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Tio em França, homem do lixo, dois prémios raros: Laura Gonçalves em entrevista

Laura Gonçalves

Curta-metragem portuguesa conseguiu um feito pouco frequente no festival Animafest Zagreb. Uma Laura realista apresenta-se, em conversa com o ZAP.

‘O homem do lixo’. A curta-metragem de animação da portuguesa Laura Gonçalves venceu o Grande Prémio do júri e o prémio do público no festival Animafest Zagreb, na Croácia. Em 50 anos, foi apenas a quinta vez que uma curta venceu estes dois prémios nesse certame. Eis um pretexto para conhecer melhor a Laura.

ZAP – Formaste-te em Arte e Multimédia na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Começaste a trabalhar logo em animação. Completaste um mestrado de Animação na Arts University, em Bournemouth (Reino Unido). Realizas depois a tua primeira curta-metragem de animação e tens sempre trabalhado nesse mundo, também como animadora e pintora. Alguma vez te imaginaste a fazer outra coisa?
Laura Gonçalves – Quando entramos em Belas Artes, não sabemos bem o que queremos. Depois houve ali um momento em que me apercebo da existência do cinema de animação. Fiquei com curiosidade e, no 3.º ano da licenciatura, escolhi animação. Também porque gostava muito de um dos professores desse curso. E eu nem sou propriamente formada em animação, escolhi o ramo no final do curso (3.º ano). Depois tive o privilégio e a sorte de realizar um estágio logo a seguir a Erasmus, no Sardinha em Lata, em Lisboa. A partir daí não, não me imaginei a fazer mais nada. Há tanta coisa para fazer em animação, é uma arte complexa.

ZAP – É difícil trabalhar em animação, em Portugal?
Laura – Fazemos um pouco de tudo: podemos ser animadoras, pintoras, produtoras. Não temos uma indústria fixa, vamos trabalhando em projectos; é uma situação mais precária, temos de estar à espera do próximo projecto. Num panorama geral, claro. Há instabilidade entre os filmes de autor, à espera para saber se são financiados por uma entidade. O ideal era haver mais dinheiro para pagar mais às pessoas, mas não há uma resposta precisa para isso. O cinema português, no geral, é muito valorizado lá fora, isso tem-se notado cada vez mais. Não existe tanta valorização cá dentro.

ZAP – Agora, ‘O homem do lixo’. Uma curta-metragem realizada a solo por ti (uma estreia), dentro da Cooperativa BAP Animation Studio, que fundaste, e com produção Bando à Parte. O filme retrata uma conversa familiar centrada em recordações de um outro familiar, o tio Botão. Há realidade tua, contexto teu, a inspirar este filme. Realizaste entrevistas a várias pessoas da tua família, sobre o teu tio. Porque foi ele a inspirar-te e não outro familiar?
Laura – O meu tio vivia em França. Vinha a Belmonte todos os meses Agosto e trazia a carrinha cheia de tralha. A chegada dele era uma festa. E a estadia dele lá era sinónimo de época de jantaradas e de brincadeiras com os instrumentos que ele trazia do lixo. Morreu quando eu tinha 15 anos. Sempre que os filhos dele estão comigo, os meus primos, a história repete-se um pouco, vamos sempre partilhando as memórias dele. Ele é muito especial. De alguma forma houve uma herança que ficou desse bem-estar. E foi ele que deixou muito este elo familiar. Nas entrevistas peguei por assuntos que não se falam, comecei a puxar por eles: emigração, guerra… As terrinhas do interior sofreram muito com a emigração nos anos 60. O meu tio é só mais uma pessoa que passou por isso.

ZAP – Uma conversa familiar cria um filme.
Laura – Dava para uma longa-metragem, com tantas histórias. Tive de fazer um grande esforço de resumo!

ZAP – Chegas à Croácia e ganhas aqueles dois prémios. Uma pergunta muito original: estavas à espera?
Laura – Não estava nada à espera!

ZAP – Então chegaste àquele palco e pensaste no quê?
Laura – Eu nem sei o que disse no palco! Aquele festival é incrível, com pessoas incríveis e filmes incríveis. Eu estava ali só para me divertir um bocado, celebrar o facto de estar lá com um filme meu. Claro que é uma valorização do meu trabalho. Foi o meu primeiro filme a solo enquanto profissional, para mim foi muito importante. É um empurrão para a minha carreira. Mas, no momento, eu comecei a perguntar: “Será que isto é verdade? Não se enganaram no nome?”. E depois agradeci às pessoas óbvias, àquelas que têm estado sempre presente.

ZAP – O que se segue? E agora tens expectativas mais altas, mesmo que involuntárias?
Laura – Não sinto essa pressão, de todo. Estou a fazer outro filme, com a Alexandra Ramires (Xá). Não tenho nenhum tipo de pressão. Talvez quando fizer um filme a solo, novamente. O importante é fazer coisas de que gostamos.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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