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Incêndio no Museu Nacional do Brasil: uma tragédia há muito anunciada

Marcelo Sayao / EPA

Há décadas que a instituição dava conta da falta de investimento no edifício

Um enorme incêndio deflagrou no domingo e destruiu o Museu Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro. Arderam 200 anos de História e mais de 20 milhões de peças de valor incalculável. As causas são para já desconhecida, mas parece incontornável definir o acidente como uma tragédia há muito anunciada. 

Com a grave crise económica e política, os investimentos destinados para a instituição foram sendo reduzidos drasticamente, especialmente em 2018. Apesar da falta de investimento, os alertas sobre a degradação do edifício começaram já há mais de uma década. Relatos sobre risco de fogo, infiltrações, inundações e até queda de gesso sobre os funcionário do Museu Nacional foram-se multiplicando.

De acordo com a BBC, já em 2004 havia preocupações que um incêndio pudesse deflagrar e consumir o edifício. Relatórios da Biblioteca do Museu e alertas do próprio diretor do Museu já davam conta da degradação e dos graves problemas de manutenção.

“O museu vai incendiar-se. São fios elétricos expostos, mal conservados, alas com infiltrações, uma situação de total irresponsabilidade com o património histórico”, foi assim que, em 2004, o então secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo do Rio de Janeiro, Wagner Victer, atual secretário estadual de Educação, descreveu a situação do Museu Nacional, após uma visita ao local.

Por essa altura, em entrevista à Agência Brasil, Wagner Victer apontou a precariedade das instalações e falta de um sistema de combate a incêndio. À BBC explicou depois que, como engenheiro, ficou “horrorizado” com o que viu e, por isso, resolveu falar dos problemas que observou em público.

As causas do incêndio ainda não estão apuradas, mas a degradação e decadência do prédio podem ter contribuído para a rápida propagação das chamas. A reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) solicitou nesta segunda-feira apoio à Polícia Federal para realização de perícias que permitam apurar as causas do incêndio que destruiu o Museu Nacional, pedindo ainda ao governo apoio financeiro.

“A cultura e o património científico do Brasil e do mundo sofreram uma perda inestimável com o incêndio ocorrido no Museu Nacional da UFRJ”, pode ler-se em comunicado divulgado pela reitoria da Universidade Federal, que tutela o museu.

Há décadas que as universidades federais do país vêm denunciando o tratamento conferido ao património das instituições universitárias brasileiras e a falta de financiamento adequado, em especial nos últimos quatro anos, quando as universidades federais sofreram drástica redução orçamentária”.

No que diz respeito ao incêndio que deflagrou no domingo à noite e destruiu grande parte do acervo do Museu Nacional, fundado há 200 anos por João VI, “será necessário averiguar as causas e o motivo da rápida propagação das chamas”, pelo que a reitoria “solicitou apoio pericial à Polícia Federal e a especialistas da UFRJ, almejando um processo rigoroso de apuração das causas”.

Para a Universidade Federal, o momento atual “deve ser um alerta para as forças democráticas do país, no sentido de preservação do património cultural da nação”, lembrando que “o inadmissível acontecimento” que afetou o Museu Nacional da UFRJ tem causas nitidamente identificáveis“.

“Trata-se de um projeto de país que reduz às cinzas a nossa memória”, sustentam.

Verbas tardaram a chegar

Recentemente, o Museu Nacional da UFRJ tinha recebido um financiamento de mais de 21,7 milhões de reais (4,5 milhões de euros) do Banco Nacional para o Desenvolvimento Social e Económico – banco público, associado ao Governo – para “restaurar o edifício histórico” e “garantir uma maior segurança das coleções”, relata o El País.

De acordo com o jornal, umas das principais medidas passaria por reforçar o sistema de controle e combate de incêndios no entanto, as verbas tardaram a chegar e as chamas acabaram por consumir totalmente o edifício.

O orçamento anual do museu ronda os 550 mil reais (114 mil euros), mas a UFRJ, há muito afetada por cortes, tem passado apenas 60% desse valor à instituição. Este ano, o museu terá recebido até agora pouco mais de 80 mil reais (cerca de 17 mil euros).

Vestidos de negro, os brasileiros protestam

Ainda durante o dia de ontem, várias centenas de manifestantes protestaram, alguns atirando pedras, contra a incúria dos poderes públicos, após o incêndio que destruiu esta madrugada o Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Cerca de 500 estudantes e investigadores ligados ao museu, a maioria dos quais vestidos de negro, concentraram-se em frente aos escombros ainda fumegantes do edifício para “abraçar” o antigo palácio imperial do século XIX.

Antes, manifestantes lançaram pedras aos polícias e forçaram a entrada do recinto do Museu, gritando “Fora Temer!”, dirigindo-se ao Presidente brasileiro.

“Não basta chorar. É preciso que a população se indigne. Uma parte desta tragédia poderia ter sido evitada”, declarou Alexandre Keller, diretor do museu.

“O Governo deve ajudar o museu a reconstruir a sua história”, acrescentou, apontando o dedo à falta de fundos destinados à conservação do museu, devido a cortes orçamentais.

Michel Temer, anunciou, a criação de um fundo financiado por um grupo de empresas públicas e privadas para permitir “a reconstrução do museu o mais brevemente possível”.

Houve quem se arriscasse em nome da História

Poucas horas após o início do incêndio, alguns funcionários, professores e técnicos correram para o edifício, entrando pelas salas escuras e ainda esfumaçadas, na tentativa de resgatar algum património antes mesmo que o fogo avançasse.

O professor Paulo Buckup, juntamente com outros colegas, arrombaram portas e gabinetes, tentando salvar o maior número de gavetas com espécimes de moluscos – uma pequena parcela do inventário de dezenas de milhares exemplares.

“Esses exemplares foram usados nas descrições originais de espécies da fauna sul-americana de moluscos, tanto marinhos quanto de água doce. Esse material é único porque é a base para conhecer as espécies descritas ao longo do último século. Sem isso, perdemos esse registo”, afirma Buckup.

O professor calcula que tenham conseguido salvar “alguns milhares” de espécimes de moluscos – uma quantidade “ínfima” tendo em conta a escala da coleção. “Foram perdidas não sei quantas dezenas de milhares de insetos, como, por exemplo, todo o material de aranha e de crustáceos”, afirma.

Considerado o maior museu de História Natural da América Latina, o Museu Nacional, que celebrou em junho o seu bicentenário, albergava cerca de 20 milhões de peças de valor incalculável e uma biblioteca de mais de 530.000 títulos.

Entre as peças inestimáveis transformadas em cinzas, está uma coleção egípcia, uma outra de arte e de artefactos greco-romanos, coleções de paleontologia — que incluíam o esqueleto de um dinossauro encontrado na região de Minas Gerais, no Brasil, bem como o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, “Luzia”.

Um dos únicos vestígios preservados foi o enorme meteorito com mais de cinco toneladas, que continua em frente à entrada do Museu, agora sozinho no meio de cinzas e paredes calcinadas.

Tomaz Silva / ABr

Meteorito na entrada do Museu Nacional do Brasil

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