Kwichon, o fenómeno que está a esvaziar as grandes cidades da Coreia do Sul

Khalid Belhaji / Flickr

A capital sul-coreana, Seul, encarnou por décadas o espírito de progresso e desenvolvimento do país.

A metrópole é uma das mais ricas capitais do mundo e o epicentro de indústrias tecnológicas poderosas e inovadoras que conquistaram o mundo. O magnetismo de Seul faz com que somente a sua área metropolitana abrigue quase 25 milhões de habitantes— praticamente a metade da população da Coreia do Sul. Mas um número crescente de sul-coreanos está a dedicar-se a uma nova aventura: o kwichon.

“Kwichon significa literalmente ‘retorno ao rural‘”, segundo explica Su Min Hwang, editora do Serviço Coreano da BBC.

Nos últimos anos, o governo da Coreia do Sul observou com preocupação o despovoamento das zonas rurais. Por isso, diversas medidas foram tomadas para motivar as pessoas a voltar para o campo. Mas aparentemente o kwichon vive agora o seu grande momento, com um número recorde de jovens sul-coreanos a irem para zonas rurais.

A pandemia como impulsionadora

Em 2021, a jornalista Julie Yoonnyung Lee, do Serviço Coreano da BBC, visitou a pequena cidade de Suncheon, na província de Jeolla do Sul.

Lá, ela conheceu Yun Sihu, de 11 anos, e a sua mãe Oh Sujung. Na porta de casa, havia uma grande plantação de batatas, milho, beringelas, pimentões e alface. Mas Lee conta que a vida delas era muito diferente, pouco tempo antes.

Sihu e sua família moravam no nono andar de um edifício numa zona de muito trânsito. Desde que a família se mudou para Suncheon, os arranha-céus da cidade foi substituídos por montanhas, o ruído do trânsito pelo cacarejar das galinhas e o apartamento minúsculo por uma casa tradicional de madeira e teto curvado.

“Agora, coloco um pé para fora de casa e todo o terreno é um espaço de jogos. Rego os pimentões, as beringelas e as alfaces todos os dias”, conta Sihu.

Com mais da metade da população do país a viver na área metropolitana de Seul, muitas pessoas recearam que a covid-19 pudesse alastrar-se rapidamente pelos blocos de apartamentos densamente ocupados da capital.

Assim que o vírus chegou, as escolas foram fechadas. Para Sihu, o isolamento foi forte demais. A sua saúde mental ficou debilitada ao ficar presa com as aulas online, sem poder encontrar seus amigos.

Vê-la assim, para a sua mãe, era devastador. Então aproveitou a oportunidade para colocar em ação uma ideia com que sonhava há anos: deixar a cidade em busca de uma vida nova no campo.

Números recorde

Voltar para o campo e para a agricultura é uma tendência que vem ganhando força nos últimos anos, devido ao golpe da pandemia e à necessidade de buscar estilos de vida alternativos.

Uma pesquisa realizada em 2021 pelo Instituto Nacional de Estatísticas e pelo Ministério da Agricultura, Alimentos e Questões Rurais da Coreia do Sul indicou que 515 434 pessoas abandonaram Seul naquele ano e mudaram-se para aldeias de agricultores ou pescadores — 4,2% mais que no ano anterior.

Especificamente com relação aos jovens, 235 904 pessoas com menos de 30 anos de idade foram para uma zona rural — 45,8% do total e o maior número alguma vez registado no país.

O descontentamento com o trabalho e outros motivos de queixa, como os altos preços das casas, o stresse urbano e a forte competitividade, explicam a mudança.

A Coreia do Sul tem uma das taxas de suicídio mais altas do mundo. As estatísticas do governo indicam que esta é a maior causa de mortalidade entre jovens e adolescentes.

Os psicólogos atribuem esses níveis de depressão e suicídio à intensa pressão imposta aos jovens para que tenham sucesso académico. Mas cada vez mais jovens consideram esse sucesso inalcançável, pois o excesso de estudos e o ritmo da cidade consomem a sua energia sem oferecer a recompensa esperada.

Impulso para a vida rural

Diversos governos sul-coreanos tentaram buscar uma forma de solucionar o desequilíbrio populacional e económico entre a região metropolitana de Seul e a zona rural. Por décadas, a escassez de investimentos em setores como a agricultura e a pesca deixou o campo sul-coreano em declínio económico.

O êxodo rural foi se agravando até o ponto de ameaçar a segurança alimentar. Os agricultores eram idosos e muitos começaram a reformar-se ou morrer sem que houvesse jovens para substituí-los. Por isso, as autoridades deram apoios aos cidadãos que querem mudar-se para o campo.

Apoios indiretos, como maior investimento em infraestrutura, também vêm impulsionando o bom momento do kwichon, assim como programas para aprender a colher e apoios no acesso à habitação.

Efeitos sobre a nova geração

O aumento do kwichon é um fenómeno relativamente recente. Por isso, parece que ainda é cedo para avaliar seus efeitos e os resultados da ajuda do governo.

Mas alguns avanços já começam a surgir. Antes da pandemia, por exemplo, muitas escolas rurais estavam a ponto de fechar. E, durante a visita a Suncheon em 2021, a BBC entrevistou a professora da escola de Sihu, Shin Youngmi, que já havia lecionado anteriormente na região metropolitana de Seul.

Depois da sua experiência no campo, Shin acredita que as escolas rurais podem oferecer uma oportunidade real aos coreanos para enfrentar os altos níveis de stress e depressão dos jovens.

Para ajudar as escolas rurais, as autoridades chegaram a oferecer subsídios às famílias dispostas a mudar-se de Seul. Naquele ano, a escola de Sihu recebeu sete novos alunos e a professora Shin afirma que toda a comunidade beneficiou com os novos moradores.

Resta saber se as jovens gerações de migrantes rurais decidirão permanecer em meio à natureza ou se serão atraídas de volta à agitação da cidade grande.

ZAP // BBC

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.