Físicos procuram pistas para os segredos do Universo nas poderosas colisões entre buracos negros, onde a gravidade atinge o seu ponto mais extremo.
A teoria da relatividade geral de Albert Einstein descreve a forma como o tecido do espaço e do tempo, ou espaço-tempo, é curvado em resposta à massa.
O nosso Sol, por exemplo, deforma o espaço à nossa volta de tal forma que o planeta Terra orbita o Sol como um berlinde atirado para um funil (a Terra não cai para o Sol devido ao impulso lateral do planeta).
A teoria, que foi revolucionária na altura em que foi proposta, em 1915, reformulou a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo.
Por muito fundamental que esta teoria seja para a própria natureza do espaço à nossa volta, os físicos dizem que pode não ser o fim da história. Em vez disso, defendem que as teorias quânticas da gravidade, que tentam unificar a relatividade geral com a física quântica, contêm segredos sobre o funcionamento do nosso Universo a níveis mais profundos.
Um dos sítios onde se podem procurar assinaturas quânticas de gravidade é nas poderosas colisões entre buracos negros, onde a gravidade atinge o seu ponto mais extremo.
Os buracos negros são os objetos mais densos do Universo – a sua gravidade é tão forte que espremem os objetos que neles caem como se fossem esparguete.
Quando dois buracos negros colidem e se fundem num corpo maior, perturbam o espaço-tempo em redor, enviando ondas gravitacionais em todas as direções.
O LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), financiado pela NSF (National Science Foundation) e gerido pelo Caltech e pelo MIT, tem vindo a detetar regularmente ondas gravitacionais geradas por fusões de buracos negros desde 2015.
Os seus observatórios parceiros, Virgo e KAGRA, juntaram-se à caça em 2017 e 2020, respetivamente). No entanto, até agora, a teoria da relatividade geral tem passado teste após teste, sem sinais de rutura.
Agora, dois novos artigos científicos liderados pelo Caltech, publicados na revista Physical Review X e na revista Physical Review Letters, descrevem novos métodos para submeter a relatividade geral a testes ainda mais rigorosos.
Observando mais de perto as estruturas dos buracos negros e as ondulações no espaço-tempo que produzem, os cientistas procuram sinais de pequenos desvios da relatividade geral que indiciem a presença de gravitação quântica.
“Quando dois buracos negros se fundem para produzir um buraco negro maior, o buraco negro final toca como um sino”, explica Yanbei Chen, professor de física no Caltech e coautor de ambos os estudos.
“A qualidade do toque, ou o seu timbre, pode ser diferente das previsões da relatividade geral se certas teorias da gravitação quântica estiverem corretas. Os nossos métodos foram concebidos para procurar diferenças na qualidade desta fase de descida do zumbido, como os harmónicos e os sobretons, por exemplo”, acrescenta o astrónomo.
O primeiro artigo, coliderado por Dongjun Li, estudante do Caltech, e Pratik Wagle, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, apresenta uma nova equação para descrever o ‘toque’ dos buracos negros no âmbito de certas teorias quânticas da gravidade, ou naquilo a que os cientistas chamam o regime para lá da relatividade geral.
O trabalho baseia-se numa equação inovadora desenvolvida há 50 anos por Saul Teukolsky, professor de astrofísica teórica no Caltech.
Teukolsky tinha desenvolvido uma equação completa para compreender melhor a forma como as ondulações da geometria do espaço-tempo se propagam à volta dos buracos negros.
Em contraste com os métodos numéricos da relatividade, em que são necessários supercomputadores para resolver simultaneamente muitas equações diferenciais da relatividade geral, a equação de Teukolsky é muito mais simples de utilizar e, como Li explica, fornece uma visão física direta do problema.
“Se alguém quiser resolver todas as equações de Einstein da fusão de um buraco negro para a simular com precisão, tem de recorrer a supercomputadores”, diz Li. “Os métodos numéricos da relatividade são muito importantes para simular com exatidão as fusões de buracos negros e constituem uma base crucial para a interpretação dos dados do LIGO”.
“Mas é extremamente difícil para os físicos extrair intuições diretamente dos resultados numéricos. A equação de Teukolsky dá-nos uma visão intuitiva do que se está a passar na fase de descida do zumbido”, acrescenta.
Li e os seus colaboradores conseguiram, pela primeira vez, pegar na equação de Teukolsky e adaptá-la a buracos negros no regime para lá da relatividade geral. “A nossa nova equação permite-nos modelar e compreender as ondas gravitacionais que se propagam à volta dos buracos negros, que são mais exóticas do que Einstein previu”, afirma.
O segundo artigo, publicado na revista Physical Review Letters, liderado pelo estudante de Caltech, Sizheng Ma, descreve uma nova forma de aplicar a equação de Li aos dados reais obtidos pelo LIGO e pelos seus parceiros na sua próxima série de observações.
Esta abordagem de análise de dados utiliza uma série de filtros para remover características do “toque” de um buraco negro previstas pela relatividade geral, de modo a que possam ser reveladas assinaturas potencialmente subtis para lá da relatividade geral.
“Podemos procurar características descritas pela equação de Dongjun nos dados que o LIGO, o Virgo e o KAGRA irão recolher”, diz Ma. “Dongjun encontrou uma forma de traduzir um grande conjunto de equações complexas numa só equação, o que é extremamente útil. Esta equação é mais eficiente e mais fácil de usar do que os métodos que usámos anteriormente”.
Os dois estudos complementam-se bem, diz Li. “Estava inicialmente preocupado que as assinaturas que a minha equação prevê ficassem enterradas sob múltiplos sobretons e harmónicos; felizmente, os filtros de Sizheng conseguem remover todas estas características conhecidas, o que nos permite focar apenas nas diferenças”, afirma.
Chen acrescentou: “Trabalhando em conjunto, as descobertas de Li e Ma podem aumentar significativamente a capacidade da nossa comunidade para sondar a gravidade”.
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