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Internet oculta: os segredos de um universo paralelo

Tor Håkon / Flickr

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Milhares de pedófilos usam a chamada dark web (Internet obscura, em tradução livre) para partilhar, vender ou aceder a imagens de crianças a sofrer abuso sexual.

Num relatório publicado este ano, a agência de combate ao crime britânica disse que os criminosos estão cada vez mais a voltar-se para uma Internet paralela, por onde passeiam de forma anónima, para realizar atividades ilegais – o fundador de um site desse tipo disse à BBC que a página que geria chegava a receber 500 visitantes por segundo.

No entanto, “uma boa parte dos utilizadores são curiosos, que querem apenas ver o que existe por lá e ter a sensação de entrar num território da Internet que é cercado por tabus”, disse o advogado e especialista em tecnologia e media Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio).

O especialista considera que uma fração menor de pessoas entra na dark web para praticar atividades ilícitas. E há ainda uma grande fatia de utilizadores que entra apenas à procura de privacidade, através de um canal de comunicação que não seja monitorizado ou espionado.

A BBC consultou também a especialista em ciência da computação Juliana Freire, investigadora da Universidade de Nova Iorque, nos EUA, e que está prestes a embarcar num projeto que poderá revolucionar a forma como fazemos pesquisas na Internet – permitindo, inclusivamente, que identifiquemos conteúdos “escondidos” na dark web.

A investigadora não se preocupa com a existência por si só dessa Internet obscura, fora do alcance não apenas das ferramentas de pesquisa comuns mas também das autoridades. O mal está na forma como algumas pessoas a utilizam, mas esse não é um problema exclusivo da Internet. “Tráfico humano, pedofilia, essas coisas sempre aconteceram. Pelo menos agora, se estão ali e é possível ver o conteúdo, temos uma prova de que elas existem”.

Definições

A Internet visível, ou surface web (Internet de superfície), é uma fatia minúscula de uma rede gigantesca, a deep web (Internet profunda).

Esta rede profunda engloba bases de dados cujo conteúdo não está indexado e, portanto, não pode ser acedido através de ferramentas de pesquisa como o Google.

Imagine, por exemplo, um site de venda de carros em segunda mão. As informaçõe sobre os carros estão dentro do site, mas só temos acesso a elas quando preenchemos um formulário a indicar que tipo de carro estamos à procura.

Também podemos incluir nessa web profunda uma fatia da rede onde a publicação de conteúdos, bem como o acesso a eles, acontecem de forma anónima. Essa é a dark web, ou Internet obscura.

dark web inclui, por exemplo, redes como a Tor Network. Para aceder, é preciso fazer download do TorBrowser, um navegador que torna o endereço do seu computador indetetável. Você pode navegar anonimamente, tanto pela Internet regular quanto pela rede obscura.

Da mesma maneira, se criar um site na rede Tor, o conteúdo fica lá, mas sua identidade não.

“Se crio um site, tenho de registá-lo e criar um endereço de IP, para identificação”, explica Juliana Freire. “Mas essas redes criam um IP e ninguém sabe quem eu sou”.

Essa Internet anónima é usada para todo tipo de atividade ilícita, como tráfico humano e tráfico de drogas. Um desses sites, o supermercado de drogas Silk Road, atuou na rede Tor durante mais de dois anos, até ser fechado pelo FBI.

Mas a Tor também é usada por militantes, intelectuais e outros grupos que precisam permanecer anónimos para sua segurança pessoal.

“No Irão, muitos usam o Tor para aceder à Internet; na China acontece a mesma coisa”, diz Freire.

Passeio perigoso?

A ideia de uma Internet secreta, co-existindo com a rede visível mas inacessível à maioria, habitada por criminosos e libertários, parece saída da ficção científica.

Juliana Freire diz que já passeou por essas terras sem lei. Não são necessariamente perigosas, descreve, mas contêm armadilhas onde podem cair os viajantes menos experientes.

“Fiz pesquisas sobre tráfico humano e não vi nada, mas quando digitei a palavra cocaína encontrei vários sites de venda – mas os meus colegas disseram-me que muitos desses sites são armadilhas do Governo” – um pouco à semelhança do mundo real, onde a polícia esconde-se à paisana ou infiltra-se para apanhar criminosos.

A rede profunda inclui, ainda, sites desativados que permanecem no ciberespaço, uma espécie de edifícios-fantasma.

Alguns especialistas tentaram, ao longo dos anos, dar uma dimensão à Internet profunda, mas os resultados variam. Em 2001, o académico americano Michael K. Bergman publicou um estudo sugerindo que a deep web seria entre 400 e 550 vezes maior do que a Internet de superfície e que as ferramentas de busca convencionais – como o Google – conseguiriam alcançar apenas 0,03% do total de páginas disponíveis.

Juliana Freire, no entanto, desconfia desses números. “Alguns tentaram medir isso mas não consigo acreditar nos estudos mais recentes que li, não estou convencida. É difícil de estimar o tamanho dessas coisas”.

Efeito Snowden

Em maio de 2013, um analista da NSA (Agência Nacional de Segurança) norte-americana, Edward Snowden, denunciou para o mundo que o Governo dos Estados Unidos vinha secretamente a arquivar comunicações entre cidadãos feitas pela Internet e por telefone.

Na época, Snowden disse ao The Guardian que não queria viver em um mundo onde “tudo o que faço e digo é gravado”.

Nesse contexto, a ideia de que exista uma rede de comunicações fora do alcance de governos e autoridades torna-se ainda mais atrativa.

“Apesar do intenso preconceito contra as chamadas deep web e dark web, são canais que surgiram a partir de ferramentas de proteção à privacidade”, explica o especialista Ronaldo Lemos.

“Em vários países do mundo, especialmente em regimes autoritários onde a rede é controlada e as liberdades civis ameaçadas, esse tipo de de espaço torna-se um dos poucos ambientes públicos onde é possível manifestar pensamentos e opiniões de forma livre“.

E acrescenta: “Não existe apenas uma dark net, mas várias. Elas são uma consequência da estrutura aberta da Internet. Existem inúmeros problemas que elas trazem e que devem ser combatidos, mas são o preço a pagar por manter a Internet com uma arquitetura descentralizada, livre e aberta”.

Para Juliana Freire, no entanto, a vigilância pelo governo é um problema menor, comparada à informação recolhida pelas grandes empresas tecnológicas. “O Google, o Facebook, o Twitter, sabem de tudo. O Google está a ler todos os seus e-mails”.

“Querer privacidade e preocupar-se com o Governo é parvoíce, quando existem empresas que provavelmente sabem mais sobre nós do que o Governo”, considera a investigadora, que questiona: “Imagine o quanto você revela ao Google só ao fazer pesquisas?”

“A privacidade é impossível. O que é necessário é regulação, porque agora não é mais possível parar esse processo”.

ZAP / BBC

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