As manifestações anti-guerra na Rússia parecem ser dispersas e reduzidas. Porém, ganham outra dimensão tendo em conta aquilo que os protestantes podem enfrentar.
Desde a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, protestos em massa contra a guerra surgiram em mais de 50 cidades russas. Imagens de manifestantes mostram detenções quase imediatas pela polícia russa.
Até agora, mais de 5.800 pessoas foram detidas desde o início da invasão, de acordo com um grupo de monitorização de protestos, com os números a aumentarem diariamente.
Além dos protestos civis, cientistas e jornalistas assinaram cartas a denunciarem a invasão, e desportistas protestaram contra a guerra diante do público internacional.
A dissidência também veio das elites russas, incluindo os militares. No final de janeiro, o aposentado coronel-general Leonid Ivashov publicou uma carta aberta a Putin e aos cidadãos russos a denunciar a “política criminosa de provocar uma guerra” de Putin. E o delegado climático russo da ONU, Oleg Anisimov, pediu desculpas pela invasão durante uma conferência virtual da ONU.
Dada a história recente de repressão contra ações de protesto na Rússia, esta aparente ampla coligação anti-guerra é notável.
Jornalistas e meios independentes continuaram a reportar sobre a operação militar na Ucrânia, desafiando as ordens oficiais de não mencionar a palavra “guerra”. A primeira página do jornal de oposição Novaya Gazeta, no dia 25 de fevereiro, dizia “Rússia. Bombas. Ucrânia” e foi publicado em russo e ucraniano.
Russia’s best newspaper @novaya_gazeta (headed by the Nobel Peace Prize-winning Dmitry Muratov) publishes in Russian and Ukrainian today. The headline is simple: “Russia. Bombs. Ukraine.” pic.twitter.com/VRTxpeWJjS
— Mark MacKinnon (@markmackinnon) February 26, 2022
Roskomnadzor, o regulador dos media da Rússia, alertou os meios de comunicação para remover “informações imprecisas” ou então correriam o risco de multas severas. Vários jornalistas de meios independentes também foram detidos enquanto cobriam os protestos.
História de protestos
Os protestos coincidiram com o sétimo aniversário do assassinato de Boris Nemtsov, um proeminente político da oposição que foi morto numa ponte perto do Kremlin em 2015.
Alexei Navalny também se manifestou contra a invasão durante o seu julgamento por acusações de peculato, que disse serem politicamente motivadas. A figura da oposição passou o último ano detido, depois de recuperar de um envenenamento quase fatal por um agente nervoso que o próprio atribui ao Kremlin.
Os destinos de Nemtsov e Navalny dão uma ideia do que os manifestantes e figuras da oposição de alto perfil arriscam na Rússia – desde detenção e multas até sentenças de prisão e assassinatos.
Huge anti-war protest happening in Moscow, the capital of Russia:
Russian citizens rejecting the Ukraine invasion pic.twitter.com/Cx6GADwlPy
— philip lewis (@Phil_Lewis_) February 24, 2022
A última vez que a Rússia viu uma grande ação de protesto foi entre 2011 e 2013, durante a campanha de reeleição de Putin. Ativistas foram mobilizados por figuras como Navalny, hoje conhecido internacionalmente, pedindo eleições justas e denunciando fraudes eleitorais.
Os números oficiais de participantes de uma das maiores marchas de protesto em Moscovo em fevereiro de 2012 foram contestados. A polícia afirmou que 35.000 pessoas compareceram, enquanto os organizadores disseram que eram 120.000.
Repressão
Desde então, o Estado russo criminalizou cada vez mais os protestos. Em julho de 2012, Putin assinou uma lei a exigir que ONGs, media e indivíduos com fontes de financiamento estrangeiro se registassem como “agentes estrangeiros”.
Quaisquer publicações de tais organizações são marcadas por um aviso de que são distribuídas por agentes estrangeiros.
Desde 2014, numa série de leis e emendas sobre assembleias públicas, o direito de protestar foi praticamente totalmente criminalizado. Putin impôs restrições cada vez mais duras sobre quem pode organizar um protesto, onde as pessoas podem protestar e quando.
Esta história sombria explica por que os atuais protestos anti-guerra até agora têm sido pequenos, menos coordenados e dispersos. Mas não perderam força – a 28 de fevereiro, o movimento de Navalny convocou uma campanha de desobediência civil contra a guerra.
O aparato político russo vem desmantelando sistematicamente os movimentos de oposição, criando um clima em que qualquer forma de protesto é recebida com opressão. Mas a discordância vocal e crescente à guerra de Putin sugere que a maré pode estar a mudar.
No entanto, é mais provável que uma mudança política significativa venha da elite política e económica da Rússia, à medida que começarem a responder às sanções e ao isolamento da Rússia da esfera internacional.
ZAP // The Conversation