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“Jantar fora é mau”. Funcionários públicos chineses coagidos a apertar o cinto

Funcionários públicos em toda a China estão a evitar jantar fora para “jogar pelo seguro”, numa altura em que as mais recentes medidas de austeridade se transformam numa campanha opressiva de controlo excessivo — como muitas outras antes. É o mais recente ceng ceng jia ma.

A pressão de austeridade na China intensificou-se, com campanhas agressivas contra o consumo, propagadas em cascata pelas autoridades locais, que tentam provar a sua lealdade ao governo de Pequim.

Segundo funcionários públicos entrevistados pelo South China Morning Post, as mudanças de estilo de vida que estão a ser coagidos a fazer pelas autoridades locais são por vezes ainda mais rigorosas do que os regulamentos e orientações provenientes dos órgãos centrais do estado e do partido.

Um funcionário da província de de Sichuan, no sudoeste, com nome Luo, conta ao SCMP que o seu chefe anunciou uma proibição de jantar fora no início de maio, dizendo que “comer fora comer fora nesta altura não é bom para ti. Isto é a mais recente ramificação do ceng ceng jia ma“.

A expressão “ceng ceng jia ma“, que em mandarim se traduz por algo como “adicionar uma camada extra sobre camada de controlo“, é bem conhecida entre os funcionários da China — há muito habituados a este tipo de escaladas de cima para baixo.

Ceng ceng jia ma resume sucintamente a forma como as autoridades locais a todos os níveis tendem a tomar medidas excessivas além das diretivas centrais, para demonstrar a sua lealdade política, e frequentemente acabam por exagerar.

Esta tendência tornou-se particularmente evidente durante os anos da pandemia, quando a aplicação local da abordagem zero-Covid de Pequim foi frequentemente criticada como excessiva.

Desde março, milhares de funcionários chineses têm-se esforçado por cumprir as mais recentes ordens do presidente Xi Jinping para combater gastos desnecessários, garantindo que os seus escritórios são modestos, que os seus recibos de refeições estão em ordem e que devolvem qualquer presente luxuoso.

Entretanto, milhares de inspetores disciplinares realizam verificações aleatórias de que as orientações são cumpridas.

Em maio, o governo de Pequim divulgou um conjunto de regras mais apertadas, revistas extensivamente para “implementar frugalidade e cortar desperdício” entre órgãos do partido e do governo, com cortes que vão de projetos dispendiosos e uso de veículos oficiais até refeições luxuosas e decoração de salas de reunião — gastos que passam a estar na mira dos inspetores disciplinares.

De especial nota é uma proibição total de álcool nas refeições de trabalho, bem como do consumo de pratos caros e tabaco.

Os governos locais foram rápidos a adotar os novos regulamentos, e, por precaução, aplicam-nos com maior rigor, levando alguns funcionários públicos a queixarem-se de intrusão excessiva nas suas vidas pessoais.

Uma funcionária pública da província de Anhui conta que o seu departamento começou a realizar testes diários de álcool quando o pessoal se apresenta ao trabalho, juntamente com verificações pontuais após o almoço.

Acho que é muito intrusivo e não sei qual é o sentido disso. Se bebi ontem à noite, provavelmente não consegues detetar na manhã seguinte”, disse a funcionária, com apelido Liu. “Aqueles que beberam álcool ao almoço podem simplesmente encontrar desculpas para não regressar ao escritório pelo resto do dia”.

Um funcionário da província de Gansu diz que desistiu de jantar fora depois de o seu chefe ter divulgado uma lista de 20 tipos de atividades que deviam ser evitadas, com perguntas de escolha múltipla para verificar se tinham compreendido a diretiva corretamente.

Uma das perguntas do questionário dizia: “O teu director gosta de ti e acabou de te promover. O filho dele vai casar-se. O que deves fazer?“. A questão tinha quatro respostas possíveis:

  1. Assistir ao banquete e oferecer um envelope vermelho
  2. Enviar parabéns e não assistir ao banquete
  3. Assistir ao banquete se convidado, caso contrário dar um envelope vermelho em privado
  4. Verificar se outros colegas vão assistir ao banquete

Um envelope vermelho, ou hong bao, refere-se a um pacote vermelho tradicional com dinheiro, oferecido durante ocasiões especiais como casamentos, aniversários e no Ano Novo Lunar.

“Isto é demasiado problemático e demasiado arriscado“, disse o funcionário, de nome Zhao. “Nunca sabes que tipo de jantar ou diversão te vai trazer problemas. A melhor maneira é simplesmente recusar tudo; uma abordagem única é a melhor forma de proceder, por agora.”

O nosso chefe está a tentar proteger-nos. Se algum denunciante reportar qualquer coisa, terermos muitas explicações a dar. O meu supervisor continua a dizer-nos para não atrairmos problemas desnecessários neste momento crítico, quando tantos inspectores estão a observar-nos”, diz Luo.

A intensificação das medidas restritivas a nível local não passou despercebida às autoridades superiores. Meios de comunicação oficiais e funcionários seniores intervieram entretanto para clarificar os limites da campanha de austeridade.

Num artigo publicado a 17 de junho, o Diário Popular, órgão oficial do Partido Comunista da China, clarifica que “a proibição de banquetes viola as normas definidas para retificar a conduta do partido”, numa referência a um conjunto de oito regras promulgadas em 2013 e revistas em maio.

“As regras não implicam que todos os banquetes violem regulamentos“, diz o artigo, que salienta que o mercado de comida e bebida da China movimentou em 2024 mais de 5,5 biliões de yuan (cerca de 660 mil milhões de euros) e gerou mais de 30 milhões de postos de trabalho.

“As medidas de austeridade promulgadas pelo governo de Pequim destinam-se a ser usadas como um bisturi em ações precisas, mas algumas autoridades locais estão a aplicá-las como um martelo, proibindo todos os encontros e banquetes”, acrescenta o artigo.

“Estas são as incompreensões das políticas e a indiferença aos meios de subsistência das pessoas sob pensamento governamental preguiçoso, que substitui a governação precisa por medidas simples e cruas”, conclui o artigo.

ZAP //

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