Juros iniciam ciclo de subidas numa economia “cheia de nuvens”. Eis o que isto significa para a sua carteira

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Stephen Jaffe / IMF / Flickr

Christine Lagarde, presidente do BCE

Christine Lagarde, presidente do BCE

O anúncio do Banco Central Europeu da subida dos juros tem como objectivo travar a inflação, mas vai levar a que os consumidores sintam na mesma um aumento das despesas nas prestações da habitação.

Depois de vários avisos, o anúncio oficial do Banco Central Europeu (BCE) chegou ontem. As taxas de juro vão subir 0,5 pontos percentuais, o primeiro aumento desde 2011 que põe fim ao ciclo de juros negativos e mínimos históricos.

Em Junho, o BCE tinha declarado a intenção de iniciar o ciclo de subidas das taxas de juro com um pequeno aumento de 0,25 pontos percentuais e com uma nova subida de 0,25 em Setembro, recorda o Público.

Christine Lagard explicou as razões para a mudança de planos que originou a subida de 0,5 pontos de uma vez. A Presidente do BCE refere que a instituição não tinha decidido criar novos mecanismos de defesa contra o risco de subida dos diferenciais de taxas de juro da dívida dos países periféricos quando fez o primeiro anúncio.

Pouco dias depois, esses mecanismos foram criados como resposta à subida das taxas nos mercados, sendo agora possível subir os juros mais rapidamente sem a ameaça de que isso inicie uma nova crise da dívida da zona euro.

O objetivo é que a subida dos juros ajude a travar a escalada de inflação. Os juros mais altos traduzem-se em maiores custos de financiamento para as famílias, as empresas e o Estado e tendem a reduzir o consumo e o investimento. Se a procura desce, os preços descem também e a inflação abranda. A subida dos juros também favorece a valorização do euro, o que previne a inflação importada.

É esta lógica que levou o BCE a subir os juros, mas há um risco inerente — quando as famílias deixam de consumir tanto e os empresários abrandam os investimentos, as economias podem mergulhar numa recessão.

Este risco é ainda maior no contexto actual da zona euro, com a ameaça constante de um corte do gás russo e do seu impacto económico. As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia pintam um cenário negro caso este corte de concretize, com os PIBs a recuar mais de 1% e com quedas ainda maiores nos países mais dependentes de Moscovo.

Lagarde está ciente deste “cenário cheio de nuvens“, mas afirma que o BCE não tem perspectivas de recessão. Mesmo assim, reforça que há “riscos em baixa para o crescimento e riscos em alta para a inflação” e lembra que a sua prioridade é responder à inflação visto que o mandato do BCE é a “estabilidade dos preços”.

Prestações da casa disparam

A Associação Portuguesa de Bancos já emitiu alertas sobre o impacto que esta subida terá no nosso dia a dia e nas contas que os portugueses têm de fazer. Assim, quem um crédito à habitação notará uma subida na prestação da casa.

“Ao aumentar a taxa de juro directora, o banco central torna o dinheiro mais caro, logo o poder de compra das pessoas diminui, as decisões de consumo são adiadas, o recurso ao crédito é desincentivado e a poupança renderá juros maiores. No cenário inverso, quando há uma descida da taxa de juro diretora, o dinheiro fica mais barato e, consequentemente, reduz-se também o custo de pedir um empréstimo, estimulando assim os gastos das famílias, o investimento das empresas e a expansão económica”, refere a APB, citada pelo DN.

Vítor Bento, presidente da APB, lembra que esta subida é, na verdade, um regresso à normalidade, já que “o que não é normal é existirem taxas de juros negativas“. É também expectável que as subidas sejam acomodadas pelas famílias, com o Estado a dar a mão àquelas que não conseguirem suportar as subidas.

Antecipa-se assim um ciclo de subidas das taxas Euribor, que são as taxas de juro oficiais do Eurossistema e já estão a aumentar desde o início do ano. Por exemplo, para um crédito a 30 anos, com spread entre 1% e 1,5%, indexado à Euribor a seis meses e cuja prestação tenha sido revista em Janeiro, o aumento em Julho já rondou os 50 euros por cada 150 mil de dívida.

Em Portugal, há 1,3 milhões de contratos de crédito à habitação com taxa de juro variável — ou seja, o valor da prestação oscila de acordo com as mexidas nas taxas de juro. Há já previsões que apontam para uma subida de 300 euros mensais nas prestações da casa. Quem tem um contrato com uma taxa fixa não será afectado.

Contas-poupança rendem mais

A capacidade das famílias de poupar também vai cair, depois de ter subido durante a pandemia. “Com a inflação elevada e a subida das prestações da casa, a margem das famílias para poupar diminui”, revela António Ribeiro, economista da Deco Proteste, ao Expresso.

Nem tudo são más notícias, já que quem tem contas-poupança ou depósitos a prazo notará que o dinheiro vai render mais. No entanto, “a subida dos juros dos depósitos deverá ser lenta e de pequeno significado”, sublinha Ribeiro.

Os certificados de aforro também se tornarão uma opção mais atractiva neste contexto “mais do que os certificados de aforro”. Mesmo assim, com a inflação alta, estes vão perder valor em termos reais.

Relativamente aos investimentos, “é expectável que se verifique uma queda no mercado acionista, uma vez que as famílias e empresas irão retrair os seus consumos”, lembra Vítor Bento. “As ações tornam-se menos apetecíveis, uma vez que o retorno esperado pode não compensar o risco.” Ribeiro acrescenta que os investidores portugueses “são muito conservadores e não querem ouvir falar de risco”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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