“Gelo espacial” é muito diferente do que estávamos à espera

Michael B Davies / UCL, University of Cambridge

O “gelo espacial” é menos parecido com a água do que se pensava

Ao contrário do que esperávamos, o “gelo espacial” contém pequenos cristais e não é um material completamente desordenado, como a água líquida, revela um novo estudo de cientistas da University College London e da Universidade de Cambridge.

O gelo no espaço é diferente da forma cristalina, altamente ordenada, de gelo que encontramos na Terra.

Durante décadas, os cientistas presumiram que o gelo no espaço seria amorfo, sem estrutura, e que as temperaturas mais baixas impediriam a formação de cristais, por não haver energia suficiente durante o congelamento.

Num novo estudo, publicado esta semana na revista Physical Review B, uma equipa de investigadores da University College London (UCL) e da Universidade de Cambridge analisou a forma mais comum de gelo no Universo: o gelo amorfo de baixa densidade.

Este tipo de gelo existe em grande quantidade em cometas, nas luas geladas e em nuvens de poeira onde se formam estrelas e planetas.

Os investigadores descobriram, através de simulações realizadas com esse gelo, que os resultados correspondiam melhor aos dados de experiências anteriores quando se assumia que o gelo não fosse totalmente amorfo, mas que contivesse pequenos cristais com cerca de três nanómetros de largura – um pouco mais largos do que um único filamento de ADN.

Noutras experiências, também recristalirzaram (ou seja, aqueceram) amostras reais de gelo amorfo que tinham sido formadas de diferentes maneiras, tendo descoberto que a estrutura cristalina final variava consoante a origem do gelo amorfo.

Se o gelo fosse totalmente amorfo, completamente desordenado, não manteria qualquer vestígio da sua forma anterior, explica a UCL em comunicado.

“Agora temos uma ideia de como é a forma mais comum de gelo no Universo a nível atómico. Isto é importante, pois o gelo está envolvido em muitos processos cosmológicos, desde a formação de planetas, à evolução das galáxias, até à forma como a matéria se movimenta no Universo” disse Michael B. Davies, investigador da UCL e primeiro autor do estudo.

As conclusões também têm implicações para uma teoria especulativa sobre a origem da vida na Terra.

Segundo esta teoria, conhecida como panspermia, os blocos fundamentais da vida terão chegado à Terra através de um cometa gelado, sendo o gelo amorfo de baixa densidade o “material transportador” onde compostos como aminoácidos simples foram levados.

“Os nossos resultados sugerem que este gelo seria um material de transporte menos eficaz para estas moléculas precursoras da vida, porque uma estrutura parcialmente cristalina tem menos espaço para incorporar esses ingredientes. Contudo, a teoria continua plausível, pois há regiões amorfas no gelo onde os blocos da vida poderiam ter ficado presos e armazenados”, diz Davies.

“O gelo na Terra é uma curiosidade cosmológica devido às temperaturas amenas que aqui temos. É possível observar a sua natureza ordenada na simetria de um floco de neve.” afirma o co-autor do estudo Christoph Salzmann.

“No resto do Universo, o gelo foi durante muito tempo considerado como um instantâneo da água líquida – ou seja, uma disposição desordenada das moléculas fixada no lugar. Os nossos resultados mostram que isso não é totalmente verdade” diz Salzmann.

Longa história do gelo amorfo

Para o estudo, os investigadores usaram dois modelos computacionais de água, congelaram estas “caixas” virtuais de moléculas de água, arrefecendo-as até -120 °C a diferentes velocidades. As diferentes taxas de arrefecimento levaram a proporções variadas de gelo cristalino e amorfo.

Descobriram que o gelo com até 20% de cristalinidade e 80% amorfo correspondia muito bem à estrutura do gelo amorfo de baixa densidade observada em estudos de difração de raios-X.

Noutros testes experimentais, a equipa criou amostras reais de gelo amorfo de baixa densidade por diferentes métodos, desde a deposição de vapor de água sobre uma superfície extremamente fria, até ao aquecimento do chamado gelo amorfo de alta densidade, gelo comprimido a temperaturas muito baixas.

Se fosse totalmente desordenado, o gelo não manteria qualquer memória das suas formas anteriores, o que os autores do estudo consideram ser uma evidência indireta de que o gelo amorfo de baixa densidade contém cristais.

A equipa afirmou que as descobertas levantam muitas outras questões sobre a natureza dos gelos amorfos, por exemplo, se o tamanho dos cristais varia consoante a forma em que ocorre a transformação do gelo amorfo, e se é sequer possível existir um gelo verdadeiramente amorfo.

O gelo amorfo foi descoberto pela primeira vez na sua forma de baixa densidade na década de 1930, quando cientistas condensaram vapor de água numa superfície metálica arrefecida a -110 °C. A sua forma de alta densidade foi descoberta nos anos 1980, ao comprimir gelo comum a quase -200 °C.

Os autores do estudo descobriram o gelo amorfo de densidade média em 2023. Este tipo de gelo apresentou a mesma densidade da água líquida, portanto, nem flutuaria nem afundaria na água.

A água é a base da vida, mas ainda não a compreendemos totalmente. Os gelos amorfos podem ser a chave para explicar algumas das muitas anomalias da água”, comentou o co-autor Angelos Michaelides, da Universidade de Cambridge.

O gelo pode ser um material de alto desempenho no espaço. Pode proteger naves espaciais da radiação ou fornecer combustível sob a forma de hidrogénio e oxigénio. Por isso, precisamos de conhecer as suas várias formas e propriedades.” concluiu Davies.

José Costa, ZAP //

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