Dawid Adam Lurino / PaleoFactory / Sapienza University of Rome

Novas evidências fósseis estão a pôr em causa as teorias de que alguma vez houve extinções em massa na terra – e podem obrigar-nos a reformular a atual crise da biodiversidade.
A extinção em massa do final do Pérmico foi o acontecimento mais mortífero da história da Terra. Pensa-se que quase aniquilou toda a vida na Terra há 252 milhões de anos.
No entanto, no início deste ano, um novo estudo deu-nos a conhecer um antigo ecossistema na China, onde as plantas e os animais prosperaram apenas 75.000 anos mais tarde (um piscar de olhos geológico).
O paleontólogo Hendrik Nowak, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, aponta para o pólen fóssil de outros locais que também sugerem “pouca ou apenas uma curta perturbação” do evento do final do Pérmico. À New Scientist, Nowak argumenta que o impacto foi tão mínimo que (pelo menos no que diz respeito às plantas) não houve qualquer extinção em massa nessa altura.
Esta conclusão é controversa. No entanto, os estudos sobre dois outros grandes grupos de organismos – insetos e animais terrestres com quatro membros – parecem confirmar estas conclusões sobre as plantas.
Nowak não é o único paleontólogo a questionar se o impacto da extinção em massa do final do Pérmico foi tão colossal como se pensava.
Spencer Lucas, do Museu de História Natural e Ciência do Novo México, vai mais longe: suspeita que a vida na terra nunca sofreu uma extinção em massa.
Este repensar revolucionário pode reescrever a história da vida na Terra. Poria em causa a ideia de que os continentes testemunharam cinco extinções em massa – e até tem implicações na forma como enquadramos a atual crise de biodiversidade induzida pelo Homem.
O que é um extinção em massa?
Curiosamente, não existe uma definição exata para o termo “extinção em massa”, mas há um consenso geral de que estes eventos implicam a perda de pelo menos 75% das espécies ao longo de vários milhares de anos a cerca de 2 milhões de anos. Entretanto, as estimativas indicam que, nos últimos 500 anos, menos de 0,1% das espécies conhecidas se extinguiram.
Num artigo publicado em abril, John Wiens da Universidade do Arizona e a sua colega Kristen Saban, da Universidade de Harvard, salientam que estes números sugerem que será muito fácil evitar a sexta extinção em massa.
Poderíamos perder metade das espécies do planeta nos próximos 3000 anos e continuar a dizer: “Sim, conseguimos! Evitámos a sexta extinção em massa”, esclareceu Wiens, à New Scientist.
“Ao visar um objetivo tão facilmente alcançável, corremos o risco de fazer mais mal do que bem. Se quisermos realmente conservar a biodiversidade, devemos procurar evitar que as extinções induzidas pelo homem atinjam 0,2%, e não 75% ou mesmo 50%”, alertou.
Devemos classificar um evento como “extinção em massa” se apenas afetar um conjunto limitado de organismos e tiver pouco impacto noutros grupos importantes? Lucas, por exemplo, acha que não.
“Como é que se criaria uma extinção em massa em terra? Dava-se um pontapé no chão debaixo da pirâmide alimentar e eliminavam-se as plantas. Mas esperem um segundo: as plantas não estão a extinguir-se nestes eventos. Então como é que a comunidade animal entra em colapso?”, questiona.
As vítimas mais famosas de uma extinção em massa são os dinossauros, que se extinguiram há cerca de 66 milhões de anos.
A ideia de que a Terra sofreu cinco extinções em massa surgiu de uma análise de 1982 do registo fóssil marinho.
Dois paleontólogos, David Raup e Jack Sepkoski (entretanto falecidos) acompanharam as mudanças na biodiversidade marinha ao longo dos últimos 500 milhões de anos e notaram que o registo era pontuado por cinco colapsos.
Estas ocorreram no final do período Ordovícico (há 445 milhões de anos), no final do Devónico (há 372 milhões de anos), no final do Permiano (há 252 milhões de anos), no final do Triássico (há 201 milhões de anos) e no final do Cretáceo, sendo este último o período em que a maioria dos dinossauros se extinguiu.
Muitas dívidas se levantam
Num artigo de 2017, Spencer Lucas analisou a alegação de que houve uma extinção em massa de tetrápodes terrestres no final do Pérmico. O cientistas concluiu que houve extinções, mas que desapareceram menos de 20 géneros – o que não constitui prova de uma perda catastrófica de diversidade.
“Não houve uma grande extinção de tetrápodes em terra no final do Pérmico”, concluiu. Desde então, Lucas tem analisado de forma crítica o resto das cinco grandes extinções.
Numa revisão publicada em 2021, o investigadore teoriaza que os tetrápodes terrestres quase não foram afetados por nenhuma delas extinções. “Acho que há muita hipérbole envolvida nisso”, disse.
“É muito importante que os dinossauros não aviários sejam extintos no final do Cretáceo. Dito isto, não creio que se trate realmente de uma extinção em massa”. O autor exemplifica que muitos outros grandes tetrápodes terrestres, incluindo os crocodilianos, sobreviveram. E, claro, sabemos agora que um grupo de dinossauros – as aves – não se extinguiu, tal como os mamíferos.
Caso dos insetos
Lucas não é a única voz a questionar o paradigma das cinco grandes extinções em massa. Vejamos o caso dos insetos, dos quais existem atualmente milhões de espécies.
Em 2021, Sandra Schachat, agora na Universidade do Havaí em Mānoa e Conrad Labandeira no Museu Nacional de História Natural em Washington DC avaliaram o registo fóssil de insetos e concluíram que os pequenos animais parecem nunca ter sofrido uma extinção em massa.
Ainda assim, o estudo admite que a seleção natural pode ter ocorrido de forma excecionalmente rápida, ajudando as espécies de insetos a adaptarem-se a condições que mudam rapidamente. Além disso, perante uma crise aguda, os insetos individuais podem entrar num período de dormência chamado diapausa até que as condições melhorem.
Mais incongruências
O registo fóssil das plantas terrestres também não está de acordo com a narrativa das grandes extinções.
Em 2013, Borja Cascales-Miñana, da Universidade de Lille, em França, e Christopher Cleal, da Universidade de Bristol, analisaram atentamente o registo e concluíram que as extinções em massa de plantas são surpreendentemente raras.
Por exemplo, nenhuma família de plantas vasculares, um grupo que inclui coisas como fetos e coníferas, se extinguiu durante a suposta quinta extinção em massa no final do Cretáceo.
Apenas uma das cinco grandes extinções – a do final do Pérmico – coincidiu com uma extinção em massa de plantas. E, como o estudo deste ano dos fósseis de Taodonggou do Sul deixa claro, agora até isso é questionado.
“É bastante evidente, se olharmos para o registo fóssil de uma perspetiva ampla, que algo aconteceu: a flora terrestre mudou bastante. Por exemplo, as florestas dominadas pelo género Glossopteris desapareceram no final do Pérmico. Mas será que podemos chamar a isso uma extinção em massa?”, questiona Nowak.
A crescente incerteza sobre o que conta como uma extinção em massa tem implicações na forma como pensamos sobre a crise de biodiversidade que se desenrola atualmente devido às atividades humanas.
Muitos investigadores começaram a rotulá-la como a sexta extinção em massa da Terra, mas, para a vida terrestre, pode ser indiscutivelmente a primeira.
De qualquer forma,seja qual for a conclusão dos paleontólogos, isso não altera a necessidade urgente de enfrentar a crise atual.