Macron venceu a primeira volta das legislativas, mas a ameaça da “geringonça” de Mélenchon persiste

2

Stephane Mahe / EPA

O presidente francês, Emmanuel Macron

A coligação de Macron venceu por apenas 21 mil votos, tendo ainda deixado viva a ameaça da perda da maioria da Assembleia Nacional para a esquerda.

As sondagens antecipavam-no e a ida às urnas confirmou-o — as legislativas francesas foram mesmo um duelo entre a coligação Ensemble! de Emmanuel Macron e a NUPES de Jean-Luc Mélenchon.

A coligação liderada pelo partido do Presidente francês venceu a primeira volta por uma unha negra, conseguindo 25,75% dos votos, o que se traduziu numa diferença de apenas 21 mil votos em relação à “geringonça” das esquerdas liderada por Mélenchon, que conquistou a confiança de 25,66% dos eleitores.

Em terceiro lugar ficou o partido de extrema-direita União Nacional, que obteve 18,68% dos votos. Este valor é o melhor resultado de sempre do partido de Marine Le Pen nas eleições para a Assembleia Nacional, mas mostra também que este não tem o mesmo poderio nas legislativas que teve nas presidenciais, em que Le Pen obteve 41% dos votos na segunda volta contra Macron.

Segue-se a coligação de centro-direita liderada pelos Republicanos com 10,42% e o partido de extrema-direita Reconquista, do comentador televisivo Éric Zemmour, com 4,24% dos votos. Apesar do alvoroço inicial após a sua candidatura presidencial, nem o próprio Zemmour conseguiu passar à segunda volta no seu círculo eleitoral.

Por enquanto, a primeira volta não dá uma grande vantagem para nenhum dos lados já que a maioria dos lugares ainda serão decididos no domingo. Isto acontece porque apenas os candidatos que tenham mais de 50% dos votos na primeira ida às urnas é que garantem logo a eleição. Se este não for o caso, as candidaturas que alcancem pelo menos 12,5% dos votos dos eleitores inscritos passam para a segunda volta.

A proximidade entre os partidos de Macron e de Mélenchon promete uma corrida apertada na segunda volta, que terá lugar este domingo. O chefe de Estado francês arrisca-se assim a perder a maioria parlamentar e a ter mais dificuldades a implementar a sua agenda política com uma Assembleia Nacional que lhe será hostil.

A abstenção foi também um dos vencedores, já que chegou a um valor recorde nas legislativas, tendo 52,8% dos franceses não ido às urnas.

Esquerda une-se em torno de Mélenchon

A campanha agressiva de Mélenchon ajuda a explicar o bom resultado que a sua “geringonça” de socialistas, ecologistas e comunistas conseguiu alcançar. Logo na noite da primeira volta das presidenciais, onde Mélenchon ficou em terceiro lugar com 21,95% dos votos e falhou na ida à segunda volta, o líder do França Insubmissa apelou a que os eleitores apostassem em si para o cargo de primeiro-ministro.

Os resultados das presidenciais também deixaram claro que a França está tripartida entre o centro-direita mais liberal de Macron, a extrema-direita de Le Pen e a esquerda liderada por Mélenchon.

Somando os votos que todos os candidatos presidenciais de esquerda conseguiram, a percentagem ultrapassava os 30%. Este foi o sinal que Mélenchon precisava para arregaçar as mangas e criar a Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES), que junta o França Insubmissa, os ecologistas do EELV, os Socialistas e os Comunistas.

A coligação deu um novo fôlego à esquerda francesa, que nos últimos anos estava moribunda e tinha perdido espaço no duelo entre o centro-direita e a extrema-direita. Esta reviravolta foi reconhecida pela deputada Clémentine Autain: “Há uns meses, a esquerda estava supostamente morta e a extrema-direita parecia estar às portas do poder; agora virámos a mesa e ficámos à frente na primeira volta”, proclamou.

Já Mélenchon cantou vitória, considerando que o partido presidencial “foi derrotado e desfeito”. “Mobilizem-se para escancarar as portas do futuro, um futuro para o qual se mobilizaram tantas gerações antes da nossa. Esse futuro é um futuro de harmonia entre seres humanos, livres das dominações sociais, culturais e de género. É um futuro de harmonia entre os seres humanos e a natureza”, apelou.

E se Macron perder a maioria?

Mélenchon não foi o único a ver a importância de uma coligação pré-eleitoral, já que o sistema de duas voltas favorece a criação destas alianças ao retirar opositores. Macron também apostou em unir-se ao outros partidos centristas, mas esta aliança não chegou para convencer os franceses na primeira volta.

A espera do Presidente francês para se envolver mais na campanha também ajuda a explicar este resultado aquém do desejado, assim como as polémicas que têm abalado a credibilidade do Governo francês, como a resposta da polícia à confusão no Stade de France antes da final da Liga dos Campeões ou as acusações de violação contra o Ministro da Solidariedade, Damien Abad.

A aposta em Élisabeth Borne para o cargo de primeira-ministra pode ser interpretada como uma piscadela de olho ao eleitorado da esquerda devido às suas ligações aos socialistas e historial de negociações com sindicatos. Apesar de estar na frente nas sondagens no seu círculo eleitoral, a falta de impacto mediático da sua nomeação acabou por não influenciar muito o resultado das legislativas.

A aproximação de Macron à esquerda não durou muito e o Presidente preferiu apostar numa estratégia mais focada na sua base do centro-direita, com os seus aliados a descreverem a NUPES como “extrema-esquerda” e uma “guilhotina fiscal“.

O actual Ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, também saiu ao ataque no discurso de resposta às eleições, depois de se ter qualificado para a segunda volta n seu círculo eleitoral, com 39% dos votos.

“Os franceses não querem Mélenchon, não querem impostos e alguém que não gosta da polícia”. Jean-Luc Mélenchon não é um socialista europeu, ele quer que França saia da NATO e se aproxime da Rússia”, acusou.

Todos os candidatos a Ministros de Macron também se qualificaram para a segunda volta, mas há alguns que estão em risco de não ser eleitos e que podem perder para os candidatos da NUPES — Clémente Beaune, o Ministro da Europa e dos Negócios Estrangeiros, Amélie de Montchalin, Ministra da Transição Ecológica, e Stanislas Guerini, Ministro da Função Pública. A União Nacional também ameaça roubar o lugar à Ministra da Saúde, Brigitte Bourguignon.

Macron arrisca-se assim a ter de governar num cenário de “coabitação“, em que o Presidente e o primeiro-ministro são de partidos diferentes, algo que aconteceu apenas três vezes desde 1958. O chefe de Estado perde assim poder sobre os assuntos internos e é obrigado a negociar com o partido do primeiro-ministro.

Desde 2002, tem sido implementado um conjunto de reformas que tem tornado a coabitação menos provável, como o encurtar dos mandatos presidenciais e a marcação das legislativas logo a seguir às presidenciais. Mesmo assim, a aliança do NUPES ameaça dar mais esta dor de cabeça a Macron.

Adriana Peixoto, ZAP //

2 Comments

  1. Realmente o complexo de esquerda é incrível.
    Se analisarmos os resultados, e sabendo que os franceses nas segundas voltas votam com a carteira, a “Frente Popular” terá, no máximo, 30% dos votos, adivinhem para onde vão os restantes…

  2. Políticos de qualidade, onde os há? Macron acerca da Ucrânia tem dado uma, no cravo outra na ferradura, como é possível um povo confiar em políticos desta natureza?

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.