difícil: segundo os últimos números oficiais, no primeiro semestre do ano o país registou o pior salto na pobreza em duas décadas, com mais de metade da população em situação de pobreza (quase 53%), incluindo quase 7 em cada 10 crianças.

Além disso, o consumo despencou e o Produto Interno Bruto (PIB), indicador da atividade económica, caiu 3,4% em comparação com o primeiro semestre do ano anterior. Tanto o Banco Mundial quanto o Fundo Monetário Internacional concordam que a Argentina será a economia latino-americana com a maior contração económica este ano.

O plano de Milei

“Para entender como Milei reduziu a inflação, é necessário perceber essencialmente a origem da inflação”, explicou à BBC Mundo o economista Miguel Boggiano, um dos membros do Conselho de Assessores Económicos do governo argentino.

“Na Argentina, a explicação é relativamente simples: como os diferentes governos gastaram mais do que arrecadaram, o que acabou por acontecer foi que esse excesso de gastos acabou por ser financiado pela impressão de moeda, ou seja, com emissão monetária, porque ninguém empresta dinheiro à Argentina.”

Boggiano assegura que “o problema foi-se agravando” porque, além de imprimir dinheiro para o Tesouro, o Banco Central também passou a conceder empréstimos ao Tesouro, o que deixou ambas as instituições endividadas.

“O Banco Central sabia que geraria inflação com todos aqueles pesos que deu ao Tesouro, porque havia um excesso de pesos que o público não precisava e que, mais tarde, iria para o dólar ou para os preços.”

Para evitar que isso acontecesse, explicou, o Banco Central criou um mecanismo para absorver uma parte importante desse dinheiro: os chamados passivos remunerados, dívida de curto prazo que foi contraída com os bancos.

E essa dívida foi-se acumulando. Quando Milei assumiu o cargo, o défice do Tesouro equivalia a 4,6% do PIB. Mas o do Banco Central era o dobro, devido à “bola” de juros que a dívida de curto prazo gerou.

Para resolver o problema do Tesouro, Milei foi diretamente à raiz: brandindo a motosserra metafórica símbolo da sua campanha, eliminou um terço dos gastos públicos de uma só vez.

Assim, desde o primeiro mês de mandato, conseguiu reduzir as emissões de moeda – principal causa da inflação – e passou do défice ao excedente fiscal (mais receitas do que despesas), algo que a Argentina conseguiu poucas vezes no século passado.

Para resolver a dívida do Banco Central (e reduzir as emissões que gerava), recorreu a outro artifício, explica Boggiano. “Baixou a taxa de juro paga pelos passivos remunerados e também desvalorizou o peso, corrigindo a taxa de câmbio oficial e colocando-a quase ao mesmo nível da taxa de câmbio de mercado”.

“Isso produziu um ajustamento nos preços relativos que significou um salto na inflação superior aos juros pagos por aquela dívida. Desta forma, liquidou os passivos remunerados, deixando-os com taxas de juros reais negativas”, explica o assessor.

Falando num fórum de negócios na semana passada, Milei orgulhava-se da sua estratégia: “Ninguém sabia como resolver e resolvemos em seis meses. Tornámos possível algo que parecia impossível”, destacou.

Sustentabilidade

Embora muitos dos seus críticos afirmassem ser impossível manter o superavit, pois isso exigiria continuar a adiar pagamentos que, eventualmente, teriam de ser feitos e congelar os gastos públicos em níveis mínimos históricos, a verdade é que o governo libertário conseguiu sustentá-lo nos seus primeiros nove meses de governação.

Conseguiu, inclusive, ter superavit após o pagamento dos juros da dívida pública, algo inédito no país e considerado fundamental para o equilíbrio das contas.

No entanto, há quem acuse o presidente e o ministro da Economia, Luis Caputo, de fazerem um malabarismo financeiro que simplesmente “esconde” o défice.

Ex-assessor de Milei, o economista Carlos Rodríguez, que foi secretário de Política Económica no governo de Carlos Menem, alertou na sua conta X (antigo Twitter) que o governo não teria superavit se não fosse financiado com títulos do Tesouro, conhecidos como Lecap e LEFI, que permitem o adiamento do pagamento de juros uma vez que estes são pagos, juntamente com o capital, apenas no vencimento do título da dívida.

Segundo Rodríguez, essa dívida remunerada que vai-se acumulando “não aparece no défice financeiro do Tesouro nem no quase-fiscal (nome oficial do défice do Banco Central). Apenas aumenta a dívida pública”.

“Como por magia, o défice quase-fiscal desapareceu e Milei reduziu instantaneamente o défice do Estado em vários pontos do PIB. Isto é simplesmente um engano. O défice mantém-se. Não enganam ninguém, apenas perdem credibilidade,” escreveu.

O dólar

Ao contrário da inflação, que diminuiu progressivamente de 20,6% em janeiro para 3,5% em setembro, o dólar paralelo, que reflete a confiança do mercado no governo e é uma referência incontornável no país, tem mostrado um comportamento mais errático.

Quando Milei assumiu o cargo, valia mil pesos, subindo 25% no final de janeiro (1.250). Embora tenha voltado a cair e mantido-se próximo dos mil entre março e maio, a partir daí começou uma escalada que gerou preocupação entre os argentinos, que sabem que o valor do “azul” tende a refletir-se rapidamente nos preços.

Em julho, o dólar atingiu o seu valor mais alto: 1500 pesos, cerca de 50% a mais do que o valor do dólar oficial, regulado pelo governo, valorizando-se a uma taxa fixa de 2% ao mês, como uma “âncora contra a inflação”.

Isto gerou novos sinais de alarme devido ao receio de que pudesse pressionar os preços. No entanto, desde então, o “azul” voltou aos níveis de janeiro, uma vitória para o governo libertário.

Mas o que fez Milei para conter o dólar? Há quem veja a “lavagem” de capital como um fator relevante para explicar a queda da taxa de câmbio alcançada pelo governo, ao permitir a regularização de até 100 mil dólares anteriormente não declarados, sem penalidades ou impostos adicionais (valores maiores pagam entre 5% e 15%).

Isto gerou uma maior oferta de dólares, o que contribuiu para a redução do valor da moeda. Mas o governo nega que seja um “verão cambial” causado pela regularização de dinheiro não declarado e afirma que a queda do dólar faz parte do plano.

Argentina cara em dólares

O paradoxo da estratégia de Milei é que alguém que falou em dolarizar a economia e, durante a campanha, chamou o peso argentino de “excremento”, valorizou-o tanto que agora o país ficou caro em dólares.

“Se o câmbio permanecesse onde está atualmente, nos primeiros 12 meses do ano a Argentina teria uma inflação de 104% a 105% em dólares”, destacou outro ex-apoiante e hoje crítico do presidente, Diego Giacomini.

“Significa que, se no início do ano, quando Milei assumiu, precisavas de 100 dólares para pagar a luz, no final do ano vais precisar de entre 200 e 210 dólares para pagar a luz”, explicou numa entrevista recente à Radio con vos.

Segundo o economista, “é um câmbio que não serve nem para quem produz para o mercado interno nem para quem exporta. Portanto, o nível de atividade está condenado a ser mau”. “Isso terá de ser corrigido em algum momento com um salto cambial e posterior aceleração da inflação”, diagnosticou.

Alguns argentinos partilham o seu pessimismo. “Estamos caros em dólares porque o valor do dólar está defasado porque eles o seguraram!!! Já vi esse filme e já sei o final: 2001, isso soa-te familiar?!!!”, escreveu o tweeter Jean Valjean.

Milei descartou uma nova desvalorização e afirmou que manterá a sua estratégia de valorização do dólar oficial em 2% ao mês, mesmo que isso tenha deixado o seu valor desfasado em relação à inflação.

O ministro da Economia, Caputo, sublinhou que o plano do governo é que o dólar oficial e o “dólar azul” eventualmente convirjam, um passo importante antes de se levantarem os controlos de capital (apelidados de “armadilhas”) que limitam o acesso à moeda americana no país.

Entretanto, o governo minimiza as preocupações daqueles que alertam que, para além das boas notícias financeiras, a “economia real” não está a descolar.

O seu otimismo é partilhado pelo Banco Mundial e pelo FMI, que estimam que em 2025 a Argentina crescerá 5%, deixando de ser a economia latino-americana com maior contração económica para passar a ser a que apresenta maior crescimento.

Resta esperar para ver se esta recuperação económica é um trampolim para um futuro mais próspero, capaz de melhorar a vida dos cerca de 25 milhões de pobres que o país tem hoje, como promete Milei, ou se a Argentina voltará, mais uma vez, a ficar presa numa outra espiral de dívida, como alertam os adversários do presidente.

ZAP // BBC

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6 Comments

  1. Não há inflação quando há recessão e aumento da pobreza. Pode ser que o imbecil que é agora presidente da Argentina ache que miséria é preferível a inflação, um autêntico raciocínio de rico explorador.

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    • Pois claro… inflação a 13% ao mês é muito melhor para o pobre, cortar na despesa publica é sacrilégio não vá os parasitas do costume passarem fome. Cortar na inflação induz quase sempre a recessão não há volta a dar seja ele realizado por milei ou outro, agora assumir medidas drásticas não é para todos, Aqui os imbecis do costume preferem empobrecer o povo aos poucos.

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      • Joe,
        É evidente que a inflação não é boa para os pobres, mas não são eles que a causam. O que Milei faz é tirar o pouco trabalho que os pobres ainda têm, é torná-los ainda mais vulneráveis, mais dispostos a aceitar salários de miséria…Mas para isso é que ele foi eleito pelos que ganham brilho com a miséria alheia.

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    • Cá está o comunista Nuno Cardoso da Silva a mandar postas de pescada e a mostrar a sua patetice habitual. Vai para Rússia, ladrão!

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  2. A esquerdalhada, com o PS incluido, querem uma dimensão de pobreza para, através desses indivíduos, poderem manobrá-los, através de rebuçados. E muito povo ainda não viu isso.

  3. Utilizar, sempre, o mesmo método para tentar obter melhor resultado… não dá. Está mais que comprovado.
    Preocupados com a Argentina poder ter êxito?
    E a nossa Europa? Bruxelas tem €€€ infinitos? Parece que sim.

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