Ketamina é o segredo contra a depressão? A “descoberta do século” que pode ser uma maçã envenenada

Apelidada de “descoberta do século”, o uso da ketamina para o tratamento da depressão resistente a tratamento é recebido com ceticismo por alguns cientistas.

A ketamina é um medicamento utilizado como anestesiante em cavalos — sendo até usada em festas como droga, tendo efeitos muito semelhantes ao LSD. A ketamina gera, no momento da utilização, tanto anestesia como alucinação.

A substância induz um estado de transe, proporcionando alívio da dor, sedação e perda de memória. Outros usos incluem alívio de dor crónica, sedação nos cuidados intensivos e foi aprovada pela Food and Drug Administration, em 2019, para uso em pacientes com depressão refratária.

A depressão refratária significa que o paciente é resistente a tratamento. No século XXI, a depressão pode afetar uma em cada 10 pessoas. Contudo, para mais de 30% dos que são afetados, os medicamentos antidepressivos não funcionam.

Em 2019, um medicamento para a depressão, inspirado pela forma como a ketamina atua no corpo humano, foi descrito por vários médicos como a “descoberta do século”. O medicamento desenvolvido pela Johnson & Johnson é administrado como um spray nasal.

A ketamina, uma droga que em Portugal é associada mais à sua utilização recreativa do que aos seus efeitos terapêuticos, e que costuma provocar em quem a consome não só a quase impossibilidade de movimentos como alguns episódios de alucinação, não interage com o cérebro humano da mesma forma que o fazem os medicamentos tradicionalmente utilizados para o tratamento da depressão.

Dado que atua de forma muito mais rápida pode ser útil para os casos mais extremos, aqueles em que, por exemplo, os pacientes começam a desenvolver pensamentos suicidas.

Atualmente, a ketamina está a avançar para se tornar uma terapia convencional de saúde mental. Uma série de novos estudos sugerem que tem um enorme potencial para tratar as formas mais graves de depressão.

Um estudo publicado em setembro no Journal of Clinical Psychiatry sugere que o anestésico reduziu significativamente os sintomas de depressão, ansiedade e ideação suicida em 424 pacientes tratados com ketamina, na Virgínia, nos Estados Unidos.

Como o estudo não incluiu um grupo de controlo ou avaliou sistematicamente os efeitos colaterais, tem claramente as suas limitações, realça o portal Inverse.

Ainda assim, os especialistas dizem que os resultados reforçam porque é que tantos investigadores estão entusiasmados com o potencial da ketamina.

Um outro estudo, publicado também em setembro, no American Journal of Psychiatry, descobriu que os efeitos antidepressivos da ketamina podem ser exacerbados quando os indivíduos que a tomam veem palavras e imagens positivas.

Enquanto algumas clínicas anunciam a ketamina como uma solução única para várias condições de saúde mental, a ciência é mais limitada.

O lado negro da “solução”

O entusiasmo com que a ketamina foi vista como potencial tratamento para a depressão pode ser ofuscado pelos resultados de alguns estudos.

A investigação científica sugere que os seus efeitos secundários, que incluem distúrbios psiquiátricos, possam piorar com o seu uso contínuo.

Apesar de tudo, clínicas privadas e spas de “bem-estar” não tardaram em oferecer infusões de ketamina para tratar a depressão a preços exorbitantes — pode chegar até 800 dólares por um único tratamento.

O uso off-label da ketamina espalhou-se especialmente pela América do Norte, onde se estima que haja mais de 100 destes pontos de venda. Em Portugal também os há, embora em menor número.

O Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, é o primeiro na Europa a usar ketamina para tratar doentes depressivos com resistência a medicamentos

Os dados limitados sobre como o uso repetido de ketamina pode influenciar a função do cérebro humano levam a crescentes preocupações acerca do seu uso repetido e não-regulamentado em indivíduos vulneráveis.

A eficácia antidepressiva da ketamina pode estar relacionada com o estado emocional e afetivo dos indivíduos no momento em que recebem a substância, acreditam alguns cientistas.

O entusiasmo inicial está a diminuir e os resultados de ensaios clínicos mais recentes permanecem mistos, conclui a revista Psyche.

O uso de ketamina pode também provocar problemas físicos e mentais profundos, incluindo delírio, amnésia, deterioração da função motora e problemas respiratórios potencialmente mortais. Adicionalmente, não deve ser misturada com álcool.

Daniel Costa, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.