Guerra de poucas semanas já dura há seis meses. “O longo prazo está a favor dos ucranianos”

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Atef Safadi / EPA

O conflito militar na Ucrânia, que era suposto durar dias ou semanas, já se arrasta há meses. Nesta quarta-feira, ocasião em que se assinala meio ano de guerra e se comemora o Dia Nacional da Ucrânia, o quadro é de poucos avanços, o que faz temer um percurso longo.

No discurso de terça-feira à noite, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, mostrou-se preocupado com eventuais “provocações hediondas” e “ataques brutais” por parte da Rússia. “Amanhã é um dia importante para todos nós. E é por isso que esse dia, infelizmente, também é importante para o nosso inimigo”, disse.

Esta quarta-feira, indicou: “durante estes seis meses, mudámos a História, mudámos o mundo e mudámos (…) Agora sabemos com certeza que é mesmo nosso irmão e amigo e quem não sequer é um conhecido. (…) Percebemos quem é quem. E o mundo inteiro aprendeu quem são os ucranianos. O que é a Ucrânia. Ninguém voltará a dizer: [a Ucrânia] fica ali, perto da Rússia”.

“Alguém disse: a Europa já não é um jogador. Fraca, separada, passiva, adormecida. A Ucrânia revigorou o continente inteiro”, defendeu, declarando: “enfrentamos este dia em circunstâncias e condições diferentes e em fusos horários diferentes, mas com um objetivo – a preservação da independência e a vitória da Ucrânia”.

“Vamos lutar pela nossa terra até ao fim. Estamos a aguentar há seis meses. É difícil, mas cerramos os punhos e estamos a lutar pelo nosso destino”, declarou. “Para nós, a Ucrânia é toda a Ucrânia. Todas as 25 regiões, sem concessões ou compromissos”, sublinhou o Presidente ucraniano.

Questionado sobre os seis meses de guerra, Oleksandr Sushko, diretor-executivo da International Renaissance Foundation na Ucrânia (ligada à Open Society), citado pelo Público, respondeu que para sociedade ucraniana, “a liberdade, democracia e independência são essenciais. (…) Recebemos a prova da nossa sustentabilidade como nação, como povo, estamos determinados a defender a liberdade”.

Já a analista Melinda Haring afirmou, num artigo no site do think-tank norte-americano Atlantic Council, que uma das surpresas destes seis meses foi a Ucrânia. “As fracas instituições do Estado ucraniano mostraram-se surpreendentemente duradouras ao longo da guerra”, referiu.

“Isso foi uma surpresa também para mim”, apontou Sushko. “Até os caminhos-de-ferro, quando estavam a ser alvo de mísseis, eram reparados e eram precisas apenas umas horas para voltarem a funcionar”, lembrou.

E acrescentou: “mesmo que o confronto seja muito desproporcional, mesmo que a Rússia seja muito mais poderosa, mesmo que tenha uma vantagem muito significativa de recursos, isso não garantiu ao poder agressor uma vitória”. Na sua opinião, a “Rússia está claramente preparada para uma guerra longa”.

Para o analista Tom Nichols, citado pela Atlantic, “o longo prazo está a favor dos ucranianos, 40 milhões que estão a lutar pela sua existência como nação”.

O conflito está a ser uma corrida entre “a paciência do Ocidente do lado ucraniano versus a terrível taxa de mortos em combate e equipamento perdido da Rússia”, disse o almirante James Savridis, citado no mesmo artigo.

Os russos “querem conquistar território ucraniano, mesmo que tenham de reduzir cidades inteiras a montes de escombros e cadáveres antes de poderem pôr botas neles”, disse Savridis.

Também em entrevista ao Público, Rafael Loss, analista do European Council on Foreign Relations, disse que vai demorar meses até se perceber o rumo da guerra e que o aparente impasse no terreno na Ucrânia não reflete mudanças com o tipo de armas que o Exército ucraniano está a usar.

Segundo o especialista, “parece que a Ucrânia continua preparada para uma ofensiva em larga escala para libertar zonas maiores na região de Kherson, e a Rússia a avançar com esforços para anexar essas áreas, e potencialmente oferecer um cessar-fogo limitado para dar tempo para preparar para uma ofensiva renovada mais tarde este ano, ou já no início do próximo ano”.

“Penso que nada mudou no objetivo estratégico da Rússia, ainda é erradicar a Ucrânia como país, ter um Estado fantoche para o regime russo, mas os objetivos operacionais mostram alguma flexibilidade de modo a serem atingidos de forma mais fácil do que no ataque inicial, em fevereiro e março”, apontou.

Rússia abrandou avanços para evitar morte de civis

A Rússia abrandou “deliberadamente” os avanços na Ucrânia para evitar mais baixas civis, indicou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, durante uma visita à capital do Uzbequistão, Tashkent.

“Durante a operação especial, estamos a cumprir rigorosamente as normas de direitos humanos”, sustentou. “Os ataques são realizados em instalações militares ucranianas por armas de alta precisão, em centros de comando, aeródromos, instalações de armazenamento, áreas fortificadas defensivas e instalações de produção militar. Além disso, estamos a fazer de tudo para evitar baixas civis. Claramente isso diminui a velocidade dos avanços, mas estamos a fazer isso deliberadamente”, explicou.

No entanto, na sua última atualização, o Ministério da Defesa do Reino Unido avançou que, depois de seis meses, Moscovo percebeu que precisava de mais “objetivos modestos”, já que o seu objetivo de “derrubar o governo e ocupar a maior parte do país” falhou.

Salientando que a ofensiva russa no Donbas “está a conseguir progressos mínimos”, graças a um “grande contra-ataque ucraniano” antecipado, sublinhou que os russos estão debilitados pela escassez de munições, veículos e pessoal, com a motivação “fraca” entre as tropas e o exército “significativamente degradado”.

“O seu poder diplomático foi diminuído e suas perspetivas económicas de longo prazo são sombrias. Seis meses depois, a guerra da Rússia provou ser cara e estrategicamente prejudicial”, frisou.

Enquanto isso, o secretário de Estado da Defesa do Reino Unido disse que o mundo ainda está “bastante firme e determinado” no sentido de defender a Ucrânia. Ben Wallace refeiu que não houve “nenhuma hesitação” na capacidade de apoio, ao contrário do que o Presidente russo “adoraria que houvesse”.

“É com isso que ele fantasiava: todos nós a voltarmos para as nossas espreguiçadeiras”, disse o governante, em declarações ao Today, da BBC Radio 4. “Vemo-lo como uma ameaça direta, não apenas à Ucrânia, mas aos nossos valores, e o mundo ainda está bastante firme e determinado em relação a isso”, notou.

Wallace acrescentou que Putin subestimou a resistência da Ucrânia, e foi assim que um “impasse” no conflito foi alcançado. Na mesma entrevista, rejeitou a ideia de uma proibição geral de vistos para russos no Reino Unido, mas insistiu que as condições podem ser endurecidas.

Gomes Cravinho em Kiev

O ministro dos Negócios Estrangeiros português viajou esta quarta-feira para a Ucrânia, no âmbito das comemorações do Dia da Independência daquele país. João Gomes Cravinho irá reunir-se com o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba.

Sobre a data, este último escreveu no Twitter: “O Dia da Independência é o dia da liberdade e da vida para a nossa nação, para o nosso povo. Sem independência, não haveria nada – sabemo-lo demasiado bem por causa da nossa história. Hoje, a vontade do povo ucraniano de lutar pela independência inspira o mundo inteiro. A Ucrânia irá vencer”.

Já o Presidente da Bielorrússia, aliada da Rússia, congratulou a Ucrânia pelo Dia da Independência e desejou “céus pacíficos, tolerância, coragem, força e sucesso na reconstrução de uma vida decente”, noticiou a NEXTA.

Desde o início da invasão, Aleksandr Lukashenko se tem mostrado do lado de Moscovo. Ao longo destes seis meses, têm surgido várias notícias de movimentações militares bielorrussas junto à fronteira ucraniana. Em julho, acusou a Ucrânia de disparar mísseis em direção ao país.

Igualmente no Twitter, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, lembrou o fim da ocupação soviética no país e reforçou o apoio lituano à Ucrânia, “até que todos os ocupantes sejam derrotados”.

O Presidente daquele país, Gitanas Nausėda, também mostrou o seu apoio, desejando “força a Zelensky e à Ucrânia que lutam pela liberdade com coragem incrível, provocação e dignidade”. “A Lituânia estará sempre com vocês”, declarou.

A Presidente da Moldávia, Maia Sandu, escreveu que os moldavos admiram a coragem do povo ucraniano, “defensores da sua casa e lutadores pela liberdade, independência e democracia”. “São uma inspiração para as gerações vindouras. Estamos com vocês e desejamo-vos paz e prosperidade”, afirmou.

A embaixadora norte-americana na Ucrânia, Bridget A. Brink, disse que os Estados Unidos (EUA) vão continuar a apoiar a Ucrânia enquanto for necessário.

“As histórias de heroísmo e bravura de muitos ucranianos que conheci desde a minha chegada inspiram-me. Hoje, no nosso Dia Nacional, mostro a minha admiração pela defesa inabalável de nossos valores compartilhados”, referiu.

Sauli Niinistö, Presidente da Finlândia, enviou as congratulações a Zelenskyy, declarando que continuará a apoiar os ucranianos enquanto for necessário.

O número 10 de Downing Street foi adornado com girassóis e flores em tons de azul (cores da bandeira ucraniana). O gabinete do primeiro-ministro britânico reafirmou que o Reino Unido “continuará a apoiar os amigos ucranianos – agora e no futuro”.

O antigo Presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, elogiou o “poder do espírito nacional” como “chave” para a independência da Ucrânia. “Hoje posso dizer com confiança que 42 milhões de ucranianos falam a uma só voz. E isso permite-nos enfrentar qualquer inimigo, incluindo a Rússia”.

Yushchenko culpa em grande parte a incapacidade histórica do Ocidente de combater a agressão russa: no conflito de 2008, na Geórgia, e na sequência da anexação da Crimeia, seis anos depois. No entanto, o antigo Presidente considera que o teste final na Ucrânia mudou a posição do mundo.

Impacto económico

“O principal impacto foi o aumento dos preços da energia e uma grande incerteza sobre o que viria a seguir, o que fez com que houvesse algum recuo em relação a decisões de investimento e consumo”, disse ao ECO Pedro Braz Teixeira, economista da Nova SBE e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.

Impactou também o preço “de uma série de produtos alimentares, que se traduziram num aumento geral”. Além disso, a guerra “veio ter outro impacto que é acelerar todo o calendário de subida de taxas de juros dos bancos centrais”, salientou.

De facto os aumentos acabaram por impulsionar a inflação, que tem acelerado um pouco por toda a Europa. Na Zona Euro, a inflação em julho atingiu os 8,9%, enquanto para o conjunto da União Europeia o indicador já se fixa nos 9,8%. Em Portugal, fixa-se nos 9,1% no sétimo mês do ano.

O petróleo foi uma das matérias-primas onde mais se sentiu o aumento dos preços, com os governos a criarem medidas para mitigar estes efeitos. Nos últimos dias, o Brent tinha cedido para baixo dos 100 dólares o barril, uma fasquia que foi quase sempre ultrapassada no período inicial após a invasão.

Também o trigo, negociado nos mercados internacionais, disparou para ficar acima dos mil dólares em Nova Iorque, mas em junho começou a recuar e situa-se agora a rondar os 750 dólares.

Mas foi na energia que houve maior aumento de preços. O gás foi um dos grandes materiais afetados, nomeadamente pelo facto de a Rússia ser um grande fornecedor, algo que os países europeus começaram a tentar mudar, reduzindo a dependência.

Nos últimos dias voltou a aumentar, nomeadamente após a estatal russa Gazprom anunciar que vai suspender o abastecimento de gás natural à Europa por três dias no final deste mês. Existem receios de um corte mais prolongado da torneira do gás russo, contribuindo para a oscilação dos preços.

Taísa Pagno , ZAP //

4 Comments

  1. Não me parece que o longo prazo seja “bom” para a Ucrânia. Ainda temos os russos a dizerem que a russia devia começar uma guerra “a sério”, que isto é só uma operação especial……..

    • Lembre-se do que aconteceu à URSS no Afeganistão. Aqui, será parecido. Até diria que no número de mortos e equipamentos destruídos foi já pior em 6 meses do que em 10 anos de Afeganistão.

  2. A Ucrânia vai contra-atacar ferozmente, quando todo o armamento ocidental de última geração e de grande alcance e precisão estiver todo no terreno. Dentro de um mês todos os operadores e municioadores estarão já com o treino concluido e as operações de assalto definidas. Os russos irão ficar entalados entre duas ou quatro vertentes de fogo e fustigados impiedosamente. Os russos, com os seu militares cansados, inabilitados e desmotivados, começarão a claudicar. A história como no Afeganistão começará então a escrever-se.

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