Braço de ferro entre França e Alemanha sobre centrais nucleares deixa a transição energética da UE em xeque

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Central nuclear Gröhnde, na Alemanha

A Alemanha considera a proposta da Comissão Europeia, que deixa em cima da mesa o financiamento europeu a projectos nucleares, um “erro absoluto”. Já a França tem tentado pressionar a UE no sentido oposto.

Já se notavam os sinais de um conflito que estava para vir no último Conselho Europeu e, desde então, parece que nada mudou. A energia nuclear continua a ser um tema que causa muita discórdia na Europa e até o eixo franco-alemão está dividido. Se a França é a maior defensora do investimento na energia nuclear para a transição energética, a Alemanha é a principal opositora.

Esta divergência pode também vir a ter um grande impacto no futuro da estratégia energética da União Europeia, que precisa de se adaptar ao contexto das alterações climáticas, com as duas maiores economias em discórdia sobre o que pode ser considerado como uma alternativa verde, lembra o Público.

A proposta da Comissão Europeia para definir os critérios de apoio financeiro para energias sustentáveis para o futuro abre a porta a que o gás natural e a energia nuclear possam ser considerados para receberem fundos europeus, em certos casos.

No documento, os projectos que substituam o carvão e emitam até 270 gramas de CO2 por kw/h podem ser considerados sustentáveis e obter licenças para construção até 2030, mas têm de ter um plano de transição para energias renováveis de baixa missão até ao fim de 2035.

A Ministro do Ambiente da Alemanha, Steffi Lemke, que pertence aos Verdes, não tardou a criticar a proposta. “Parece-me um erro absoluto que a Comissão Europeia pretenda incluir a energia nuclear no grupo das actividades económicas sustentáveis da União Europeia”, afirmou.

A responsável alemã justificou a sua posição dizendo que a energia nuclear “pode levar a catástrofes ambientais devastadoras, em caso de acidente grave num reactor” e que também “deixa grandes quantidades de resíduos perigosos altamente radioactivos”, não podendo assim “ser sustentável”.

É também “extremamente problemático” que a Comissão “queira dispensar uma consulta pública numa questão tão delicada”, condena. O Ministro das pastas do Clima, Energia e Economia, Robert Habeck, que é também dos Verdes, juntou-se à sua colega de governo nas críticas, considerando que “a proposta da Comissão Europeia dilui o bom rótulo da sustentabilidade”.

Já Annalena Baerbock, co-líder dos Verdes com Habeck e Ministra dos Negócios Estrangeiros, também já deixou claro que “a Alemanha se vai opor aos esforços franceses de considerar a eletricidade nuclear como energia verde”, mas deixou na mesma apelos para que as “relações franco-alemãs” continuem “fortes“.

Mas não são só os Verdes que mostram a sua oposição. O número dois da bancada parlamentar dos sociais-democratas do SPD, Matthias Miersch, também é contra a proposta, considerando que além de ser “insustentável”, a energia nuclear também não é a solução económica para a crise devido aos custos do armazenamento dos resíduos e os subsídios exigidos para novas centrais.

“Se juntarmos estes possíveis subsídios à energia nuclear, o resultado será uma distorção enorme da competitividade”, defende Miersch, sublinhando que “o futuro deve pertencer às energias renováveis, especialmente a nível europeu”.

No dia 31 de Dezembro, a Alemanha fechou três das seis centrais nucleares que ainda estavam operacionais no país e tem como objectivo fechar as três que ainda restam até ao final deste ano, no culminar de um esforço de desnuclearização energética que tem feito nos últimos anos.

O plano de transição energética alemão, o Energiewende, é considerado um exemplo a nível mundial, com uma sondagem do World Energy Councy a mais de 80 especialistas em energia de vários países a apontá-lo como uma possível referência que deve ser decalcada por outros estados.

França é o país do mundo mais dependente da energia nuclear

Por sua vez, a França felicitou a proposta da Comissão Europeia. Clément Beaune, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, Clément Beaune, considera que a proposta é satisfatória a nível técnico e argumentou que a União Europeia “não conseguirá alcançar a neutralidade de carbono até 2050 sem a energia nuclear”.

A França é o maior nome entre os 13 estados-membros que produzem energia nuclear, que têm pressionado a União Europeia para que esta alternativa possa receber fundos europeus. Em 2019, quase 50% da energia de baixas emissões no espaço europeu vinha da produção nuclear.

Em Novembro, Emmanuel Macron anunciou que a França ia voltar a construir reactores nucleares, com o Eliseu a argumentar que os investimentos nesta energia permitem que o país mantenha os custos da produção baixos e controle o seu próprio fornecimento, ao mesmo tempo que cumpre as suas metas climáticas.

O país está apenas atrás dos Estados Unidos no número de reactores nucleares operacionais e é o primeiro na lista mundial da dependência de energia nuclear. A França tinha também um plano para que esta dependência fosse reduzida e que não mais do que metade da eletricidade usada até 2035 fosse de origem nuclear, mas o anúncio de Macron indica que esta ideia pode estar a ser posta de parte.

O anúncio do chefe de Estado reacendeu também esperança de que a central nuclear de Fessenheim pudesse voltar ao trabalho, depois de ser tido fechada em Junho de 2020. A central abriu em 1977 e era a mais antiga do país, sendo responsável por mais de 2000 empregos.

No entanto, Fessenheim, que ficava perto da fronteira com a Alemanha, foi também um ponto de discórdia durante décadas entre as populações dos dois países e alimentou o movimento anti-nuclear do lado alemão, especialmente depois do desastre de Chernobyl em 1986.

Robert Habeck também esteve entre os políticos que assinou um comunicado que celebrava o encerramento da central. O governo alemão também aponta para relatórios como o da EDF, que recentemente detectou fissuras nos canos de um reactor nuclear em França, como um exemplo da falta de segurança das centrais.

A divergência no eixo franco-alemão não dá sinais de estar para acabar. Agora, os estados-membros da União Europeia e a Plataforma sobre Finanças Sustentáveis têm até 12 de Janeiro para responder à proposta. A Comissão Europeia vai depois criar uma lei que vai ser debatida no Parlamento Europeu.

Adriana Peixoto, ZAP //

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3 Comments

  1. Estes políticos de caka metem-se em imbróglios de que depois não sabem sair. Com a treta das alterações climáticas (uma história que não é nova, sempre se verificou, só que agora há aproveitamento político) resolveram dar caça ao CO2. Sem alternativas viáveis e seguras (as eólicas estão muito longe da eficácia aceitável, para além da poluição visual, entre outras, que provocam; a energia solar, idem aspas igual ao de cima; as hidroeléctricas foram alvo de ataques dos ambientalistas, mas as suas hipóteses são limitadas), só resta o nuclear. Que mete medo às pessoas em caso de acidente. Só que o risco de acidente é muito baixo (os reactores estão dentro de um invólucro de betão denso com 3 m de espessura e fortemente armado, enquanto em Tchernobyl os reactores só não estavam a céu aberto porque havia a cobertura do armazém por cima, para evitar a chuva). Ou seja, mesmo perante a ocorrência de uma falha qualquer num reactor (leakage) o invólucro de betão é suficiente para “segurar” o processo. Portanto as referências a Tchernobyl são desonestas porque exageradas. É a mesma coisa que dizer que viver neste planeta é perigoso porque podemos levar com um meteorito na cabeça….Entretanto há o gás russo, mas os políticos entretêm-se a criticar e a implicar com os russos por tudo e por mais alguma coisa. E agora o governo alemão, mercê dos arranjos de interesses políticos, tem em postos chaves ministros dos Verdes, gente irresponsável, que pensa acima de tudo na ideologia e não com o pragmatismo das soluções viáveis. Vão acabar por ter de se entender, pois a França não tem o gás ali ao pé e interessa-lhe desenvolver o seu sector nuclear (as centrais de última geração são muito seguras). E se 3 metros de betão não chegam empregam-se 6 ou 10 m, o betão não é excessivamente caro e só se gasta uma vez.

  2. Eu não compreendo é o exagero e a demagogia no que se refere à energia nuclear… Aquilo que todos veem como negativo é a melhor coisa do nuclear. O lixo radioativo obriga nos a todos a sermos conscientes, ao contrato dos combustiveis fósseis em que os “residuos” vão para a atmosfera e as consequências que se lixem! E as quantidades de lixo radioativo produzidas são infímas relativamente à energia produzida (nos EUA todos o lixo produtivo alguma vez criado cabe num campo de futebol com poucos metros de altura)… Fico feliz por haver alguém (a França) com capacidade para interpretar números, ao contrário da Alemanha que quer por só Eólica e Solar a dar a energia toda, e depois eu aqueço a minha casa com energia arco-irís… Enfim, já estamos todos a sofrer com estas idiotices, vide o aumento dos preço da energia e de tudo o resto que vêm atrás. Se a França não levar a sua avante não vamos resolver nada. Frase chave: Por cada central fechada, por cada eólica construída, há uma central de gás por trás

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