Como Israel viola a lei internacional há décadas — com a conivência do Ocidente

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Ronen Zvulun / EPA

O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu

Há mais de 50 anos que Israel está a construir colonatos ilegais em território palestiniano, mas a comunidade internacional nunca cortou o apoio ou avançou com sanções contra o Estado judaico.

Por estes dias, os olhos do mundo estão nos horrores humanitários vividos na Faixa de Gaza. Inúmeras reportagens mostram as dificuldades vividas na pequena região controlada pelo grupo radical islâmico Hamas, com a população de cerca de dois milhões de pessoas (sendo quase metade crianças) a sofrer com a falta de água, comida e medicamentos.

No meio de todo o caos em Gaza, quase que é fácil esquecer a realidade no resto do território palestiniano. Mas a Cisjordânia, com o seu mapa retalhado e gestão confusa, está também no centro do conflito — e é há mais de 50 anos o palco de uma ocupação ilegal por parte do Estado israelita.

As primeiras sementes do conflito israelo-palestiniano foram plantadas pelo Império Britânico há mais de 100 anos, com os britânicos a prometer o território da Palestina — que na época fazia parte do Império Otomano — tanto a árabes como a judeus.

Inicialmente, entre 1915 e 1916, o Reino Unido fez um acordo com Hussein bin Ali, Xarife de Meca, com o líder arabe a prometer chefiar uma rebelião contra o Império Otomano. Em troca, os britânicos apoiariam a fundação de um país independente na Palestina quando os otomanos fossem derrotados na Grande Guerra.

Mas apenas um ano depois, em 1917, os ingleses apanharam os árabes de supresa com a Declaração de Balfour, onde se comprometiam a estabelecer um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina.

Depois de décadas de imigração em massa de judeus para a região, o reconhecimento oficial do Estado israelita chegou em 1948, com a recém-criada Organização das Nações Unidas a intervir para tentar resolver a disputa entre judeus e palestinianos, propondo uma divisão do território em dois Estados e com Jerusálem a ficar sob gestão internacional.

Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel

Plano da ONU para a divisão da Palestina em 1948, com Israel a azul e a Palestina a vermelho

As expansões com as guerras

Mas esta decisão foi o início de uma guerra entre Israel e os seus vizinhos árabes Egipto, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria, que não reconheciam a legitimidade da promessa dos britânicos de criar uma nação judaica e que consideravam que a sua formação era mais um exemplo do colonialismo europeu no Médio Oriente.

Esta primeira guerra durou menos de um ano, com Israel a vencer e a expandir significativamente o seu território além das fronteiras desenhadas pela ONU. O plano inicial determinava que cerca de 56% da Palestina ficaria nas mãos de Israel, mas a vitória na guerra levou a que os israelitas assumissem o controlo de 78%.

Os acordos de armistício decidiram ainda que os restantes 22% do território seriam divididos entre a Jordânia, que assumiu a gestão da Cisjordânia, e o Egipto, que tomou conta da Faixa de Gaza. Criou-se também assim a Linha Verde, que determinava o cessar-fogo e separava o território controlado pelos países árabes e pelos israelitas.

Os acordos de armistício destinavam-se a ser provisórios até se chegar a um tratado de paz permanente. No entanto, foram precisas três décadas para se conseguir um tratado de paz entre Israel e o Egipto (1979), e mais 15 anos para se chegar um tratado de paz entre Israel e a Jordânia (1994). E até hoje, nenhum tratado de paz foi assinado entre Israel e o Líbano nem entre Israel e a Síria.

Pelo meio, houve ainda a Guerra dos Seis Dias, em Junho de 1967, que pôs novamente Israel em confronto com o Egipto, a Jordânia e a Síria. Este conflito teve início após Israel lançar ataques contra as forças aéreas dos três países, seguindo-se ofensiva terrestre rápida em que Israel ultrapassou a Linha Verde e assumiu o controlo da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, tendo ainda capturado a Península do Sinai ao Egipto e os Montes Golã sírios.

 

A enorme expansão de território em 1967 abriu grandes questões no seio da liderança israelita sobre o que fazer. Israel assumiu o controlo da Faixa de Gaza, tendo ao longo de várias décadas apoiado a difusão dos ensinamentos dos radicais islâmicos da Irmandade Muçulmana, que viriam depois a fundar o Hamas.

Israel acabou depois por sair unilateralmente de Gaza em 2005, com a evacuação de todos os civis israelitas que viviam em 21 colonatos na área e o desmantelamento do aparato militar.

Após a retirada, a Autoridade Palestiniana assumiu inicialmente a governação de Gaza, mas um conflito entre o Fatah e o Hamas em 2007 levou a que o grupo islâmico passasse a controlar a região. Israel ainda mantém o controlo sobre o espaço aéreo, as águas territoriais e a maioria das passagens fronteiriças da Faixa de Gaza, mas já não tem uma presença física dentro do território.

Na Cisjordânia, a situação tornou-se mais complexa, com os responsáveis políticos a debater várias opções. Deviam anexar a Cisjordânia e dar cidadania israelita aos mais de um milhão de árabes? Será que deviam devolver a Cisjordânia à Jordânia nas negociações para a paz? Ou seria melhor permitir a fundação de um Estado palestiniano na região?

Os primeiros colonatos

A verdadeira resposta foi nenhuma destas três opções. No meio da indecisão do Governo, os próprios cidadãos israelitas começaram a mudar-se para a Cisjordânia, o que veio complicar ainda mais a decisão sobre o que fazer com o território.

As Nações Unidas pronunciaram-se contra estes colonatos israelitas em 1979, reafirmando que estes violam a lei internacional, “não têm validade jurídica e constituem um sério obstáculo ao alcance de uma paz abrangente, justa e duradoura no Médio Oriente”.

A construção na Cisjordânia também contraria o que ficou estipulado nos Acordos de Oslo assinados em 1993 entre o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin o líder palestiniano Yasser Arafat, onde Israel se comprometeu a travar os colonatos.

Mas a condenação no plano internacional não abrandou a construção dos colonatos, que pouco depois começaram a ser apoiados pelo Governo israelita, que passou a emitir licenças e a dar apoios financeiros à sua construção.

O Estado também financiou a construção de estradas pela região que ligam os colonatos entre si e ao resto do território israelita. Os israelitas podem circular facilmente nestas estradas, mas os palestinianos são frequentemente alvo de bloqueios e vistorias obrigatórias aos seus carros.

O avanço dos colonatos também dificulta seriamente a solução de dois Estados defendida pela ONU, com o mapa na Cisjordânia a parecer agora um puzzle retalhado entre vilas palestinianas e colonatos israelitas. Israel também controla as partes da Cisjordânia com mais minério, mais água e com mais terrenos agrícolas, o que compromete a estabilidade económica de um futuro Estado da Palestina.

A expansão da ocupação e a repressão israelita foram também as principais causas das revoltas populares dos palestinianos em 1987 e em 2000, conhecidas como as Intifadas.

Construção a todo o vapor

O investimento do Governo israelita nos colonatos disparou após o partido de direita radical Liku, de Benjamin Netanyahu, chegar o ao poder em 1996.

Grande parte da habitação pública ou subsidiada fica nos colonatos, com as casas na Cisjordânia a saírem muito mais baratas do que em cidades como Tel Aviv. O Estado também investe bastante mais nas escolas nos colonatos, oferecendo salários atrativos aos professores e mais recursos educativos. Os transportes também são mais económicos na Cisjordânia graças aos apoios públicos.

Para além da agricultura e do minério, o turismo é um dos principais trunfos do Governo para criar emprego nos colonatos. Segundo a Amnistia Internactional, em 2010, Israel alocou 110 milhões de dólares para proteger e desenvolver infraestruturas para visitantes em locais históricos “que reflectem a herança nacional do povo judeu”, incluindo 13 em Jerusalém Oriental e 30 no resto da Cisjordânia.

O investimento per capita nos colonatos é também bastante superior ao investimento no resto do território israelita. Um relatório recente da ONG israelita Movimento pela Liberdade de Informação revela que, entre 2016 e 2019, o Governo gastou proporcionalmente 3,5 vezes mais dinheiro nos colonatos do que no resto do país.

O cenário é parecido em Jerusálem Oriental, que também é legalmente território palestiniano, mas que Israel anexou em 1980. Esta zona da cidade é particularmente disputada por abranger a Cidade Antiga, que inclui lugares sagrados para os judeus, muçulmanos e cristãos.

De acordo com dados da ONU, Israel aprovou apenas 1,5% de todos os pedidos de licenças de construção apresentados pelos palestinianos entre 2010 e 2014. Isto leva a que os palestinianos construam sem autorização, com Israel posteriormente a usar esta ilegalidade para justificar as demolições e a construção de casas para israelitas.

“Eles têm um grande objectivo: remover-nos e substituir-nos por colonos“, afirma Qutaiba Odeh, residente do bairro palestiniano de Silwan, à Vice.

Um relatório da ONG Human Rights Watch divulgado em 2021 acusa ainda Israel de confinar as comunidades palestinianas, recusando a acomodar o seu crescimento populacional natural, não apenas na Cisjordânia, mas também em cidades e aldeias palestinianas dentro de Israel.

A ONG também citou uma conclusão de 2017 que indica que embora os palestinianos sejam 21% da população reconhecida de Israel, menos de 3% das terras estão sob a jurisdição dos municípios palestinianos.

O dinheiro que financia os colonatos não vem só de dentro de Israel. Uma investigação de 2016 do jornal israelita Haaretz revelou que o grupo de direita Elad, que está associado a projectos de expulsão de palestinianos de Jerusálem Ocidental, recebeu 115 milhões de dólares entre 2006 e 2013, sendo a maior parte deste dinheiro oriundo de empresas desconhecidas registadas em paraísos fiscais, como as Bahamas e as Seychelles.

O polémico oligarca russo Roman Abramovich também é um dos grandes financiadores dos colonatos ilegais. Uma investigação da BBC em 2020 descobriu que quatro empresas do ex-dono do Chelsea já doaram mais de 100 milhões de dólares à Elad, o que faz de Abramovich o maior doador individual à organização nos últimos 15 anos.

Estima-se que, no total, mais de 700 mil israelitas vivam nos colonatos ilegais e na parte ocupada de Jerusálem Ocidental.

Mecanoblog / Wikimedia

Evolução da ocupação israelita na Palestina

O silêncio do Ocidente

No meio de tudo isto, onde está o Ocidente? Apesar das violações israelitas da lei internacional, o país nunca foi alvo de sanções ou boicotes por parte; muito pelo contrário.

Os Estados Unidos são o aliado mais fervoroso dos israelitas e já doaram um total de 158 mil milhões de dólares ao país desde a sua fundação, o que torna Israel o maior beneficiário de apoios norte-americanos, de acordo com dados de Washington. No rescaldo da recente escalada de violência, Joe Biden comprometeu-se a enviar mais dois mil milhões de dólares de ajuda para Israel.

A ordem de Donald Trump para a mudança da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusálem, reconhecendo assim a cidade sagrada como a capital de Israel, também foi um grande exemplo recente do compromisso inabalável dos norte-americanos com os israelitas. Os EUA também já vetaram pelo menos 53 resoluções apresentadas ao Conselho de Segurança da ONU que condenavam a ocupação.

O grupo AIPAC, que é um dos lobbys mais influentes dos EUA, também ajuda a garantir que vozes opositoras de Israel não sejam eleitas para o Congresso. Só nas intercalares de 2022, o lobby gastou 28,5 milhões de dólares em doações chorudas a candidatos pró-Israel, apostando especialmente nas corridas contra candidatos progressistas que defendam uma mão mais dura com o Estado judaico.

Até à data, 37 dos 50 estados norte-americanos também já avançaram com medidaspara desencorajar ou proibir o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) lançado em 2005, que apela a medidas como a proibição de negócios com colonatos israelitas ilegais, o fim de acordos de comércio livre, a restrição do comércio militar e a suspensão da participação de Israel em fóruns internacionais, como as agências da ONU ou federações desportivas.

O cenário é semelhante noutros países ocidentais. Em 2021, uma petição com mais de 380 mil assinaturas que defendia um boicote a Israel foi debatida no parlamento britânico, mas a resposta de Londres foi clara: não vão avançar quaisquer sanções ou boicotes contra um país aliado.

O início da guerra na Ucrânia e a consequente enxurrada de sanções impostas à Rússia fez aumentar ainda mais o coro de críticas à inacção do Ocidente com Israel, que acusam de hipocrisia.

 

James Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano em Washington, também comparou a representação dos ucranianos que atiravam bombas como heróicos defensores do seu território com os palestinianos caracterizados como terroristas por resistirem à ocupação de Israel, refere o The Guardian.

Os EUA não estão sozinhos nas acusações de hipocrisia. O Reino Unido e o Canadá lideraram os apelos ao Tribunal Penal Internacional para investigar os crimes russos na Ucrânia. Mas em 2021, os dois países disseram que o TPI deveria abandonar uma investigação sobre Israel, alegando que a Palestina não é um país soberano.

“Vemos que não apenas o Governo dos EUA, mas também as empresas dos EUA estão a esforçar-se para sancionar e boicotar qualquer coisa que tenha associação com o Governo russo. Comparem isso com exactamente o oposto quando se trata de sancionar Israel, ao ponto em que os estados americanos estão a aprovar leis para punir os americanos, a menos que prometam nunca boicotar Israel“, referiu Sarah Leah Whitson, da Human Rights Watch, aquando do início do conflito na Ucrânia.

“É muito claro que os motivos para resistir às sanções contra Israel, ou mesmo para o cumprimento do direito internacional, são puramente políticos”, remata.

Adriana Peixoto, ZAP //

8 Comments

  1. Fazem o que querem, matam descaradamente os árabes e ainda recebem o apoio dos países que têm o “rabo preso” e se beneficiam dos investimentos que eles produzem nesses países. O final dessa chacina será com os árabes mortos, seus territórios anexados a israel e os países que o apoiam brindado pela sua “vitória”. Pode-se ver que o holocausto não trouxe qualquer fagulha de sensibilidade às ações dos judeus e que apesar do que sofreram, nada aprenderam.

  2. Onde no mapa se vê rosa alaranjado e azul, eu só vejo azul!
    Onde noutro mapa se vê amarelo e verde, eu só vejo amarelo!
    Quando falam dos expansionistas Judeus, eu só vejo terroristas muçulmanos!
    Quando falam de de ataques Israelitas, eu vejo violência islâmica contra Israel!
    Quando me falam de vitimas palestinianas, eu vejo um deserto com 50.000 nómadas ocupado depois de 1947 para criar tensão com Israel!
    Os palestinianos têm um bom sitio para estar e viver, dentro de Israel … se se comportarem como cidadãos normais!
    O resto é … Hamas e Irão! Como eu odeio o Irão! Mais, só mesmo aos Soviéticos de Putin!

  3. Pois está bem, mas é fácil ver quem está a jogar esta guerra proxy do outro lado (palestina): Irão, Síria, e Russia… Todos têm interesse na propagação do terrorismo fundamentalista existente em ramos palestinianos.. enfim, o que parece nem sempre é.

  4. Artigo muito tendencioso.

    – Não menciona as 5 vezes que os árabes recusaram um Estado ao lado de Israel – 1937, 1948, 1967, 2000, 2008).
    – Não diz que o Mandato Britãnico da Palestina incluia a actual Jordânia (80%) e que a ONU atribuiu aos Judeus apenas 11% da área total do MBP.
    – Esquece-se de mencionar que o termo “Palestinianos” só apareceu nos anos 60. Até aí eram apenas “Árabes”.
    – Não fala no tio do Arafat, o Grande Mufti de Jerusalém, que se encontrou com Hitler e Himmler para pedir armas e combater os Ingleses e Judeus durante a 2GM.
    – E nem na ligação histórica de mais de 3000 anos que os Judeus têm com a Terra Santa.
    – E que nunca houve uma entidade independente naquela região desde os tempos do Rei Salomão, até à fundaçao de Estade de Israel em 1948.

  5. Para aqueles que nunca leram o Talmud, deixo algumas citações talmúdicas das “perenes vítimas” e do “pessoa amável de Deus” sobre os cristãos.

    “É a lei matar quem negar a Torah e os cristãos pertencem aos opositores da Torá. ” (Coschen hamischpat 425, Hagah 425, 5)
    “Os judeus devem sempre tentar enganar os cristãos. ” (Zohar 1, 160 a)
    “O nome de Deus não é profanado se um judeu engana um cristão. ” (Babha Kama 113 b).
    “Um judeu que mata um cristão não comete pecado, mas oferece um sacrifício aceitável a Deus. ” (Abhodah Zarah 26 b, Tosephoth)
    “Ela (pela Virgem Maria), que era descendente de príncipes e governadores, brincou de prostituta com os carpinteiros. ” (Sanhedrina 106 a)
    “Se um judeu mata um cristão, não há pecado. ” (Sepher or Israel, 177 b)
    “Exterminar os cristãos é necessário. ” (Zohar 11, 43 a)
    “Não faça acordos nem mostre misericórdia aos cristãos. ” (Hilkhpth Akum x, 1)
    “Aqueles judeus que fazem o bem aos cristãos nunca ressuscitarão quando morrerem. ” (Zohar 1, 25 b)
    “Você será inocente de assassinato se tentar matar um cristão. ” (Makkoth, 7 b)
    “Os judeus devem destruir os livros dos cristãos, como o Novo Testamento. ” (Shabbath 116 a).
    “A propriedade cristã pertence ao primeiro judeu que a reclame. ” (Babha Bathra 54 b)
    “O cativeiro dos judeus acabará quando os príncipes cristãos morrerem. ” ( Zohar 1 – 219 b)
    Cristãos são mergulhados em excrementos ferventes. ” (Gittin 57 a).
    “Na véspera da Páscoa, Yeshu (Jesus) foi enforcado. Que defesa poderia ter sido feita então? Ele não era um Messias? ” (Sanhedrina 43 a)
    “Os cristãos e outros que rejeitaram o Talmude irão para o inferno e serão punidos lá por todas as gerações. ” (Rosh Hashanah 17 a).

    Ainda bem que são uma religião pacífica.

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