O kiviaq, natural da Gronelândia, é feito com 300 a 500 tordas-anãs inteiras na carcaça oca de uma foca, que depois é enterrada durante três meses.
Se considera que comer caracóis é o exemplo mais bizarro de experiência gastronómica, então não sabe o que lhe espera. O mundo está repleto de uma variedade de iguarias idealizadas apenas para aqueles com estômago forte.
O balut, por exemplo, é um ovo de pato fertilizado que é cozido e comido nas Filipinas. O casu marzu é um queijo tradicional da Sardenha que contém larvas vivas. hákarl é carne de tubarão fermentada, que é um prato tradicional da Islândia. O shirako são os sacos de esperma de peixes machos, muitas vezes servidos crus como sushi no Japão.
A lista continua. Há, no entanto, um pitéu típico da Gronelândia que ganha pela sua bizarria e pela forma como é confecionado.
O kiviaq é um prato icónico de inverno na Gronelândia. É um prato feito com 300 a 500 aves inteiras — incluindo bicos e penas — na carcaça oca de uma foca. O máximo de ar possível é removido da foca, antes de ser costurada e selada com gordura do animal, que repele as moscas.
O resultado é enterrado debaixo de pedras durante três meses para que possa fermentar. Depois de desenterrado e aberto, esfolam-se e comem-se os pássaros. Aliás, não pássaros quaisquer. São tordas-anãs, aves naturais das regiões árticas que, em raras situações, até chegam a Portugal.
As imagens que se seguem podem ferir a suscetibilidade dos leitores mais sensíveis:
É uma iguaria muito comida em casamentos e aniversários. É um deleite para muitos dos cerca de 56 mil habitantes da enorme ilha que é um território autónomo dinamarquês.
O kiviaq é particularmente popular entre os Inughuit, uma cultura inuíte distinta nativa da região. “Kiviaq é um prato especial para os Inuguhit”, admite Hivshu, um guardião da cultura Inuguhit, em declarações ao Atlas Obscura.
No entanto, fora da Gronelândia, o kiviaq é repudiado. Entrou na lista dos alimentos “mais estranhos” e há até quem sugira que é perigoso para a saúde. Uma teoria sugere que a iguaria pode ter matado o famoso explorador inuíte-dinamarquês Knud Rasmussen, em 1933.
“Eles não sabem nada sobre o nosso estilo de vida, a nossa maneira de fazer comida”, diz Hivshu. “Passamos o conhecimento de como fermentar a carne por milhares de anos. Estamos cientes do perigo de fazer da forma errada… Aprendemos a fazer da maneira certa”.
Curiosa ainda é a forma como os locais apanham as tordas-anãs. Durante alguns meses por ano, cerca de 80% da população global — entre 30 e 60 milhões de casais — desde às costas rochosas da Gronelândia. Para as apanhar, são montadas umas redes, feitas de barbatanas, tendões ou pele de foca, suspensas por hastes com aproximadamente três metros de comprimento.
Os mais habilidosos conseguem apanhar várias tordas-anãs em apenas uma tentativa. Em dez horas, estima-se que possam apanhar até 1.000 pássaros. Não admira que se torne fácil fazer kiviaq com 300 a 500 aves.