Que impacto pode ter uma adesão da Turquia aos BRICS?

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Kremlin / Wikimedia

Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia

Sendo membro da NATO, a Turquia surge numa posição única no panorama global dada a sua proximidade alguns inimigos do Ocidente, nomeadamente a Rússia. A adesão aos BRICS pode fortalecer esta ambiguidade diplomática.

A Turquia tem tendência para seguir o seu próprio ritmo nos assuntos internacionais.

Veja-se a votação das Nações Unidas em 14 de dezembro de 2022, quando a Assembleia Geral do organismo aprovou uma resolução a favor de uma Nova Ordem Económica Internacional. Cerca de 123 Estados membros – em grande parte os países de África, Ásia e América Latina – votaram a favor; apenas 50 votaram contra. A Turquia foi a única abstenção – emblemática da política externa de um país que atravessa a divisão entre a Europa e a Ásia, o Leste e o Oeste, o Norte e o Sul.

Basta pensar na mais recente expansão da aliança militar da NATO: A Turquia manteve a sua oposição à entrada da Suécia durante quase dois anos, para grande desgosto dos seus membros.

Foi, no entanto, um momento notável quando a Turquia anunciou formalmente, em setembro de 2024, que estava a solicitar a adesão ao grupo BRICS Plus – a primeira vez que um país membro da NATO solicitou a adesão a um clube nascido em 2006 da insatisfação com os mecanismos de governação global dominados pelo Ocidente e que, desde então, se expandiu a partir do seu alinhamento original de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Sendo a NATO o baluarte da aliança ocidental e os BRICS vistos como um dos principais desafiantes dessa ordem estabelecida, esta não é uma questão menor – especialmente num ano em que os BRICS são presididos pela Rússia, atualmente em guerra com a Ucrânia, e numa altura em que os membros da NATO se esforçam por apoiar a Ucrânia de todas as formas possíveis.

A medida de Ancara, com a qual os Estados Unidos já decidiram conviver, sugere que a Turquia está cada vez mais receosa de atingir os seus objetivos de política externa principalmente através das instituições do Ocidente.

Entre dois mundos?

O interesse da Turquia em aderir aos BRICS não surge do nada. Já em 2018, depois de ter sido convidada a participar na cimeira anual dos BRICS desse ano, a Turquia tinha estado a brincar com a ideia de o fazer. Olhando para trás, era apenas uma questão de tempo para que a adesão plena acontecesse.

Situada entre os continentes europeu e asiático, a Turquia há muito que se sente atraída pela União Europeia, o maior mercado único do mundo e uma instituição ocidental fundamental, e fez várias tentativas para aderir ao organismo durante os 21 anos de governo do Presidente Recep Tayyip Erdogan. No entanto, a UE tem-se mostrado inflexível, afirmando que não está preparada para o aceitar como membro de pleno direito.

Acordos comerciais? Sim. Cooperação militar através da NATO? Não há problema. Mas ser membro de pleno direito, com direito a voto na Comissão Europeia, no Conselho Europeu e no Parlamento Europeu? Não, ainda não.

Com uma população de mais de 85 milhões de habitantes, a Turquia seria o maior país da UE se aderisse – ultrapassando a Alemanha, com cerca de 84 milhões – e desempenharia assim um papel fundamental na sua governação e liderança.

No entanto, no meio de uma vaga de migração árabe e africana para a Europa – e de um concomitante aumento do sentimento anti-imigração e anti-muçulmano – a aceitação europeia de uma nação não branca e de maioria muçulmana no seu seio parece menos provável do que nunca.

Como ficou patente nas reações contrastantes à guerra na Ucrânia e à guerra em Gaza, muitos europeus passaram a definir o continente como “branco e cristão”. Vêem a Europa como cercada pelo resto do que consideram ser um mundo incivilizado.

Esta noção foi reforçada pela ascensão da extrema-direita nas recentes eleições europeias e reflete-se mesmo em alguma da retórica dos responsáveis políticos em Bruxelas. O Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, por exemplo, afirmou num discurso proferido em 2022 perante jovens diplomatas europeus: “A Europa é um jardim. Construímos um jardim, onde tudo funciona”, mas ‘a maior parte do resto do mundo é uma selva, e a selva pode invadir o jardim’. Foi um comentário pelo qual pediu desculpa mais tarde.

Olhar para além do Ocidente

Para além de enfrentar a frieza da UE, a Turquia também parece sentir-se prejudicada pela ordem mundial dominada pelo Ocidente. O governo de Erdogan culpa o Ocidente, e especialmente os EUA, por travar o crescimento do seu setor da defesa e da sua indústria em geral, e por não permitir que o país ocupe o lugar que merece nos assuntos mundiais como uma potência média em ascensão.

Por exemplo, a aquisição pela Turquia, em 2019, do sistema de defesa antimíssil russo S-400 levou a uma prolongada disputa com os EUA, que impediram a Turquia de adquirir caças F-35 como resultado. E Washington só relutantemente deu luz verde à compra pela Turquia de 40 caças F-16 no início deste ano, uma transação que encontrou uma oposição significativa no Senado dos EUA.

Para além dos diferendos com entidades ocidentais de vários tipos, a Turquia também se queixa da atual ordem mundial. Para Erdogan, a composição do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dos seus cinco membros permanentes com direito de veto – os EUA, o Reino Unido, a França, a China e a Rússia – é algo que, na sua opinião, não reflete as realidades geopolíticas do século XXI.

É certo que a Turquia concluiu que vai manter-se na NATO e continuar a fazer grande parte do seu comércio externo com a Europa, onde estão os seus principais mercados de exportação. Mas, na sequência daquilo a que alguns chamam o século asiático, a Turquia vê o mundo a evoluir numa direção diferente.

A adesão aos BRICS abriria assim novas oportunidades, tanto a nível económico como diplomático. De facto, essa adesão colocaria a Turquia numa posição-chave como ponte diplomática entre o Oriente e o Ocidente, bem como entre o Norte e o Sul, com um pé em cada um destes campos, reforçando simultaneamente a sua posição em todos eles.

“A Turquia pode tornar-se um país forte, próspero, prestigiado e eficaz se melhorar simultaneamente as suas relações com o Leste e o Oeste”, declarou Erdogan no início de setembro. “Qualquer outro método que não seja este não beneficiará a Turquia, antes a prejudicará.”

A evolução dos BRICS

Os BRICS percorreram um longo caminho desde os dias da sua fundação em 2006, quando muitos comentadores nos meios de comunicação ocidentais rejeitaram a organização como uma entidade que falava bem mas não fazia muito.

Atualmente, tem o seu próprio banco, o Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai, com uma dotação inicial de capital de 50 mil milhões de dólares, e cujo desempenho na sua primeira década de existência foi bem avaliado pelas agências de crédito e pela imprensa. Os BRICS têm também um Acordo Contingente de Reservas para proteger os Estados membros contra as pressões globais de liquidez.

Dos quatro membros iniciais – Brasil, Rússia, Índia e China – aos quais se juntou a África do Sul em 2010, o grupo conta atualmente com nove membros. O Egito, a Etiópia, o Irão e os Emirados Árabes Unidos aderiram em 2024, enquanto a Arábia Saudita ponderou aceitar o convite que lhe foi feito na cimeira dos BRICS realizada em Joanesburgo em agosto de 2023. Atualmente designado por “BRICS Plus”, o grupo representa 46% da população mundial, 29% do PIB mundial, 43% da produção de petróleo e 25% das exportações mundiais.

As economias dos BRICS complementam claramente as da Turquia. Metade das importações de gás natural da Turquia provêm da Rússia, e a iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota” visa ligar a região de crescimento mais rápido do mundo, a Ásia Oriental, ao maior mercado único do mundo, a Europa, com a Turquia posicionada como um centro de distribuição fundamental para o Médio Oriente, África e Ásia Central.

Uma plataforma maior

Por último, e talvez o mais importante, o grupo BRICS proporcionaria à Turquia uma plataforma diplomática mais alargada a partir da qual poderia apresentar as suas exigências e exercer a sua influência. Este facto não deve surpreender um país que, tal como muitos outros do Sul Global, acredita ter sido maltratado pelo Ocidente e está ansioso por reformar a ordem existente.

Kishore Mahbubani, diplomata de Singapura, afirmou que o século asiático começou a 13 de março de 2015 – o dia em que um governo conservador do Reino Unido pediu para aderir ao Banco Asiático de Investimento e Infra-estruturas, com sede em Pequim, desafiando a vontade expressa de Washington.

Pode dizer-se que foi virada uma página na transição para um mundo menos ocidental quando o primeiro membro da NATO, neste caso a Turquia, se candidatou a integrar os BRICS.

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