Igreja Católica sob fogo. Bispo desmente cardeal-patriarca (e já se pede o fim do “regime fiscal paradisíaco”)

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A montanha pariu um rato. Esta é a sensação que fica com as recentes posições da Igreja Católica sobre as conclusões da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja. E já há quem peça a revisão da Concordata, nomeadamente para acabar com o “regime fiscal paradisíaco”.

O Estado tem de entrar na “coutada” da Igreja, nomeadamente para “zelar pelo fim de espaços fechados perigosos para as crianças” e para “investigar penalmente os abusadores individuais e a Igreja colectivamente”. É a deputada do PS, Isabel Moreira, quem o defende num artigo de opinião no Expresso.

A socialista fala de uma “miséria moral que pede Estado” e diz que “é tempo de dizer basta a esta Igreja infame, perigosa e insistente numa moral sexual perversa”. Assim, defende que a “Concordata tem de ser revista”.

A Concordata é um documento assinado entre o Estado português e a Santa Sé que reconhece “a personalidade jurídica da Igreja Católica e vários direitos”, nomeadamente os de “culto, magistério e ministério”. Além disso, reconhece “a jurisdição da Igreja em matéria eclesiástica” e concede-lhe “um regime fiscal especial”.

No artigo 5, o documento nota que “os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério”.

Ora, para Isabel Moreira, “as autoridades devem poder perguntar aos eclesiásticos sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério”. “Os direitos das crianças são direitos humanos e o Estado de Direito tem de cuidar deles, não permitindo coutadas de privilégio“, aponta.

Além disso, a deputada nota que é preciso “acabar com a isenção de fiscalização, pelo Estado, do regime interno dos estabelecimentos de formação e cultura eclesiástica”.

“A Igreja (e já agora a Universidade Católica) não podem continuar a beneficiar do regime fiscal paradisíaco previsto na lei“, aponta ainda, criticando as posições oficiais de recusa em afastar os padres identificados como abusadores a em pagar indemnizações às vítimas.

Bispo auxiliar de Braga desmente o cardeal-patriarca

Entretanto, o bispo-auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, e o reitor do seminário maior de Coimbra, o padre Nuno Santos, desmentem as palavras do cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que afirmou que só a Santa Sé pode suspender um padre suspeito.

Os bispos podem fazê-lo e são até “aconselhados” a usar esse poder “no próprio manual de instruções que o Vaticano divulgou em 2020” para ajudar a lidar com a temática dos abusos sexuais, conta ao Público o padre Nuno Santos.

“A suspensão de um padre, quando há dados comprovados, cabe ao bispo, aliás, há vários colegas que estão suspensos por coisas comparativamente menores“, aponta ainda Nuno Santos.

D. Nuno Almeida, concorda, notando que a suspensão pode “incluir o afastamento ou a proibição de exercício do ministério, mesmo enquanto decorre a investigação prévia”. “Não é uma pena, pois as penas só se impõem no final de um processo penal, mas um acto administrativo“, aponta o bispo-auxiliar de Braga citado pelo Público.

Daniel Sampaio desmente D. José Ornelas

Também o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, é alvo de um desmentido público depois de ter dito que a Igreja não podia afastar padres suspeitos de abuso porque só tinha uma “lista de nomes” recolhida pela Comissão de Investigação.

Tirar um padre do ministério é uma coisa grave, enquanto não for minimamente provado, a pessoa mantém a sua credibilidade”, apontou Ornelas.

Mas o psiquiatra Daniel Sampaio que integrou a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, assegura que não é apenas isso.

“Não é verdade que é só uma lista de nomes”, aponta, realçando que essa lista “foi obtida a partir das denúncias de vítimas – em que a vítima X diz que foi abusada pelo padre Y – e da investigação resultante do Grupo de Investigação Histórica junto dos arquivos”. “A lista que foi entregue resulta da junção destas duas”, esclarece.

Houve um trabalho realizado ao longo ao último ano em todas as dioceses com os bispos e “cada nome é do conhecimento das dioceses”, sustenta ainda o psiquiatra em declarações à Lusa.

Quando a Igreja diz que “não tem dados não é verdade”, afirma ainda Daniel Sampaio.

Movimento “Nós Somos Igreja” pede suspensão preventiva dos suspeitos

O Movimento “Nós Somos Igreja” diz que é “absolutamente fundamental” a suspensão preventiva de sacerdotes suspeitos em casos de abusos sexuais de menores, considerando que o clero não pode estar acima da lei civil portuguesa.

Não pode haver diferenças entre um padre e um treinador, só para dar um exemplo”, refere à agência Lusa Maria João Sande Lemos, em representação do movimento.

Este movimento lança três propostas concretas aos bispos portugueses numa carta aberta à Conferência Episcopal. Neste documento, intitulado “Carta aos bispos da Igreja em Portugal sobre as mudanças que todos necessitamos de fazer”, nota-se que é um momento de “tristeza imensa” e de “enorme revolta contra os abusos praticados e contra o seu encobrimento”.

Assim, defende a criação imediata de mecanismos de apoio às vítimas e de uma nova comissão independente, à semelhança da anterior, que prossiga o trabalho, continue a receber denúncias de abusos e a acompanhar casos, composta por pessoas “de reconhecida competência, corajosas, íntegras, com capacidade de liderança e maioritariamente externas à Igreja, especialmente capazes no âmbito das ciências sociais, para dar sequência ao processo”.

O movimento propõe também que, a curto prazo (até 60 dias), a actividade das comissões diocesanas sobre abusos seja recentrada exclusivamente na prevenção primária e formação, de acordo com um mandato claro e com um programa discernido construído por “pessoas devidamente habilitadas” e que os bispos encobridores, “a existirem”, se retirem de funções.

Outra medida passa pela suspensão preventiva de “todos os abusadores que estejam actualmente ao serviço da Igreja”, sempre que haja indícios “minimamente credíveis” sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial.

“Este é o tempo do reconhecimento de uma ineludível culpa intensa e, por isso, o tempo de pedir perdão às vítimas, cujas vidas foram danificadas por atos e omissões”, lê-se ainda no documento que fala do “tempo da nossa grande vergonha” e da “expiação do grande pecado organizado”.

ZAP // Lusa

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12 Comments

  1. Finalmente as pessoas estão a acordar com o que se passa à décadas.

    E a “monarquia” vulgo Igreja continua…

    Padre, Bispo, ou qualquer outro “´título” é-me indiferente: são todos humanos! Por conseguinte, remover os previlégios é essêncial! (Ainda que a separação da Igreja e Estado deva continnuar)

    Como Católico noto a incoerência e a insensibilidade da Igreja, o que é vergonhoso e “criminal”. Como podem “apregoar” uma moral e depois procederem de outra forma: dois pesos, duas medidas? Sejam coerentes, e de uma vez por todas “limpem” as “ervas daninhas” que continuam a “dominar” o “antro” eclesiastico, vulgo “monarquia.” Amen.

  2. Este Cristianismo atual já era…

    A transcrição da bíblia atual foi toda alterada a favor desta instituição para dominar e manipular os povos.

    Está a chegar ao fim, finalmente.

    Tudo vai acontecer em breve, a igreja cristã já era.

    Mantenham a v. fé mas não sigam estas religiões

    • Têm isenções fiscais e são os maiores prevaricadores. Dizem que são humanos, como nós, então respondam criminalmente e indemnizem como nós. Não têm imunidade, ou têm?

  3. A igreja decide o que é da igreja, o tribunal decide o que é civil. Aqui, além dos pedófilos cometerem um pecado capital “luxuria” em que Deus é que lhe dará a sentença final, a igreja, como representantes de Deus e exemplo deveriam, pelo menos tira-los de funções a fim de dar alguma credibilidade aos fiéis.
    Isto sem falar que, eles devem responder em tribunal, não estão imunes, e serem obrigados a pagar uma indeminização às vítimas, como nos outros países. As pessoas só sentem quando lhes entra no bolso. Se tiverem de ir presos que sejam, não dizem que são pessoas como qualquer um de nós? Então que respondam como qualquer um de nós.

  4. A ICAR com todos os seus privilégios não passa de uma coutada de onde impera a perversidade.
    Quem foi denunciado e se prove a sua culpa , tem que ser afastado do convívio das pessoas mentalmente sadias.

  5. Pior que a Igreja só mesmo a justiça, para calar, apagar um crime gravíssimo ocorrido dentro de um tribunal, cometeram um possível homicídio de um prestigiado advogado da praça do Porto, conhecimento do MP, e do Procurador Geral Distrital.

  6. Embora o escândalo tenha rebentado só agora, discordo plenamente em que estas classes (sem vergonha), possam ser isentos de pagamento de impostos? O que é que estes seres são a mais que eu ou qualquer contribuinte comum? Não recebem ordenado? Porque não pagam também os impostos que são devidos? Onde está o direito à igualdade referido no Art.º 13.º /1, do CRP?
    Isto não deve ser só para o clero. Temos outras classes que se dizem de cariz religioso, que não passam de verdadeiras máquinas de enganar os mais débeis. Acho que, quanto à minha forma de pensar, nenhum organismo que se diz religioso, deverá ficar isento de qualquer pagamento de impostos. Todos são iguais perante a lei e conforme refere a C.R.P. (Constituição da República Portuguesa).

  7. “(e já se pede o fim do “regime fiscal paradisíaco”)”. Pois, e ninguém pede o Estado laico como está na constituição? E ninguém pede que se acabe com os feriados católicos?

    E estou a vontade em o dizer sendo ateu.

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