Eleições: começou com 8% e ganhou. Uma campanha histórica com vencedor improvável

Aires Almeida / Flickr

Mário Soares em Muxagata durante a campanha para a presidência, em Janeiro de 1986.

Mário Soares aparecia nas presidenciais com poucas hipóteses. Mas, muito graças a Álvaro Cunhal, levou a melhor sobre Freitas do Amaral.

A poucos dias de novas eleições em Portugal, e poucos dias depois da estreia de um filme sobre Mário Soares, recordamos o percurso do co-fundador do Partido Socialista (PS) nas presidenciais de 1986.

Mário Soares foi o primeiro-ministro eleito no Portugal pós-25 de Abril. Venceu em 1976 a disputa épica com Álvaro Cunhal na televisão e deixou Francisco Sá Carneiro no segundo lugar nas legislativas.

Manteve-se no cargo até 1978, saiu e voltou em 1983, novamente só durante dois anos, até 1985.

No ano seguinte foi o candidato socialista à presidência da República. E mal se sabia que estava a começar uma campanha eleitoral histórica. Ainda hoje é considerada a “campanha das campanhas” em Portugal.

O primeiro “presidente de todos os portugueses” começou a corrida com apenas 8% das intenções de voto, segundo uma sondagem do jornal Expresso.

Mas foi crescendo nas percentagens, foi ultrapassando os rivais. Maria de Lourdes Pintasilgo (7%) e Francisco Salgado Zenha (21%) ficaram fora na primeira volta – este último era amigo e companheiro político de Soares no PS, uma década antes.

Sobravam Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral.

Os portugueses iam a uma segunda volta nas presidenciais pela primeira vez. Primeira e única; nunca mais aconteceu.

Freitas do Amaral, do CDS e apoiado também pelo PSD, era o favorito desde início. E venceu claramente a primeira volta: 46% contra apenas 25% de Mário Soares.

Mas na segunda volta, no dia 16 de Fevereiro de 1986, um factor fez a diferença: Álvaro Cunhal.

O antigo rival de Soares surpreendeu a política portuguesa quando, num congresso do seu PCP, anunciou: “Se for preciso tapem a cara [de Soares no boletim de voto] com uma mão e votem com a outra. Vamos ter de engolir um sapo“.

Os apoiantes do PCP não queriam, nem Soares, nem Freitas do Amaral – tinham apoiado Salgado Zenha na primeira volta – mas escolheram uma espécie de mal menor.

Outro factor que terá sido importante: o debate na RTP.

“Não diria que Freitas perdeu o debate, acho é que perdeu a vantagem. E isso perdeu-se mesmo antes de abrir a boca. O erro técnico foi esse: dar a paridade quando havia uma vantagem”, explica José Ribeiro e Castro (foi o director de campanha de Freitas do Amaral) no Expresso.

Terceiro factor, que ninguém daquele tempo esquece: Marinha Grande.

Na campanha para a primeira volta, Soares arriscou e foi a uma fábrica repleta de trabalhadores insatisfeitos, devido à crise económica da altura. Foi vaiado e foi mesmo alvo de tentativa de agressão. Foi a “paulada da Marinha Grande”. O povo português terá ficado mais próximo do candidato do PS.

Vitória, por pouco

Mário Soares conseguiu 51,18%, Diogo Freitas do Amaral ficou-se pelos 48,82%.

Uma vitória à tangente, numa noite que até começou com vitória de Freitas do Amaral, segundo as primeiras projecções.

Mas, horas depois do fecho das urnas (quase 80% dos eleitores votaram), Soares confirmou que venceu – estava eleito um civil para o presidente da República pela primeira vez em 60 anos.

O PCP festejou. Não a vitória de Soares, mas a derrota de Freitas.

Aníbal Cavaco Silva não festejou. Queria uma maioria, um governo, um presidente, tudo à direita. Não aconteceu.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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