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A libertinagem dos turistas da Gran Canária está a colocar em risco as dunas da ilha

Wikimedia/Aglaya72

Dunas de Maspalomas, na Gran Canária

Há anos que as autoridades da ilha têm conhecimento das atividades sexuais que são praticadas naquela zona costeira, apesar de não as conseguirem evitar. Especialistas alertam para as consequências a longo prazo num território especialmente frágil às ações humanas.

A atividade turística é um dos assuntos mais discutidos na sociedade moderna, com opiniões distintas a serem trocadas dentro dos vários países sobre o qual o nível certo de adaptação que as cidades devem implementar em troca dos ganhos económicos.

No entanto, na Gran Canária, o problema é diferente, com as principais vítimas da desvirtuação dos territórios a serem as praias ou, mais especificamente, as dunas – algumas consideradas reservas naturais e, por isso, legalmente protegidas.

De acordo com a CNN, tem sido frequente as autoridades locais encontrarem turistas a terem relações sexuais nas Dunas de Maspalomas, consideradas uma das principais atrações da ilha por se estenderem ao longo de vários quilómetros com inúmeros desníveis que oferecem alguma – pouca – privacidade. A composição destas dunas é tão única que é os especialistas as consideram um dos últimos exemplares no território europeu – com o seu desaparecimento a significar o fim de um dos locais de descanso para as aves que se deslocam constantemente entre África e a Europa.

A problemática foi retratada num artigo científico intitulado “Sand, Sun, Sea and Sex with Strangers, the fibe S’s. Characterizing ‘cruising’ activity and its environmental impacts on a protected coastal dunefield”, que analisa pela primeira vez as consequências a longo prazo da utilização destes territórios para fins, diga-se, pouco comuns.

Para desenvolver o estudo, o grupo de investigadores inventariaram 298 locais, ao longo de três quilómetros quadrados, onde são detetadas atividades sexuais com frequência – tratam-se sobretudo de áreas muitas vezes protegidas por vegetação arbustiva e densa (com destaque para a nabkha) – com a período de observação a decorrer em maio de 2018, mês em que, entre outros eventos, se realizou o festival Gay Pride da ilha.

Posteriormente, os autores do estudo rapidamente perceberam que uma das atitudes mais frequentes entre os turistas tinha que ver com o “atropelamento” da vegetação, o que tem um impacto direto não só na nebkhas, mas também nas outras oito espécies nativas que podem ser encontradas naquela zona de dunas.

No entanto, os maus comportamentos não se ficam por aqui, já que a remoção das plantas também é uma atitude comum por parte dos turistas que por vezes também alteram a configuração do areal – arrastam os grãos de areia – para que este fique mais “confortável”. Paralelamente, também deixam resíduos como cigarros, preservativos, papeis ou latas e usam as áreas como casas de banho, esclarecem os especialistas.

Outra das conclusões a que chegaram é que quão mais remoto for o local escolhido, mais ele é usado e mais lixo é deixado – apesar de as autoridades deixarem com frequência sacos nas áreas mais amplas, os quais estão quase sempre cheios. Mesmo nas zonas de dunas na “zona de exclusão” – que fica fora do acesso ao público, ao passo que as outras zonas são apenas restritas – foram identificados 56 “locais de sexo”.

Como resultado destas movimentações pelos turistas, os investigadores concluíram que tem havido um “abandono completo” da educação ambiental na reserva, a qual foi originalmente criada como tendo a educação como “atividade primária”.

Em declarações à The Conversation, Patrick Hesp, um dos autores do estudo, revelou ainda que já foram identificados casos de mortes dos famosos lagartos gigantes da Gran Canária após ingerirem os preservativos deixados para trás pelos turistas.

Tal como nota a CNN, a Gran Canária recebe anualmente cerca de 14 milhões de turistas (os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha são os principais mercados), sendo também considerada uma ilha “gay friendly”. No estudo, os autores esclarecem que com este reparo não têm qualquer intenção de criticar a comunidade LGBT e ressalvam que não são apenas os seus membros a ter os referidos comportamentos, já que as dunas de Maspalomas são há anos utilizadas para práticas sexuais.

Mesmo assim, lembram, o sistema costeiro de dunas é uma parte crucial da paisagem marinha, apesar de no passado recente ter sido usado sobretudo para atrair turistas, com as consequências dessa aposta à vista de todos. Como tal, Patrick Hesp escreve que os investigadores “não estão apelar ao fim do sexo em público, apenas pedem a que os seus praticantes tenham noção das consequências dos seus atos“.

“Um casal a ter relações sexuais na praia é uma coisa, ter centenas a convergir para a mesma área todos os dias acaba por danificar as dunas da mesma forma que conduzir por cima delas”, explica.

ZAP //

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