O que se passa na Geórgia? Há dedo de EUA e Rússia e a “bomba” pode rebentar na UE

David Mdzinarishvili / EPA

Protestos na Geórgia por causa da "lei dos agentes estrangeiros".

Protestos na Geórgia por causa da “lei dos agentes estrangeiros”.

A Geórgia está a ferro e fogo devido à “lei dos agentes estrangeiros”. Já se teme pelo futuro do país – mas é também um novo “desafio geo-político” para a União Europeia (UE) com “interferências” russas e americanas pelo meio.

Pelo menos 63 pessoas foram detidas na noite de terça-feira em Tbilissi, na Geórgia, em mais uma jornada de protestos contra a chamada “lei dos agentes estrangeiros”.

Após três semanas de manifestações pacíficas, a polícia actuou com mão de ferro nos protestos das noites de terça-feira e quarta-feira, 30 de Abril e 1 de Maio, reprimindo violentamente os manifestantes com canhões de água e gás lacrimogéneo. Terá ainda usado balas de borracha, algo que o Governo nega.

As forças de segurança tiveram de utilizar meios especiais para dispersar a manifestação quando esta assumiu um “carácter violento”, referiu o ministro do Interior da Geórgia.

Entre os feridos está também o líder do principal partido da oposição georgiana (o Movimento Nacional Unido), Leván Jabeishveli, que foi violentamente espancado e que foi hospitalizado, depois de tentar escapar a um cordão policial durante a manifestação.

“Não à lei russa!”

Os opositores denunciam que a “lei dos agentes estrangeiros” é uma cópia da legislação em vigor na Rússia, utilizada para silenciar os dissidentes.

Os manifestantes tentaram, na terça-feira, bloquear o edifício do Parlamento, fortemente vigiado pela polícia de choque, que utilizou gás lacrimogéneo para dispersar os opositores.

Os manifestantes gritavam “Não à lei russa!” e “Geórgia!” enquanto atiravam ovos à polícia.

Ao mesmo tempo, os apoiantes do Governo reuniram na segunda-feira, dezenas de milhares de pessoas na capital da Geórgia em apoio à política do Executivo.

A presidente da Geórgia, Salomé Zourabichvili, já disse que se a lei lhe chegar às mãos a vai vetar. Mas isso pode não fazer diferença porque o partido no poder tem votos suficientes para a poder ignorar.

Homem mais rico da Geórgia atiçou os protestos

Os protestos surgiram depois de um discurso ameaçador do oligarca Bidzina Ivanichvili, o homem mais rico da Geórgia que fez fortuna na Rússia e que já foi primeiro-ministro do país.

Entretanto, afastou-se da cena política, mas Ivanichvili é o fundador do partido que está no poder, o Sonho Georgiano, e é considerado o verdadeiro “mestre” por trás das decisões do Executivo, tendo uma postura pró-russa.

Antes das manifestações, acusou a oposição de ser um “partido da guerra mundial”, notando que são “o cavalo de Tróia” das agências de inteligência ocidentais que disse desejarem “tomar o poder em Tbilissi” – poderia ter sido um discurso escrito por Putin, com um cunho claramente anti-ocidental.

Em 2023, o Governo georgiano já tinha tentado adoptar a lei sobre a “influência estrangeira”, mas foi obrigado a retirá-la devido à pressão popular.

O projecto de lei é inspirado na legislação russa e é considerado anti-democrático pela oposição, exigindo que as associações e Organizações Não Governamentais se declarem como “agentes do estrangeiro” se tiverem, no mínimo, 20% de financiamento oriundo de países estrangeiros.

Uma lei semelhante foi usada na Rússia para eliminar a quase totalidade das organizações pró-democracia da sociedade civil.

A actuação da polícia e do Governo georgiano já mereceram a condenação internacional, com os EUA a criticarem os “discursos mentirosos” e “anti-ocidentais” das autoridades na defesa do seu projecto-de-lei.

Nova frente de guerra entre UE e Rússia

A antiga República soviética obteve, em 2023, o estatuto de país candidato à adesão à UE80% da população é favorável a esta adesão, segundo sondagens realizadas no país.

A “lei dos agentes estrangeiros” é vista como uma ameaça a essa aspiração da larga maioria dos georgianos.

Um alto reesponsável da Comissão Europeia já esteve na Geórgia para alertar o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze de que a polémica lei é contrária às reformas que o país precisa de fazer para entrar na UE, conforme adianta o jornal francês Le Monde.

Portanto, mais do que uma questão interna da política georgiana, este é “um novo desafio geo-político para a UE”, como repara o jornal, salientando que é mais uma frente de “guerra” entre a Rússia e Bruxelas.

Com eleições previstas para Outubro de 2024 na Geórgia, há receios de que o país venha a viver um cenário semelhante ao da Ucrânia.

Em Novembro de 2023, o novo presidente eleito da Ucrânia, Viktor Ianoukovitch, recusou assinar o tratado de associação com a UE, o que provocou violentos protestos da população. Foi o início da chamada “revolução de Maidan” que levou à queda do regime e à chegada de Zelensky ao poder.

Depois disso, a Rússia anexou a Crimeia e acabou a invadir a Ucrânia.

“Interferência” dos EUA e da Rússia

Este “caldo” preocupante que se vive na Geórgia e noutros países da Europa de Leste tem estado a ser cozinhado há algumas décadas por movimentos estrangeiros, sobretudo com base na Rússia e nos EUA, interessados em fomentarem uma agenda anti-LGBTQI+, e anti-direitos das mulheres e dos homossexuais na Europa.

Uma resolução aprovada pelo Parlamento Europeu (PE) em Julho de 2023 alertou para isso mesmo, referindo que havia uma “influência estrangeira” a ameaçar as expectativas dos países da Europa de Leste e dos Balcãs na adesão à UE fruto dessa agenda.

O PE mencionava a “interferência” em movimentos europeus anti-LGBTQI+, e anti-direitos das mulheres e dos homossexuais, com “organizações estrangeiras” a financiarem esta agenda com milhares de euros, conforme citava na altura a Euronews.

A resolução também notava a “interferência nos processos democráticos”, alegando que a maioria dos fundos vinha da Rússia e dos EUA.

Do lado russo, não há interesse em que a UE seja alargada para perto das suas fronteiras e do lado americano, há uma onda de ultra-conservadores, que apoiam Putin e Trump, e que querem impor a sua agenda ao mundo.

Na Géorgia em particular, este ataque aos direitos LGBTQI+ já foi notado na marcha do Orgulho Gay de 8 de Julho de 2023, quando o grupo pró-russo e ultra-conservador Alt Info tentou boicotar o evento.

A organizadora da Marcha, Mariam Kvaratskhelia, disse, na altura, à Reuters, conforme cita a Euronews, que acreditava que os elementos do Alt Info tinham actuado numa acção “pré-planeada” e “coordenada entre o Governo e o grupo radical” para “sabotar a candidatura da Geórgia à UE”.

Este tipo de tensões está também a notar-se noutros países da Europa de Leste cujos cidadãos aspiram a entrar na UE.

Susana Valente, ZAP // Lusa

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