Há milhões de anos um vírus infetou animais. Hoje é essencial no desenvolvimento do embrião

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ZAP // Dall-E-2

O nosso material genético pode ser visto como um cemitério viral. Ao longo de milhares de anos, os nossos antepassados foram infetados com diferentes tipos de vírus, cujo material genético foi integrado no nosso genoma. Mas há um vírus específico cujo papel se tornou essencial para o desenvolvimento do embrião.

Um novo estudo demonstra que este tipo de vírus, apelidado de retrovírus, podem ter um papel essencial no nosso desenvolvimento, poucas horas após a fertilização – altura em que ocorre a transição da pluripotência isto é, quando o ovócito passa de duas para quatro células.

Antes deste evento, cada uma das células do embrião é totipotente, o que se significa que se pode desenvolver dentro do organismo de forma independente. Já as células pluripotentes podem-se diferenciar em células de qualquer tecido especializado do corpo.

Segundo Sergio de la Rosa e Nabil Djouder, autores do estudo, esta descoberta é particularmente relevante no campo da medicina regenerativa e pode vir a ser útil para criar embriões artificiais, uma vez que deslinda uma nova forma de gerar linhas celulares estáveis na fase de totipotência.

O material genético dos chamados “retrovírus endógenos” foi integrado nos genomas de organismos ao longo do tempo e pode estar na base da chamada explosão cambriana, um período que ocorreu há mais de 500 milhões de anos, que impulsionou a biodiversidade existente na Terra.

Na última década descobriu-se que as sequências genéticas dos retrovírus constituem cerca de 8 a 10% do genoma humano.

“Até há pouco tempo estes restos virais eram considerados “DNA lixo”, material genético inutilizável ou mesmo prejudicial”, explica De la Rosa.

“Intuitivamente, pensava-se que ter um vírus no genoma poderia não ser bom. No entanto, nos últimos anos começamos a perceber que estes retrovírus, que evoluíram connosco ao longo de milhões de anos, desenvolveram funções importantes, como regular outros genes“, acrescenta o investigador.

“Este é um campo de investigação que está muito ativo neste momento”, realça Sergio de la Rosa.

Esta investigação sugere que o retrovírus endógeno MERVL marca o ritmo do desenvolvimento embrionário, especialmente durante a fase específica da transição para a pluripotência.

“É um papel totalmente novo para os retrovírus endógenos”, afirma Djouder. “Descobrimos um novo mecanismo que explica de que forma é que um retrovírus endógeno controla diretamente os fatores da pluripotência”, acrescenta.

Este mecanismo envolve a ação do URI, um importante gene que, quando eliminado em animais de laboratório, não permite o desenvolvimento do embrião. Os investigadores quiseram perceber o porquê e foi aí que descobriram a sua ligação com o retrovírus MERVL.

Os resultados indicam que uma das funções do URI é possibilitar a ação de moléculas essenciais para a plutipotência.

Por outras palavras, se o URI não estiver ativo, os fatores da pluripotência também não estarão e, por conseguinte, o embrião permanece em estado de totipotência. E é uma proteína endógena do retrovírus MERVL, a MERVL-gag, que modula a ação do URI.

Durante a fase de totipotência a expressão da proteína viral MERVL-gag é elevada. Esta proteína liga-se ao gene URI e impede a sua ativação. Quando os níveis de MERVL-gag baixam, o gene URI deixa de ser inativado e entra em ação. É aí que surge a pluripotência.

“É uma transição suave. Quando há uma elevada expressão de proteína viral, há menos fatores de pluripotência. À medida que a expressão dos fatores diminui, o gene URI estabiliza esses fatores”, explica De la Rosa.

Estas descobertas revelam a existência de uma coevolução simbiótica de retrovírus endógenos com as células hospedeiras, de modo a garantir a progressão suave e oportuna do desenvolvimento embrionário inicial.

“A relação entre estas três vias, a proteína viral, o URI e os fatores de pluripotência é modulada para permitir que exista tempo suficiente para o embrião se ajustar e coordenar a transição suave da totipotência para a pluripotência, bem como a especificação da linhagem celular durante o desenvolvimento embrionário”, conclui Djouder.

O estudo foi apresentado num artigo publicado a semana passada na revista Science Advances.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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