Guerra Rússia-Ucrânia é conflito raro: há McDonald’s nos dois países

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A ideia defendida por Thomas Friedman cai, apenas pela segunda vez. Recorde a ‘Teoria dos Arcos Dourados da Prevenção de Conflitos’.

A invasão russa à Ucrânia já é vista como o maior conflito na Europa desde a II Guerra Mundial. Há obviamente um conflito à vista, que pode durar muito tempo. E é um conflito raro, noutro contexto: há espaços do McDonald’s nos dois países. Só tinha acontecido uma vez.

Uma das cadeias de restauração mais conhecidas no planeta foi criada em 1940, pelos irmãos Richard e Maurice McDonald. Na famosa Route 66, na zona da Califórnia, apareciam empregados a andar de patins, a entregar o pedido do cliente no carro. Uma inovação.

Mais de 80 anos depois, a McDonald’s está instalada, não só em praticamente todo o lado nos Estados Unidos da América, como também no resto do mundo: tem estabelecimentos em 122 países.

Dois dos países são Rússia e Ucrânia. A primeira abertura de um McDonald’s na Rússia aconteceu em 1990 – sim, ainda enquanto União Soviética, durante a fase final da Guerra Fria…com os EUA. Sete anos depois, os ucranianos assistiram à inauguração do primeiro espaço McDonald’s no, então, recente país.

Por isso, a guerra entre Rússia e Ucrânia envolve, pela segunda vez, dois países que têm McDonald’s no seu território.

O primeiro caso também envolveu a Rússia, dessa vez na guerra de 12 dias com a Geórgia, em 2008.

Até então, Thomas Friedman tinha razão. O famoso escritor, num dos seus artigos de opinião no The New York Times, escreveu, em 1996: “Nunca houve uma guerra entre dois países com McDonald’s”.

O seu livro de 1999, The Lexus and the Olive Tree: Understanding Globalization, explicava a sua ‘Teoria dos Arcos Dourados da Prevenção de Conflitos’: a nova integração económica entre tantos países reduzia a margem para os governos locais, o que tornaria uma guerra praticamente impensável. No fundo, a globalização económica tornaria pouco provável uma guerra.

E há aqui uma relação directa entre a paz, o desenvolvimento económico, e o McDonald’s. Nessa altura, Thomas Friedman entrevistou um líder do McDonald’s, que explicou: a empresa só abria estabelecimentos em países que já tivessem atingido um satisfatório desenvolvimento e nível de riqueza. Só haveria McDonald’s onde a classe média pudesse pagar, sem esforço, o “luxo” de uma refeição no McDonald’s.

Ou seja, não era a empresa fundada pelos irmãos norte-americanos que originava paz nos países onde se instalava; esses países é que, na teoria, muito dificilmente entrariam num conflito armado. E só aí haveria McDonald’s.

“Se um país era rico o suficiente para comprar Big Macs, a sua população teria muito a perder se entrasse numa guerra“, descreveu Stanley Pignal, especialista em economia e finanças.

Mas… Pignal acrescentou: “Isso era no tempo em que pensávamos que sabíamos o fim da História“.

Esta recordação de Stanley Pignal foi escrita nesta quinta-feira, o dia do início da invasão russa à Ucrânia.

A ideia de Friedman surgiu numa época em que queria demonstrar que a expansão do capital global estava a tornar os mercados emergentes cada vez mais atraentes para as empresas multinacionais.

E foi escrita nos anos 90, numa altura em que a Guerra Fria já tinha ficado para trás – Mikhail Gorbatchov até participou num anúncio da Pizza Hut – e depois da primeira Guerra do Golfo (o Iraque só acolheu um McDonald’s em 2006)

Entretanto surgiram conflitos. Mas não directamente entre dois países: envolvia a NATO. O caso do Kosovo (Sérvia) foi um dos mais mediáticos. E, oficialmente, foi um “uso de força”, não uma “guerra”.

A resposta ao 11 de Setembro de 2001 foi um ataque dos EUA ao Afeganistão, que não tinha (nem tem) McDonald’s. A segunda invasão ao Iraque aconteceu em 2003, três anos antes do primeiro estabelecimento McDonald’s naquele país.

Até que, em Agosto de 2008, o conflito russo-georgiano fez cair a teoria de Thomas Friedman. A Geórgia tem McDonald’s desde 1999.

Uma teoria que voltou a cair no dia 24 de Fevereiro de 2022, na Ucrânia.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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