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Historiador Fernando Rosas descobre 70 portugueses nos campos de concentração

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SebaSimon / Flickr

Prisioneiros no campo de Auschwitz

Prisioneiros no campo de Auschwitz

Pelo menos 70 portugueses estiveram nos campos de concentração e 300 foram sujeitos ao trabalho forçado durante a II Guerra Mundial, disse à Lusa o historiador Fernando Rosas, que lidera a investigação sobre um assunto inédito e desconhecido.

“Há portugueses que se encontram nos campos de concentração nazis, mas que estão nos campos por razões que se desconhecem. Pode ser por serem associais. Há certas categorias cuja punição era o campo de concentração”, referiu à agência Lusa Fernando Rosas, acrescentado que foram já detectados pelo menos 70 portugueses nos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau durante a Segunda Guerra Mundial.

“Nós detectámos, por exemplo, um português de Cascais que é preso em Marselha e enviado para Auschwitz. Porque é que está em Auschwitz? Não é por ser emigrante, porque, quando muito, era obrigado ao trabalho forçado, mas não estaria num campo de concentração. Ou era resistente ou fazia parte daquelas categorias de associais e que eram mandados para os campos”, explicou Fernando Rosas.

O historiador e ex-dirigente do Bloco de Esquerda lidera um projecto de investigação realizado no âmbito do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que envolve vários investigadores especializados nas relações luso-alemãs durante a II Guerra Mundial.

RTP / Flickr

O historiador Fernando Rosas

O historiador Fernando Rosas

“Obtivemos a primeira notícia através das informações que existem nos campos de concentração de que há vários portugueses mortos e o nosso projecto começou por aqui. Depois surgiu-nos a possibilidade de concorrer a um financiamento de uma instituição alemã que está interessada em financiar as investigações sobre o trabalho forçado na Alemanha”, acrescentou Fernando Rosas.

O trabalho forçado pelo III Reich era feito por pessoas que se encontravam nos campos de concentração ou por contratados ou simplesmente enviados pelos países ocupados e, por isso, a equipa de historiadores alargou o âmbito da investigação.

Dois tipos de trabalhadores forçados

“Chegamos à conclusão de que há dois tipos de trabalhadores forçados: aqueles que se encontravam nos campos e que, portanto, são escravos, e temos a presunção de que há portugueses nesta situação. São os escravos que trabalhavam para empresas como a IG Faber, por exemplo, em Auschwitz e Birkenau, e vamos à procura deles”, afirmou Rosas, que vai concorrer a financiamento por parte de uma fundação alemã, visto não ter conseguido apoio por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia portuguesa.

Para o estudo do trabalho forçado, os historiadores investigam pelo menos duas vias, a primeira através da emigração, porque, segundo Fernando Rosas, “há muita gente emigrada (portugueses) já nessa altura, e muito mais do que se pensa, em França e na Bélgica“.

Quando o governo de Vichy (governo colaboracionista francês durante a ocupação nazi, entre 1940 e 1944) é obrigado, a partir de 1942, a trocar prisioneiros de guerra franceses por trabalhadores usando sobretudo emigrantes como moeda de troca.

Segundo Fernando Rosas, há várias dezenas de trabalhadores portugueses emigrados que são enviados pelas autoridades colaboracionistas para solo alemão.

Envolvimento do Estado

Para o historiador, é preciso também estudar o eventual envolvimento do Estado português em todo o processo e tentar saber até que medida houve ou não recrutamento de trabalho forçado em solo de Portugal, tal como aconteceu em Espanha.

“Na Alemanha estão dois tipos de circunstâncias. Uns foram parar aos campos de concentração porque já eram refugiados da Guerra Civil de Espanha e há também os emigrantes que são arrebanhados pelo nazis — quer por contratação directa, quer por troca efectuada pelo Governo francês sempre que se procedia ao regresso de prisioneiros”, explicou Fernando Rosas.

Uma parte desses portugueses são republicanos que combateram na Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e que se encontravam internados nos campos de refugiados no sul de França após a vitória das forças nacionalistas de Francisco Franco e levados para os campos de concentração nazis já durante a II Guerra Mundial (1939-1945).

Alguns escaparam dos campos de refugiados franceses e quando a França foi ocupada pelos nazis juntam-se à Resistência francesa e mais tarde foram “presos como resistentes vão para Auschwitz e Birkenau”, relatou Fernando Rosas.

A existência de portugueses nos campos de extermínio nazis é um assunto até ao momento inédito e nunca estudado, assim como a presença de trabalhadores portugueses como escravos em fábricas na Alemanha, tendo sido referido hoje pela primeira vez pela revista Visão.

“Há uma série de organismos que se dedicaram à estatística dos presos dos vários países e ao trabalho forçado e nós já temos um número sobre esta situação e descobrimos há pouco tempo uma fonte que nos revelou, através de uma instituição na Alemanha que indemniza aqueles que foram obrigados a trabalhar no país, e detectamos que há mais de trinta pedidos de indemnização de portugueses e vamos agora investigar junto dos familiares”, concluiu.

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Prisioneiros no campo de Auschwitz

Prisioneiros no campo de Auschwitz

Investigação foi financiada pela Alemanha

Os historiadores portugueses viram rejeitado apoio do Estado na investigação que detectou 70 portugueses mortos em campos de concentração nazis.

Para conseguir o financiamento, o historiador Fernando Rosas, que lidera a equipa do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa que está a fazer a investigação sobre a morte dos portugueses, foi obrigado a ampliar o âmbito da investigação à temática do trabalho forçado na Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial (1939-1945) onde já descobriram pelo menos 300 portugueses.

“Nós vamos agora entregar a documentação para um concurso porque precisamos de financiamento para investigarmos. A Fundação para a Ciência e Tecnologia não financiou este projecto e, portanto, estamos a concorrer junto de uma instituição alemã que nos pediu que concorrêssemos. Uma fundação especializada sobre a investigação acerca do trabalho forçado na Alemanha (durante a II Guerra Mundial), que quando soube do nosso trabalho sobre os portugueses – assunto que eles também desconhecem – pediu para nós concorrermos”, relatou à agência Lusa o historiador Fernando Rosas.

Para o historiador, a descoberta inédita sobre a presença de prisioneiros portugueses nos campos de extermínio nazis deve fazer com que o Estado português assinale a circunstância, tal como os restantes países.

“Em todos os campos há pequenos monumentos de Estado aos seus nacionais que foram lá mortos e na contabilidade que já fizemos sobre portugueses há pelo menos uns 70 portugueses que morrem nos campos de concentração e nem se sabe que eles lá morreram e mesmo essa justiça memorial devia fazer-se”, sublinhou Fernando Rosas.

/Lusa

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