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Jornadas da Juventude podem ser bom negócio para Lisboa (mas vão agravar 2 problemas)

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Papa Francisco despede-se dos peregrinos em Fátima.

Com a polémica em torno dos custos das Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa, neste ano, fomos espreitar os gastos e os lucros das anteriores edições do que é o maior evento católico do mundo. E pode ser um bom negócio para a capital, embora venha agravar dois problemas…

As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) organizam-se desde 1986 depois de terem sido criadas pelo Papa João Paulo II. São realizadas a cada dois ou três anos em diferentes cidades pelo mundo, atraindo multidões de jovens católicos.

Numa altura em que se prepara o evento em Lisboa, a cidade que acolhe a edição de 2023, revoltam os milhões, em dinheiros públicos, que estão a ser gastos no evento. Mas tem sido quase sempre assim em vários países.

Em Madrid, que acolheu as Jornadas em 2011, grandes protestos marcaram a preparação do evento devido aos elevados custos envolvidos para o erário público.

A iniciativa em Espanha custou 50 milhões de euros, mas foram financiados por privados e pelos próprios peregrinos, com a venda dos bilhetes. A economia do país acabou beneficiada em 354 milhões de euros devido aos impactos directos e indirectos gerados pelas JMJ.

Segundo o relatório elaborado pela consultora independente PriceWaterhouseCoopers (PwC), que foi citado pelo El País, o Fisco espanhol arrecadou cerca de 28,3 milhões de euros em forma de IVA, o que supera os cerca de 15,15 milhões de euros que deixou de receber devido aos benefícios fiscais concedidos às empresas patrocinadoras do evento.

Em termos do impacto económico positivo das JMJ, 90% do total (cerca de 231,5 milhões de euros) beneficiou Madrid, especialmente os setores da hotelaria, do comércio e dos transportes terrestres.

O relatório da consultora salientou ainda os efeitos positivos do evento a longo prazo, reforçando a “marca Espanha” em termos turísticos junto dos cerca de 2 milhões de peregrinos que participaram nas JMJ.

Contudo, nem sempre os resultados financeiros das JMJ têm sido tão animadores, como revelam alguns exemplos das últimas edições…

Igreja do Panamá “lucrou” 275 mil euros em 2019

Em 2019, foi a Cidade do Panamá, no país com o mesmo nome, que acolheu as JMJ depois de um investimento público de 62,4 milhões de dólares (mais de 57 milhões de euros), segundo números citados pelo jornal La Estrella de Panamá.

O Ministério da Economia e das Finanças do país esperava ganhos indirectos para a economia da ordem dos 700 milhões de dólares (mais de 642 milhões de euros).

Mas a realidade terá ficado aquém desse número, como deu a entender o Arcebispo do Panamá, José Domingo Ulloa, aquando da apresentação das contas das JMJ 2019.

O objectivo nunca foi económico, o objectivo principal foi motivar os valores humanos e cristãos dos jovens e realçar a nobreza deste povo e a marca do país”, referiu Ulloa citado pelos media do Panamá.

Quanto à Fundação JMJ criada pela Igreja Católica do Panamá para organizar o evento, à imagem da que o Patriarcado de Lisboa criou também para realizar a edição deste ano, anunciou um “lucro” de 300 mil dólares (cerca de 275 mil euros), como reporta a Agência de Notícias do Panamá (ANP).

A Fundação recolheu 21,3 milhões de dólares, ou seja, cerca de 19,5 milhões de euros, distribuídos por contribuições de peregrinos (mais de 14 milhões de euros), donativos (quase 3 milhões de euros), outras receitas (cerca de 1,3 milhões de euros), patrocínios (à roda de 908 mil euros) e pelo fundo de solidariedade (cerca de 84 mil euros).

Por outro lado, a Fundação JMJ do Panamá investiu 20,7 milhões de dólares (mais de 19 milhões de euros) na organização do evento.

Feitas em contas, resulta o tal saldo positivo de 275 mil euros, dinheiro que foi entregue pela Fundação à Igreja Católica para fazer obras sociais.

Rio de Janeiro ficou com dívida de 28 milhões

Já no caso das Jornadas do Rio de Janeiro, em 2013, o saldo foi menos positivo, uma vez que deixaram uma dívida de 91,3 milhões de reais (28,2 milhões de euros), segundo uma auditoria independente da Ernst&Young.

O Papa Francisco chegou a doar 3,6 milhões de euros para ajudar a pagar parte da dívida, como revelou o Comité Organizador Local numa nota divulgada pelo Diário de Notícias.

A outra parte do valor foi paga com uma campanha que recolheu donativos de cerca de 492 mil euros, com a venda de DVDS e de um CD, e ainda com a venda de um imóvel da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Não houve qualquer aporte de dinheiro público, sendo inverídica a informação publicada na matéria do Estado de São Paulo, de que a Jornada teria recebido R$ 118 milhões [mais de 21 milhões de euros] dos Governos Federal, Estadual e Municipal”, reforçou a Igreja Católica na altura.

“A participação da administração pública se deu exclusivamente para assegurar o funcionamento dos serviços públicos essenciais durante o evento, sem qualquer repasse financeiro”, garantiu ainda a Igreja do Rio de Janeiro.

Em 2014, continuavam a ser pedidos donativos para acabar de pagar a dívida.

O evento terá custado um total de 350 milhões de reais (cerca de 62,7 milhões de euros), causando um impacto positivo para a economia do país de, aproximadamente, 1,9 mil milhões de reais (à roda de 340 milhões de euros), segundo um estudo publicado em 2015.

Daquele valor, cerca de 920 milhões (à roda de 165 milhões de euros) foram de impactos directos associados aos gastos dos peregrinos, e cerca de 980 milhões (mais de 175 milhões de euros) foram em impactos indirectos, segundo o estudo intitulado “A Jornada Mundial da Juventude 2013: os impactos económicos dos gastos dos peregrinos na Cidade do Rio de Janeiro”.

Estas Jornadas do Rio receberam 3,7 milhões de visitantes e provocaram recordes no turismo, com o “maior fluxo já verificado numa única cidade brasileira”, segundo dados do Jornal do Brasil.

Mas, por outro lado, levaram ao aumento dos preços dos bens e à especulação imobiliária, sustenta o referido estudo que sublinha a mais-valia de não ter havido a “necessidade da realização de investimentos [públicos] em infraestruturas da cidade” para receber o evento.

Toronto 2022 originou “buraco” de 27 milhões

A visita do João Paulo II a Toronto (Canadá) no âmbito das JMJ de 2002 deixou um elevado preço para pagar. A Igreja Católica do Canadá teve que pedir donativos para ajudar a cobrir um “buraco” de mais de 27 milhões de euros.

O evento custou 67 milhões de dólares (mais de 61 milhões de euros) e as verbas recolhidas ficaram-se pelos 40 milhões (cerca de 36,7 milhões de euros), segundo dados do The Globe And Mail (TGAM).

A Igreja teve que desviar verbas que estavam destinadas a reparações nas igrejas, atividades ou acções missionárias, para cobrir o “buraco”.

Naquele ano, as inscrições no evento ficaram aquém do esperado, nomeadamente quanto ao número de pessoas que compraram o bilhete completo para todo o evento (em Lisboa, esse bilhete custa mais de 200 euros). Estimava-se que, pelo menos, 300 mil pessoas o comprassem – mas somente 175 mil o fizeram, de acordo com o TGAM.

E em Lisboa, o que vai acontecer?

Para já, não dá dados concretos em relação a quanto é que a organização destas Jornadas vai custar a Portugal. Especula-se que o Estado pode ter de contribuir com mais de 80 milhões de euros, nomeadamente em obras e infraestruturas, mas também em serviços como Protecção Civil e Segurança.

A confirmar-se aquele valor, estarão entre as JMJ mais caras de sempre.

Em 2008, em Sidney, na Austrália, a organização do evento derrapou dos iniciais 100 milhões de dólares australianos (65 milhões de euros) para os 150 milhões (cerca de 97 milhões de euros), segundo dados do The Sydney Morning Herald.

Considerando o que se passou em Madrid, por exemplo, a grande beneficiada com este investimento público será mesmo Lisboa que acabará por recolher a maioria dos lucros do impacto económico positivo que é esperado.

Mas a capital portuguesa também poderá vir a sofrer com o agravamento de dois problemas que já preocupam os lisboetas, a título do que aconteceu no Rio de Janeiro.

Assim, em tempos difíceis de inflação, pode esperar-se um aumento dos preços dos bens em geral, mas da habitação em particular. A especulação imobiliária tenderá a agravar-se para aproveitar a onda de visitantes.

Igreja Portuguesa  espera “contas zero no final”

Em Setembro de 2022, o presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 (JMJLisboa2023), Américo Aguiar, admitiu que o aspecto financeiro é “o fantasma” que o preocupa no âmbito do evento.

“A Igreja portuguesa nunca teria capacidade de assumir sozinha um compromisso desta dimensão” e só “assumiu, porque teve a garantia do Estado, do Governo, das autarquias de Lisboa e Loures, de que assumiriam as mega-estruturas“, realçou em declarações à agência Lusa.

Américo Aguiar também disse que o Papa quer que o evento “seja sustentável” e que, por isso, é desejável que não haja prejuízo no final. Seria bom que “haja contas zero no final“, apontou ainda.

Mas se houver “lucro”, a Fundação vai destiná-lo para “subsidiar projectos dirigidos aos jovens“, prometeu Américo Aguiar.

Susana Valente, ZAP // Lusa

4 Comments

  1. Sendo isto um evento da Igreja, que a mesma é que beneficia, qual a razão de não ser a mesma a arcar com os custos? Nada como ir aos cofres do Banco Ambrosiano e pagar.

    Sou Católico, embora este tipo de coisas não faça qualquer sentido; afinal o Papa não é mais do que uma figura, um “rei”, numa “monarquia”: simples!

    Então como “rei”, que pague! — a fé está em cada um de nós; nenhum homem na terra suplantará Deus.

  2. O Palco pode, e deve servir para expor os Pedófilos da Igreja católica apostólica romana, alias deve servir para julgar e condenar estes gajos a cortar o PPP eee NNNNN SSS. O Cristo morreu Pobre e estes querem morrer ricos, contra a vontade de Deus, Será que este ainda Existe, parece que NÃO.

  3. Quando será que os – apedeuto utilizadores – da Língua Portuguesa aprendem que “Erário Público” é uma redundância, um pleonasmo, já que por si só, a palavra – ERÁRIO – significa Tesouro Público ou, por extensão, Grupo de Instituições que conservam e administram os dinheiros públicos???

  4. Claro que tem razão ; O facto de acrescentar a palavra Publico tem a ver com o acentuar do protesto , reforçando a origem do Capital investido ! . Nada que mude o problema de fundo , se mencionássemos simplesmente a palavra erário !

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