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Incidentes diplomáticos, insultos e finalmente um murro levam BBC a despedir Jeremy Clarkson

jonlarge / Flickr

Jeremy Clarkson, provavelmente o mais polémico (ex-)apresentador de sempre na BBC

Jeremy Clarkson, provavelmente o mais polémico (ex-)apresentador de sempre na BBC

A BBC confirmou que não vai renovar o contrato do polémico apresentador Jeremy Clarkson, do programa Top Gear, depois de Clsrkson ter agredido um dos produtores do programa.

Tony Hall, director-geral da BBC, revelou “não ter sido uma decisão fácil” e diz saber que pode causar “controvérsia”.

No entanto, acrescentou que a situação “ultrapassou os limites” e que ele próprio não “poderia consentir o que se tinha passado desta vez” com a agressão.

Clarkson tinha já sido suspenso a 10 de março por ter dado um murro no produtor Oisin Tymon, depois de um desentendimento entre ambos num hotel em Yorkshire, Inglaterra, onde estavam a realizar gravações para o programa.

O motivo do desentendimento terá sido que, depois de um dia de gravações, a produção não teria servido uma refeição quente a Clarkson.

Agressões físicas e verbais

A semana passada, o director da BBC Escócia, Ken MacQuarrie, realizou uma investigação interna.

No seu relatório, MacQuarrie afirma que Tymon deu entrada por conta própria num hospital, com os lábios inchados e a sangrar, depois de ter sido “despropositadamente agredido, física e verbalmente“.

A suspensão de Clarkson foi alvo de uma petição online em apoio ao apresentador, criada pelo bloguer Guido Fawkes, e teve repercussões na imprensa e nas redes sociais, e em diversos países, como a Argentina, Rússia, Índia, China e Irão.

Top Gear foi emitido pela primeira vez em 1977 e é actualmente o programa mais lucrativo da BBC. Transmitido em 214 países, atrai uma audiência global de 350 milhões de espectadores.

Com um humor ácido e debochado, os três apresentadores, Jeremy Clarkson, James May e Richard Hammond, testam e comparam diferentes modelos de carros, vivendo situações inusitadas e extraordinárias.

O programa tem uma história marcada por grandes polémicas, muitas delas com Clarkson como protagonista.

Sebastian Guzman / BBC

A matrícula usada por Clarkson na Argentina foi considerada uma provocação

A matrícula usada por Clarkson na Argentina foi considerada uma provocação

Falklands ou Malvinas?

O ano passado, ao gravar na Argentina um especial de Natal do programa, Jeremy Clarkson provocou revolta ao circular pelo país com um carro cuja matrícula H982 FLK foi considerada uma provocação aos argentinos.

A matrícula escolhida por Clarkson foi interpretado como uma referência às guerra das Malvinas – ou Falklands, para os britânicos, ocorrida em 1982, quando a Argentina tentou reclamar à força a soberania do arquipélago.

A equipa do programa foi perseguida por condutores argentinos indignados e teve de deixar o país prematuramente, cruzando a fronteira com o Chile.

Jeremy Clarkson negou que a escolha da placa tenha sido propositada e garantiu que tudo não passou de uma infeliz coincidência.

Num comentário irritado sobre o incidente, a embaixadora da Argentina no Reino Unido, Alicia Castro, afirmou que Clarkson quis fabricar uma história de horror.

Acusações de racismo

Em 2012, na gravação de um episódio, Jeremy Clarkson usou a palavra nigger, uma forma extremamente desrespeitosa de se referir a negros, em inglês.

Apesar de o segmento não ter sido emitido, o tabloide britânico The Mirror obteve uma cópia da gravação na qual o apresentador menciona a palavra ofensiva.

Num vídeo publicado na internet, Clarkson admitiu ter usado o termo racista, mas diz-se arrependido. “Fiquei horrorizado. É uma palavra que detesto”, disse Clarkson.

A BBC advertiu o apresentador, dizendo que seria demitido se voltasse a fazer “outro comentário ofensivo, em qualquer lugar, a qualquer momento”.

Esta não foi a primeira vez que o programa foi acusado de racismo.

O Jaguar personalizado que ofendeu os indianos

O Alto Comissariado da Índia fez uma reclamação formal à BBC pelo que classificou de ofensas feitas pelos apresentadores, ao gravarem um episódio especial no país.

A Jaguar e a Land Rover, duas das mais emblemáticas marcas britânicas de sempre, foram compradas pela indiana TATA Motors à Ford em 2008.

No programa, os três apresentadores fizeram piadas e referências pejorativas à comida e à cultura da Índia.

Enquanto conduzia um Jaguar personalizado, que incluía uma retrete instalada na mala do carro, Clarkson dizia: “Isto é perfeito para a Índia, porque todos os que visitam o país acabam com diarreia”.

México insultado

Outro episódio, transmitido anteriormente, tinha já causado um incidente diplomático semelhante com o México.

Richard Hammond, um dos apresentadores do Top Gear, disse que os automóveis fabricados no México reflectiam as características nacionais do mexicano típico.

Segundo Hammond, os mexicanos eram “preguiçosos, flatulentos, bigodudos, deixavam-se estar encostados a uma parede envoltos numa manta com um buraco ao meio, meio adormecidos, a olhar para um cacto”.

Problemas com a indústria automobilística

Top Gear começou a ser transmitido pela BBC na Grã-Bretanha em 1977, abordando não apenas as características técnicas e de mercado dos automóveis, como também problemas de segurança na estrada.

A chegada de Jeremy Clarkson ao programa, em 1988, marcou a adopção de um novo estilo, pontuado por comentários mais ásperos à indústria automobilística, capazes de promover ou deitar abaixo os modelos analisados.

Rapidamente o programa se tornou carrasco de fabricantes.

Num dos episódios, Clarkson diz que preferia “ter gripe aviária” a ter um Corvette Z06.

Em outro episódio, o apresentador diz que o Toyota Corolla é “chato”, o que levou a fabricante a proibir que a equipa do programa utilizasse carros da marca nos seus testes.

Fenners1984 / Flickr

Top Gear, no ar desde 1977, é o programa mais lucrativo da BBC

Top Gear, no ar desde 1977, é o programa mais lucrativo da BBC

Em certa ocasião, ao testar o Mark One Vectra, da fabricante britânica Vauxhall, Clarkson ficou em silêncio total durante um minuto – sugerindo que não tinha nada a comentar – ao mesmo tempo em que tocava repetidamente com os dedos no tecto do carro.

Muitos atribuem a esse episódio o encerramento da unidade que a Vauxhall tinha na cidade de Luton, perto de Londres.

Em 2008, foi a vez de a Tesla reclamar de uma das críticas de Clarkson.

A fabricante de automóveis eléctricos do visionário Elon Musk processou o programa por difamação, depois de Clarkson ter dito que o modelo desportivo da Tesla, vendido por 140 mil euros, não funcionava conforme anunciado.

“Apesar de a Tesla dizer que o carro tem uma autonomia de 320km, no nosso teste a bateria acabou aos 80”, disse Clarkson.

“E, se a bateria acaba, não se recarrega rapidamente”.

Acidente a alta velocidade

Em 2006, ao guiar um protótipo propulsionado por foguetes, Richard Hammond sofreu um grave acidente ao perder o controle da viatura, quando um dos pneus dianteiros rebentou a uma velocidade de 460 km/h.

O apresentador sofreu lesões cerebrais, teve que ser levado de helicóptero para o hospital e correu sérios riscos de morte.

Hammond conseguiu recuperar-se totalmente.

Segundo a BBC, houve falhas nos procedimentos de avaliação de riscos da operação, mas outras medidas de segurança tinham “salvo a vida de Hammond”.

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Richard Hammond sofreu um violento acidente a testar um automóvel propulsionado por foguetes

Richard Hammond sofreu um violento acidente a testar um automóvel propulsionado por foguetes

Ofensa aos deficientes

Em 2010, durante testes de um Ferrari F430 Speciale, Clarkson provocou revolta de organizações que lutam pelos direitos de deficientes ao dizer que o carro se comportava de forma estranha, parecendo um “deficiente tolo”.

“Este modelo devia chamar-se F430 Com Necessidades Speciale“, numa tentativa infeliz de criar um trocadilho com o nome do carro.

A Sociedade Nacional de Autismo da Grã-Bretanha acusou Clarkson de “perpetuar o preconceito e a intimidação que as pessoas com deficiência têm de enfrentar”.

A BBC pediu desculpas pelo episódio.

Defensores dos direitos dos animais

Durante um especial gravado em 2007 nos Estados Unidos, Jeremy Clarkson amarrou uma vaca morta no tecto de um Camaro.

Para retirar o animal, o apresentador desatou as amarras e deu marcha a ré travando bruscamente, fazendo com que o corpo da vaca caísse ao chão.

A cena provocou dezenas de reclamações.

A BBC voltou a pedir desculpas pelo incidente, dizendo que “os espectadores conhecem o tipo de humor usado no programa”, e acrescentou que a equipa “não teve a intenção de ofender ninguém”.

Inimigos do meio ambiente

Em 2004, a BBC não só teve que voltar a desculpar-se, como também foi obrigada a pagar uma indemnização ao condado de Sommerset por prejuízos causados por Jeremy Clarkson.

O apresentador lançou uma carrinha pick-up contra castanheiros, para provar a resistência do veículo.

Os ambientalistas voltaram a reclamar contra a direcção do programa depois de os apresentadores terem conduzido um veículo, com tracção às quatro rodas, sobre a relva de uma região ambientalmente sensível nas highlands escocesas.

A BBC garantiu que o teste foi realizado com autorização do proprietário do terreno e que não houve riscos para o meio ambiente.

Mas a explicação não foi suficiente para o o grupo ambientalista Transport 2000, que pediu que o programa fosse retirado do ar e fosse substituído por outro que promovesse a “condução sensata e o uso de veículos sensatos“.

Ódio às roulottes

É notória a antipatia que o programa nutre pelos proprietários de roulottes. Jeremy Clarkson aproveita todas as oportunidades para se manifestar contra estes veículos, muito usados na Europa, principalmente durante as férias de verão.

As roulottes representam uma ameaça. Todos os sabemos”, disse Clarkson mais de uma vez.

“E a razão é muito simples. Ninguém que reboca uma roulotte teve treino específico para o fazer. O que faz com que tenham um pouco de medo, levando-os a conduzir muito devagar. Portanto, congestionam as estradas do interior da Grã-Bretanha durante o verão”.

Como vingança, várias roulottes foram já destruídas em episódios de Top Gear – atingidas por bombas incendiárias, ou movidos por gruas como se fossem elementos banais e desprezíveis de um grande jogo de tabuleiro.

Um porta-voz da BBC disse em 2009 que “como programa de entretenimento, o Top Gear orgulha-se de fazer coisas loucas que não têm intenção de representar a vida real”.

“É totalmente absurda a suposição de que houve em algum momento uma tentativa deliberada de enganar os espectadores”, acrescenta o porta-voz.

ZAP / BBC

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