Greve dos jornalistas marcada para amanhã, quinta-feira. Será a primeira paralisação desde 1982.
Amanhã, quinta-feira, será dia de uma greve rara em Portugal: greve dos jornalistas.
Não há uma paralisação no jornalismo português desde 1982. Esta surge, curiosamente, apenas dois dias depois do anúncio de despedimento coletivo no DN – mas o dia da greve já estava marcado desde Fevereiro.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) espera uma “adesão muito forte” à greve convocada para quinta-feira, em protesto contra a precariedade, mas também “um grito de alerta” para apoiar o jornalismo antes que seja “tarde demais”.
“Espero uma forte adesão porque na verdade a precariedade é muito mais alta que na generalidade dos outros setores, os salários são cada vez mais baixos, não temos progressões de carreira reiteradamente nos últimos 20 anos”, elencou Luís Simões, em declarações à Lusa.
“Não fazemos greve há 40 anos; neste momento temos mais que do que motivos para o fazer porque na verdade o exercício do jornalismo degradou-se de uma forma incrível” neste tempo, prosseguiu, apontando que atualmente os salários “são mínimos e a exigência para os jornalistas é máximo”.
Por isso, “temos todos os motivos para acreditar que vamos ter uma adesão muito forte à greve”, sublinhou o presidente do SJ.
Esta paralisação não assenta apenas em exigências laborais, mas também há outro fator que leva os jornalistas a paralisarem na quinta-feira: “O jornalismo neste momento em Portugal não é de todo apoiado“, enfatizou.
Num contexto em que na União Europeia procura apoiar o jornalismo, “Portugal é dos países da União em que ‘per capita’ [por pessoa] menos apoios há para a comunicação social”, destacou.
Por isso, a greve é “também um grito de alerta para o poder político e para os decisores: ou se apoia agora o jornalismo livre e independente ou vai ser tarde demais“.
Até porque, ao contrário do que acontece no jornalismo, “o investimento na desinformação é enorme e é desta forma que se corroem os pilares da democracia”, pelo que “chegou o momento de dizermos ou apoiam agora ou vai ser uma tragédia”, reforçou Luís Simões.
De um universo de mais de 5.000 jornalistas em Portugal, o SJ conta atualmente com “2.451 sócios”.
O número de sócios “tem aumentado”, adiantou Luís Simões.
No entanto, “o número de jornalistas vai aumentado, mas os salários são tão baixos que para cada um que sai são precisos entrar três ou quatro porque hoje ganha-se muito mal no jornalismo“, sublinhou.
“Não se pode ganhar muito mal numa profissão” com as exigências do jornalismo, “o salário médio de um jornalista hoje não chega aos 1.000 euros, quando a maior parte deles está nos centros urbanos”, onde os custos da habitação são elevadíssimos, apontou.
“É muito difícil fazer jornalismo assim”, rematou Luís Simões.
Redação do DN vai lutar
A redação do Diário de Notícias repudiou “veementemente” mais um anúncio de despedimento coletivo na Global Media Group (GMG) e promete avançar com novas formas e luta se administração não reconsiderar a decisão.
Num comunicado emitido na noite passada, a redação do jornal salienta que “em nome da sobrevivência do DN e do bom jornalismo”, espera que “a administração reconsidere e que seja possível criar uma solução que permita manter os bons profissionais”.
Mas promete, se isso não acontecer, “avançar para novas formas de luta”.
Na nota, a redação do diário defende que é “incompreensível” que a dias de uma greve geral na profissão, que defende melhores condições salariais, se pretendam despedir jornalistas invocando o critério “do salário demasiado alto” e da “equidade salarial na empresa”.
E lamenta que este despedimento afete “mais uma vez o coração do jornal e do jornalismo”.
Além disso, considera ser um “absurdo” que a administração da empresa alegue como motivo para este despedimento, que o “investimento efetuado no reforço da redação em novembro não obteve resultados”.
“Naturalmente não se pode esperar que em pouco mais de três meses, durante os quais houve salários em atraso [permanecendo o Subsídio de Natal ainda em falta], fosse possível assistir a uma recuperação miraculosa”, afirmam os jornalistas na nota.
Segundo a redação “o reforço com profissionais experientes efetuado a partir de novembro era absolutamente vital para assegurar a qualidade que se espera e se exige do DN”.
E “a mesma exigência de responsabilidade e defesa do DN também se espera de quem o gere e de quem nele investiu”, sublinham os jornalistas.
A redação opõe-se, assim, “a mais um emagrecimento do DN”, que diz “há anos ostenta o título de mais pequena redação do País [ou mesmo do Mundo] dentro dos diários de referência”.
Concluindo: “Despedir jornalistas é abdicar de património, o único do qual a administração se pode e deve orgulhar. Sobreviver a despedimento coletivo atrás de despedimento coletivo [não é construir] é destruir o bom jornalismo e a resiliência dos que têm abdicado de viver para fazer um jornal à altura da história e prestígio do DN”.
A direção interina do Diário de Notícias vai ser assumida por Bruno Contreiras Mateus, atual diretor do Dinheiro Vivo (DV) e que, “depois de um período de transição de três meses”, irá também deixar o GMG.
“Melhor profissão do mundo”
Muitos jornalistas trabalham de forma precária. Um exemplo captado pela Antena 1 foi o de Paula Sofia Luz.
A jornalista de 51 anos trabalha como freelancer há 10 anos. Não lhe falta trabalho mas falta-lhe “estabilidade laboral”.
“A carga fiscal é uma coisa tremenda, brutal. Mas dentro da precariedade, até me considero uma privilegiada porque tenho uma avença com um jornal nacional, quase um salário – não é um salário na verdadeira aceção da palavra, porque depois não tens todas as regalias sociais, porque só tens deveres, não direitos”.
Vivendo numa permanente “incerteza e angústia”, é muito difícil até manter “saúde mental”, também porque trabalha sempre a partir de casa, num regime muito solitário.
Mas não desiste do jornalismo: “O que me leva a ficar é que, apesar de tudo, para mim esta ainda é a melhor profissão do mundo“.
ZAP // Lusa