Governo vai fazer levantamento de abusos de docentes não pagos no ensino superior

Segundo ministro Manuel Heitor, há 19.226 docentes de carreira a tempo integral num universo de mais de 26 mil professores e que os casos de colaboração voluntária são “pontuais”.

Numa audição na comissão parlamentar de educação e ciência, a pedido do Bloco de Esquerda (BE), sobre os casos de professores nas instituições de ensino superior que lecionam sem receberem qualquer remuneração, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, respondeu favoravelmente a um requerimento apresentado pelo Partido Socialista (PS) para que seja feito um “levantamento exaustivo” de casos de abuso por parte de universidades e politécnicos.

“Em relação aos abusos, é a isso que iremos responder no requerimento do PS, mas esses casos estão hoje todos listados, de todas as relações contratuais no ensino superior. Claro que casos de contratos a 0% são particularmente estranhos e, por exemplo, sobre o caso da Universidade do Minho que nos traz aqui hoje, o reitor garantiu-me ainda hoje que anulou todas as contratações dos últimos anos a 0% e penso que essa é uma tendência geral nas instituições de ensino superior”, disse o ministro aos deputados da comissão, em resposta a perguntas da deputada social-democrata Isabel Lopes.

A audição ficou marcada por grandes divergências entre os números apresentados pelos deputados, nomeadamente Luís Monteiro, do BE, e Ana Mesquita, do PCP, que citaram relatórios recentes da Direção-Geral de Estatísticas em Educação e Ciência (DGEEC), e os apresentados por Manuel Heitor, que defendeu, contrariando os deputados, uma tendência de vinculação na carreira docente superior e de combate à precariedade, também com base em números oficiais.

O deputado socialista Tiago Estêvão Martins, que adiantou a apresentação do requerimento ao Governo, justificou o pedido com a necessidade, “pela simples dúvida levantada” de que possa haver um caso, de “uma aferição mais profunda de cada um destes casos”.

E mesmo considerando os 876 casos que o BE afirmou existirem neste momento nas instituições “uma interpretação dos números das bases de dados” oficiais, disse que “mais do que qualquer discussão sobre números o que o PS quer saber é, caso a caso, que situações de docência não remunerada são estas e qual o seu enquadramento”.

“Acho muito oportuno o requerimento, o passo seguinte é uma análise detalhada caso a caso. Cá estaremos para combater os abusos”, disse o ministro, na resposta.

Às acusações de Luís Monteiro, que referiu que entre 2012 e 2018 a percentagem de docentes a lecionar sem contrato com as instituições aumentou de 30% para 42%, o ministro respondeu com um crescimento de 8% de professores de ensino superior na última legislatura, “feito sobretudo à custa de contratos a tempo indeterminado” e acrescentou sobre a situação na Universidade do Minho que o reitor garantiu ter apenas dois docentes em regime de colaboração voluntária, um aposentado e um investigador externo à instituição.

O ministro disse que há 19.226 docentes de carreira a tempo integral num universo de mais de 26 mil professores a trabalhar nas instituições e que os casos de colaboração voluntária são “casos pontuais”, indicando o número de 174 pessoas que lecionam, cada uma, em média, menos de duas horas semanais. Os contratos 0% (sem remuneração) representam assim, segundo o ministro 0,2% do universo de docentes do ensino superior.

Ana Mesquita insistiu que os números da DGEEC contrariam o ministro e indicam duas curvas “em colisão”, uma que aponta para o aumento de professores convidados e outra para o decréscimo de docentes de carreira, denunciando o recurso a “situações paralelas à carreira e de legalidade extremamente duvidosa para contornar limites da lei” como contratos para professor afiliado, uma situação que disse acontecer “às claras” na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e que o ministro garantiu desconhecer.

A deputada do PCP denunciou ainda “a pressão gigantesca” exercida sobre os bolseiros de investigação para que deem aulas, ainda que os regulamentos de bolsas não o prevejam, questionando o ministro sobre se tenciona aumentar a fiscalização e se há um subfinanciamento das instituições a potenciar estes casos.

Insistindo na “perseguição aos abusos”, Manuel Heitor defendeu, no entanto, o respeito pela autonomia das instituições, “credíveis no contexto internacional”. “Não podemos frontalmente atacar as instituições que hoje têm também um papel de dignificar Portugal no contexto internacional”, disse o ministro, que merecia mais tarde uma resposta de Luís Monteiro, que contrapôs a necessidade de respeitar os direitos dos trabalhadores.

Sobre os casos dos bolseiros pressionados a lecionar, uma questão que mereceu a insistência do deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, o ministro afirmou desconhecer casos e que se tivesse conhecimento “já teria exercido uma ação inspetiva”.

“Não vale a pena continuar com a propaganda de que se valorizam as carreiras quando na verdade a política tem sido continuar a contratar paralelamente a uma carreira”, criticou Luis Monteiro na sua última intervenção, tendo o ministro insistido, a finalizar a audição, que a revisão do regime jurídico de graus e diplomas já efetuada vai obrigar as instituições a reforçar o peso dos docentes de quadro para poderem continuar acreditadas e a lecionar.

// Lusa

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