Afinal, o KBO binário pode ser triplo

O Universo está repleto de sistemas de três corpos, incluindo as estrelas mais próximas da Terra; a Cintura de Kuiper pode não ser exceção.

O quebra-cabeças de prever como três corpos gravitacionalmente ligados se movem no espaço tem desafiado os matemáticos durante séculos, e foi mais recentemente popularizado no romance e série de televisão “3 Body Problem”. No entanto, não há qualquer problema com o que uma equipa de investigadores diz ser provavelmente um trio estável de rochas espaciais geladas na Cintura de Kuiper do Sistema Solar, descoberto com base em dados do Telescópio Espacial Hubble da NASA e do Observatório W. M. Keck, no Hawaii.

Se for confirmado como o segundo sistema de três corpos encontrado na região, o sistema 148780 Altjira sugere que poderão existir triplos semelhantes à espera de serem descobertos, o que apoiaria uma teoria particular da história do nosso Sistema Solar e da formação dos objetos da Cintura de Kuiper (sigla inglesa KBO, “Kuiper Belt object”).

“O Universo está repleto de sistemas de três corpos, incluindo as estrelas mais próximas da Terra, o sistema estelar Alpha Centauri, e estamos a descobrir que a Cintura de Kuiper pode não ser exceção“, disse a autora principal do estudo, Maia Nelsen, licenciada em física e astronomia pela Universidade Brigham Young em Provo, Utah, EUA.

Conhecidos desde 1992, os KBOs são remanescentes gelados e primitivos do início do Sistema Solar que se encontram para além da órbita de Neptuno. Até à data, foram catalogados mais de 3000 KBOs e os cientistas estimam que possam existir várias centenas de milhares de outros que medem mais de 16 quilómetros de diâmetro. O maior KBO é o planeta anão Plutão.

A descoberta do Hubble é um apoio crucial a uma teoria de formação de KBOs, segundo a qual três pequenos corpos rochosos não seriam o resultado de uma colisão numa movimentada Cintura de Kuiper, mas sim formados como um trio diretamente a partir do colapso gravitacional de matéria no disco de material que rodeava o recém-formado Sol, há cerca de 4,5 mil milhões de anos. É bem sabido que as estrelas se formam por colapso gravitacional de gás, geralmente em pares ou triplos, mas a ideia de que objetos cósmicos como os da Cintura de Kuiper se formam de maneira semelhante ainda está a ser investigada.

O sistema Altjira está localizado nos confins do Sistema Solar, a aproximadamente 6 mil milhões de quilómetros de distância, cerca de 44 vezes a distância entre a Terra e o Sol. As imagens do Hubble mostram dois KBOs separados por a cerca de 7600 quilómetros. No entanto, os investigadores afirmam que as observações repetidas do movimento coorbital único dos objetos indicam que o objeto interior é na realidade dois corpos que estão tão próximos que não podem ser distinguidos a uma distância tão grande.

“Com objetos tão pequenos e distantes, a separação entre os dois membros interiores do sistema é uma fração de um pixel na câmara do Hubble, por isso é preciso usar métodos que não sejam de imagem para descobrir que se trata de um triplo”, disse Nelsen.

Isto requer tempo e paciência, explicou Nelsen. Os cientistas reuniram uma base de observação de 17 anos de dados do Hubble e do Observatório Keck, observando a órbita do objeto exterior do sistema Altjira.

“Ao longo do tempo, vimos a orientação da órbita do objeto exterior mudar, indicando que o objeto interior ou era muito alongado ou era na realidade dois objetos separados”, disse Darin Ragozzine, também da Universidade Brigham Young, coautor do estudo Altjira.

“Um sistema triplo foi o que melhor se ajustou quando colocámos os dados do Hubble em diferentes cenários de modelação”, disse Nelsen. “Outras possibilidades são que o objeto interior é um binário de contacto, em que dois corpos separados ficam tão próximos que se tocam, ou algo que é estranhamente plano, como uma panqueca”.

Atualmente, existem cerca de 40 objetos binários identificados na Cintura de Kuiper. Agora, com dois destes sistemas provavelmente triplos, os investigadores dizem que é mais provável que não estejam a olhar para algo tão invulgar, mas sim para uma população de sistemas de três corpos, formados pelas mesmas circunstâncias. No entanto, a acumulação de evidências leva tempo e requer observações repetidas.

Os únicos objetos da Cintura de Kuiper que foram explorados em pormenor são Plutão e o objeto mais pequeno Arrokoth, que a missão New Horizons da NASA visitou em 2015 e 2019, respetivamente. A New Horizons mostrou que Arrokoth é um binário de contacto, o que para os KBOs significa que dois objetos que se aproximaram cada vez mais um do outro estão agora a tocar-se e/ou fundiram-se, resultando frequentemente numa forma de amendoim. Ragozzine descreve Altjira como um “primo” de Arrokoth, um membro do mesmo grupo de objetos da Cintura de Kuiper. No entanto, estima-se que Altjira seja 10 vezes maior do que Arrokoth, com 200 quilómetros de largura.

Embora não exista nenhuma missão planeada para passar por Altjira para obter detalhes ao nível de Arrokoth, Nelsen disse que há uma oportunidade futura diferente para um estudo mais aprofundado do intrigante sistema. “Altjira entrou numa época de eclipse, em que o corpo exterior passa à frente do corpo central. Tal vai durar os próximos dez anos, dando aos cientistas uma grande oportunidade de aprender mais sobre o sistema”, disse Nelsen. O Telescópio Espacial James Webb da NASA também está a participar no estudo de Altjira, uma vez que irá verificar se os componentes têm o mesmo aspeto nas suas próximas observações do Ciclo 3.

O estudo do Hubble foi publicado na revista The Planetary Science Journal.

// CCVAlg

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