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Há um país a viver um “boom” industrial (e a ameaçar a supremacia da China)

Romer Jacinto / Flickr

Há cada mais grandes empresas que optaram pelo “nearshoring”, expressão em inglês usada para se referir à estratégia das empresas de levar a produção para mais perto dos mercados onde os produtos serão vendidos.

Se décadas atrás a tendência era do “offshoring” (levar fábricas para países distantes, em especial a China, para reduzir custos), agora a tendência é concentrar as unidades mais perto das regiões consumidoras.

Nesse caso, as empresas globais – e principalmente as asiáticas – têm buscado uma melhor porta de entrada para o maior mercado do mundo: os Estados Unidos.

E a chave dessa porta está nas mãos do México.

“A grande maioria das empresas está a adicionar novas linhas de produção no México para diversificar a sua produção fora da Ásia”, diz Carlos Capistran, economista do Bank of America.

A produção industrial no norte e centro do país cresceu, o emprego nessas regiões está bem acima dos níveis pré-pandemia e os salários também estão a subir. Porém, há escassez de espaço para instalar as novas fábricas em alguns centros industriais do México.

Parques industriais

O crescimento da indústria é confirmado pela Associação Mexicana de Parques Industriais Privados (AMPIP).

“Há mais interesse de empresas estrangeiras que querem vir para o México, principalmente asiáticas”, diz Claudia Esteves, diretora-executiva da entidade. “Há pouco espaço disponível para alugar nos parques industriais.”

Segundo dados da entidade sindical, somente no ano passado foi iniciada a construção de 47 novos parques industriais no país.

Estimativas apontam que o nearshoring vai gerar aproximadamente 30 mil milhões de  dólares para economia em 2022. “Os espaços industriais estão a ser alugados ainda durante a construção. Isto nunca aconteceu antes”, diz Pablo Monsivais, analista do banco Barclays.

O Ministério da Economia informou recentemente que em 2022 o investimento estrangeiro direto no México cresceu 12% em relação ao ano anterior. “Isto mostra que o nearshoring é uma realidade”, acrescenta Monsivais.

Em 2022, a liderança dos investimentos estrangeiros foi assumida pelas indústrias de automóveis e camiões, componentes eletrónicos e autopeças.

Por que é que as empresas estão a ir para o México?

O México tornou-se mais atraente para instalar fábricas da Ásia devido à sua proximidade geográfica com os Estados Unidos, ao custo da mão de obra, à guerra comercial entre Washington e Pequim e às vantagens do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (T-MEC), que entrou em vigor em 2020.

Quando o ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs tarifas de até 25% sobre as importações da China em 2018, muitas empresas procuraram maneiras de substituir o “made in China” pelo “made in Mexico”.

O T-MEC, por sua vez, facilitou o escoamento de produtos entre México, Canadá e Estados Unidos quando as cadeias de abastecimento foram interrompidas pela pandemia, gerando um aumento gigantesco no custo dos transportes marítimos e no tempo de espera para receber os produtos da China.

Enquanto isso, a Casa Branca declarou em 2021 como “prioridade de segurança nacional” garantir a disponibilidade de produtos estratégicos e a resiliência geral de sua cadeia de suprimentos, outro ponto a favor do México.

A todo este panorama somou-se, em fevereiro de 2022, a invasão da Rússia à Ucrânia, conflito que revelou o perigo de se depender de fornecedores de energia que podem usar o comércio como arma política.

As empresas que fabricam nos Estados Unidos, por sua vez, têm enfrentado escassez de trabalhadores. Já no México há mão de obra abundante e de baixo custo em comparação com os salários pagos no mercado de trabalho americano.

Os efeitos do nearshoring

Até agora, o governo mexicano não tem um levantamento sobre a magnitude e os efeitos do nearshoring no país.

Não há dados oficiais sobre o valor do investimento, nem o número de empresas que chegaram ao país, nem o impacto que o movimento teve na economia ou na criação de empregos.

Sabe-se que o governo teria uma lista de empresas com planos de realocar sua produção para o México.

Em janeiro, os governos do México, Canadá e Estados Unidos declararam durante a Cúpula de Líderes da América do Norte a sua intenção de coordenar os investimentos no fabrico de semicondutores, uma questão-chave na agenda do presidente dos EUA, Joe Biden.

Obstáculos no México

Tanto para as grandes quanto para as médias empresas, um dos maiores obstáculos para a instalação de fábricas no México é a falta de energia para garantir as suas operações.

Enquanto o país não garantir serviços básicos às empresas intensivas no consumo de energia, os investimentos demorarão mais para se concretizar.

“O aumento da capacidade de geração de eletricidade e a modernização da infraestrutura de transmissão e distribuição são apenas os primeiros passos para tornar o México um destinatário viável desse processo de nearshoring”, disse Diego López, economista do BBVA.

Em algumas áreas há problemas de escassez de água que afetam as comunidades que vivem no entorno dos polos industriais, outro desafio que pode se tornar um grande entrave para o desenvolvimento dos negócios.

“O México é um destino cada vez mais popular para empresas americanas, mas muitos clientes estão preocupados com a questão energética”, diz Jorge González, chefe de Desenvolvimento de Negócios e diretor-executivo da The Nearshore Company, que fica no Texas.

O debate atingiu os mais altos níveis do governo.

Em julho de 2022, os Estados Unidos citaram a Resolução de Disputas do USMCA, argumentando que várias políticas energéticas mexicanas violam o acordo, favorecem empresas públicas do México e afetam negativamente as companhias americanas.

Outro dos desafios que as empresas enfrentam é a questão da segurança, dado o poder das organizações criminosas em determinadas áreas do país.

E, do ponto de vista comercial, também não é fácil para uma empresa obter todas as peças necessárias para fabricar o produto final, o que explica por que muitas empresas continuam a importar peças e componentes da Ásia.

“Os mexicanos não têm feito um bom trabalho no fabrico dos componentes que importam da China, principalmente componentes eletrónicos”, argumenta Harry Moser, presidente da organização Reshoring Initiative, que promove o retorno da indústria para os Estados Unidos.

Apesar das desvantagens, muitos investidores e empresários continuam confiantes de que o nearshoring para o México não será uma tendência passageira.

ZAP // BBC

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