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Ligações ao Governo e as buscas mais caras de sempre. O que explica a obsessão com Maddie?

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Crimewatch / BBC

Maddie McCann

Mais de 16 anos depois do desaparecimento de Maddie e sem pistas ou acusados, o interesse no caso não dá sinais de abrandar. Porquê?

Foi a 3 de Maio de 2007 que Madeleine McCann, na altura com três anos, desapareceu enquanto estava de férias com os pais e os irmãos gémeos na Praia da Luz, no Algarve.

Mais de 16 anos depois e sem pistas sobre o paradeiro de Maddie, o mediatismo em torno do caso não dá sinais de abrandar, assim como as teorias da conspiração. Um estudo de 2017 concluiu até que, 10 anos depois do desaparecimento, o casal McCann continuava a ser o alvo de mais de 150 tweets abusivos todos os dias.

Ainda esta semana a PJ juntou-se às autoridades britânicas e alemãs nas buscas na barragem do Arade, que levaram a que mais de 40 jornalistas de todos os cantos do mundo se deslocassem a Portugal.

As buscas foram requeridas pela polícia alemã, que suspeita do envolvimento de um cidadão alemão, Christian Brückner, no desaparecimento da criança. Brückner, está preso na Alemanha por ter cometido vários crimes sexuais em Portugal entre 2000 e 2017 — incluindo a violação de uma mulher no mesmo aldeamento turístico onde os McCann estavam —, alegadamente frequentava as imediações na barragem do Arade, no concelho de Silves.

Depois de vários anos sem nenhum indício, em 2020, surgiu a suspeita em torno de Brückner. Mas dois anos depois, o pedófilo alemão continua sem ser acusado e ainda não há nenhuma prova concreta que o associe ao desaparecimento da criança.

Só as buscas das autoridades britânicas já custaram cerca de 15 milhões de euros. Não há valores sobre os custos da investigação da polícia portuguesa e da alemã, mas em 2012, Fernando Pinto Monteiro, ex-Procurador-Geral da República, já dizia que as buscas por Maddie eram as mais caras de sempre em Portugal.

Em Inglaterra, uma criança é dada como desaparecida a cada três minutos e 195 mil menores desaparecem todos os anos. No entanto, nenhuma recebe a mesma atenção que Maddie. Afinal, o que torna esta caso diferente?

Ligações dos McCann ao Governo britânico

Pode parecer estranho como é que o desaparecimento de uma criança de uma família de classe média britânica pode ter conseguido tanto apoio e investimento por parte do Governo de Londres. Mas a estranheza desapareceu quando se soube mais sobre as relações dos McCann com o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown.

A 18 de Maio de 2007, duas semanas após o desaparecimento de Maddie, o próprio Gordon Brown — que na altura era Ministro das Finanças — telefonou directamente a Gerry McCann para os dois definirem uma estratégia de resposta.

Pouco depois do telefone, Clarence Mitchell, ex-jornalista da BBC que estava a trabalhar no gabinete de comunicação do Governo, tornou-se o porta-voz do casal em Portugal e rejeitou veementemente as suspeitas que as autoridades portuguesas começaram a ter sobre um possível envolvimento de Gerry e Kate no desaparecimento da filha, lembra a Flash.

Todo o dinheiro angariado na campanha “Find Madeleine” e o apoio de famosos como David Beckham, J.K. Rowling ou Ewan McGregor, a imprensa britânica ficou com a pulga atrás da orelha e começou a investigar as razões para o apoio político sem precedentes que os McCann estavam a receber nas buscas, especialmente após ser revelado que Gordon Brown pressionou a polícia portuguesa a divulgar a descrição simulada de um suspeito de rapto.

Foi então descoberto que Gerry McCann era conselheiro médico de um comité do Governo britânico chamado COMARE, o grupo de especialistas responsável por pareceres sobre o impacto da radioatividade no ambiente e na saúde. A ponte com Gordon Brown era feita pelo seu irmão, Andrew Brown, que chefiava uma empresa que explora centrais nucleares em Inglaterra e França.

Síndrome da mulher branca desaparecida

Se as ligações ao Governo britânico explicam o protagonismo político e o financiamento excepcional que o caso Maddie teve, há outras razões que ajudam a entender a obsessão com o seu desaparecimento.

Um desses factores é o fenómeno da síndrome da mulher branca desaparecida — um termo usado para se referir à diferença nos gastos policiais e na cobertura mediática dada a casos de desaparecimento de mulheres e meninas brancas, geralmente jovens, bonitas e de classe alta, em comparação com pessoas de minorias étnicas ou de classes económicas mais baixas.

Um bom exemplo disto é a atenção que o caso de Gabby Petito teve e continua a ter. A jovem influencer de 22 anos desapareceu enquanto fazia uma viagem com o namorado pelos parques naturais dos Estados Unidos, tendo-se sabido depois que tinha sido assassinada pelo parceiro.

O crime fez manchetes mediáticas por todo o mundo e foi contrastado com a falta de atenção dada à verdadeira epidemia de mulheres indígenas que desaparecem todos os anos nos Estados Unidos. Só em 2016, foram denunciados 5712 casos de mulheres e meninas nativas que desapareceram, mas só 116 casos foram registados na base de dados de pessoas desaparecidas do Departamento de Justiça.

Se os desaparecimentos de crianças já tendem a atrair mais atenção, o caso Maddie tinha outros ingredientes que o tornaram ainda mais mediático. Para além de ser branca, a menina era também uma turista de férias com a família de classe média alta no Algarve, um dos destinos de eleição dos britânicos. O medo alimenta muitas vezes a cobertura que a imprensa faz de um caso e este desaparecimento gerou alarme entre os milhares de britânicos que todos os anos passam férias no Algarve.

A atenção mediática que os desaparecimentos de mulheres brancas tem é muito desproporcional ao seu verdadeiro número. De acordo com a organização de caridade britânica Missing People, as crianças desaparecidas no Reino Unido tendem a ser maioritariamente meninas e de minorias étnicas.

Mas o pânico que casos como o de Maddie criam vende mais nos media. Se ainda há uma sensação de que é expectável que as minorias étnicas sejam mais pobres e mais propensas a ser vítimas de crimes como raptos ou assassinatos, as raras instâncias em que pessoas brancas e de classes mais altas sofrem crimes violentos geram um maior alarme social, já que até os mais privilegiados parecem estar em risco.

De acordo com Sarah Stillman, que em 2007 escreveu um estudo sobre o fenómeno, os media é que guiam a resposta da opinião pública. A opinião pública, por sua vez, pode influenciar o resto, como mudanças nas políticas públicas.

“Se olharmos para a cobertura dos desaparecimentos de raparigas brancas de classe média, a imprensa dá-nos uma caixa de ferramentas que nos ensina a sentir empatia. Aqui têm uma foto delas em bebés! Aqui está a família delas! Aqui estão instruções sobre por que é que se deve importar! Isso não é dado a outros tipos de vítimas. Reduz-se tudo a quem é que tem o privilégio de ter atenção dos media e quem é considerado descartável”, afirma.

Adriana Peixoto, ZAP //

2 Comments

  1. Finalmente começam a fazer-se as perguntas importantes. Mas julgo que são os pais de Maddie que estão a ser protegidos, e não toda a clase média alta britânica, com todos os seus medos. A questão é saber porquê. Mas lá que há aqui qualquer coisa que cheira muito mal, há com certeza. E não é só o corpo da jovem Maddie…

  2. O que explica estes pais nunca terem sido indiciados por abandono de menores num quarto de hotel´(num país estrangeiro…) para irem socializar com amigos? Se fosse para irem trabalhar e fossem portugueses se calhar estavam feitos ao ‘bife’!

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